terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Frevo: Aniversário hoje - 103 Anos



E o frevo segue seu compasso...

José Teles
Especial para o JC OnLine

O frevo completa em fevereiro cem anos. A data foi oficializada tendo como referência a primeira vez que a palavra "frevo" foi constatada na imprensa, ou seja, em 9 de fevereiro de 1907, no extinto Jornal Pequeno, do Recife, na coluna Carnaval, assinada por Oswaldo Oliveira. A nota (uma descoberta do pesquisador Evandro Rabello) referia-se a um ensaio do clube Empalhadores do Feitosa, do bairro do Hipódromo, e ao relacionar as músicas que seriam tocadas no ensaio do clube citou, entre outras, as marchas Delícias amorosas, O sol, Dois pensamentos e uma intitulada O frevo.
Vale ressaltar que "frevo" àquela época não denominava um gênero musical, e sim a folia, mais precisamente, a multidão fervendo nas estreitas ruas dos bairros do São José, Santo Antônio, ou Boa Vista, próximos ao Centro do Recife, onde desfilavam a maioria dos clubes, troças e blocos do animado carnaval da Capital pernambucana. A "marcha", porém, era praticamente a mesma que a partir de meados dos anos 30 passou a ser chamada de frevo-de-rua. A palavra "frevo", é opinião sem discordância, deriva-se da corruptela do verbo ferver, conforme pronunciava o povão pernambucano.
"Olha o frevo", era o brado que se ouvia quando vinha a onda humana pelas ruas do Recife acompanhando alguma agremiação, ao som de uma marcha frenética: "O Clube Lenhadores fez o seu ensaio geral ontem percorrendo em seguida diversos bairros da cidade. Às 21h passava pela rua do Imperador ao som de uma marcha excelente. O frevo era ruidoso e efervescente. Os foliões em massa compacta faziam a alegria à frente nos saracatórios (sic) típicos do passo", esta nota na seção Carnaval, do Jornal do Commercio, de 4 de fevereiro de 1921, descreve com precisão o frenesi coletivo que o frevo provoca nos foliões. Note-se também que, embora frevo não fosse ainda a música, mas o seu efeito na multidão, a dança já era conhecida como "passo".
Ambas, música e passo, também é uma opinião quase unânime, surgiram simultaneamente, uma simbiose de responsabilidade da turba de capoeiras que aprontava pelas ruas do Recife desde meados do século 19. As súcias de capoeiras, e desordeiros em geral, tinham por costume optar por alguma banda de música e torcer por elas. Não apenas torcer, mas acompanhá-las pelas ruas, e brigar por elas. Foram os antepassados mais remotos das galeras que formam as torcidas organizadas dos tempos atuais. No Recife as bandas que tinham o maior número de adeptos foram as do 4° Batalhão de Artilharia, conhecido como o Quarto, e a banda do Corpo da Guarda Nacional, ou a Espanha, por ter como mestre o espanhol Pedro Francisco Garrido.
A malta de desordeiros ia diante destas bandas, fazendo evoluções, gingando, saltando, e olhando ameaçadoramente quem considerasse inimigo, aos gritos de "Se vier, morre". Com o título de Distúrbios e ferimentos, o Jornal do Recife, em 26 de janeiro de 1869 noticia mais uma escaramuça provocada pelos capoeiras: "Anteontem das 8 para as 9 horas da noite ao passar a música dos menores do arsenal da marinha pela rua do Lima, em Santo Amaro das Salinas, distrito da Boa Vista, desta cidade, houve um conflito entre o povo que acompanhava a dita música e os guardas nacionais, do qual resultou saírem feridos três indivíduos, sendo gravemente um e levemente dois; fez-se o competente corpo de delito" (transcrito do livro Memória da Folia O carnaval do Recife pelos olhos da imprensa 1822/1925, de Evandro Rabello).
Isto por si só não explicaria, nem resultaria no surgimento do frevo e de sua coreografia, o passo. Acontece que eram as bandas militares que também acompanhavam os desfiles das agremiações carnavalescas, e no meio dos foliões que brincavam o carnaval estavam os mesmos capoeiras e desordeiros à frente do préstito, disfarçando as manobras da luta marcial em gingas mais leves, aparentemente inofensivas. A música que se tocava no final do século 19 eram polcas, maxixes, dobrados, a quadrilha. O frevo é um amálgama destes gêneros musicais, o andamento influenciado pelo passo, pela fervura dos foliões nas ruas estreitas e seculares do Recife. Mário Melo, um dos mais atuantes jornalistas recifenses na primeira metade do século 20 (diz-se que escreveu mais de 50 mil artigos, ao longo de meio século de carreira), num ensaio para o Anuário do Carnaval Pernambucano de 1938, garante que o frevo tem pai: o mestre de banda Zuzinha, ou o Capitão José Lourenço da Silva, regente da banda do 40° Batalhão de Infantaria, aquartelado no Forte das Cinco Pontas, no Recife. Segundo Mello teria sido ele quem estabeleceu a linha divisória entre a marcha-polca e o frevo: "Não tinha a marcha-polca introdução e foi a introdução sincopada, com quiálteras que começou a estabelecer a diferenciação para o frevo".
Os frevos
À fanfarra adicionou-se o "caixa" (tarol) que sustenta o ritmo o tempo inteiro. Para controlar a multidão incontrolável, os compositores desenvolveram artifícios que levaram o frevo a desdobrar-se em subgêneros. O frevo-de-rua, por exemplo, subdivide-se em ventania (o frevo mais, modo de dizer, tranqüilo, formado quase que inteiramente por semi-colcheias), o coqueiro (o de alta tessitura, com notas que vão além da pauta, com os trompetes aparecendo mais). Por fim o abafo (tocado quando uma agremiação cruza com outra no meio da folia. Os trombones têm destaque, com a finalidade de abafar a orquestra do adversário). Uma orquestra típica de frevo-de-rua valia-se de pelo menos dez trombones, mas há casos de orquestras com 40 trombones.
Além do instrumental, há os frevos cantados, embora os mais puristas nem considerem que estes sejam mesmo frevos, e ainda hoje teimem em chamá-los de marchas. São o frevo-canção e o de bloco. O canção que teve como compositor mais famoso Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa), falecido em 1997, sofreu influência da marchinha carioca, mas logo lhe foram acrescentados elementos de frevo, os mais notáveis, a marcação do surdo, no tempo forte e fraco, e o tarol na marcação em moto continuo. O primeiro frevo gravado foi um frevo-canção, Borboleta não é ave, de Nelson Ferreira e J.Borges Diniz, cantado por Baiano, para a Casa Edison, em 1923.
Capiba se destacou nacionalmente, mais pelas composições não carnavalescas: Maria Bethânia (sucesso tão grande com Nelson Gonçalves, que levou um garoto baiano chamado Caetano Veloso a sugerir aos pais que batizassem a irmã com o nome do samba-canção); Serenata suburbana (guarânia gravada por Alcides Gerardi) e Aquela rosa amarela (bossa nova cantada por Maysa). No entanto, Nelson Ferreira (Nelson Heráclito Alves Ferreira, falecido em 1976) pontificou sobre a música pernambucana em geral, e sobre o frevo em particular da segunda década do século 20 até praticamente o ano em que morreu. Sua obra é imensa e infelizmente ainda com muita composição inédita em disco. Nelson Ferreira dirigiu orquestras de rádio, TV (numa época em que a indústria do entretenimento da capital pernambucana rivalizava com as do Rio e São Paulo, entre os anos 40 e início dos 60). Foi também diretor musical e produtor da Gravadora Rozenblit, possivelmente a maior do gênero que já funcionou fora das duas maiores cidades do País.

A criação da gravadora Rozenblit
A partir da criação da Rozenblit, cujo primeiro 78rpm foi lançado em 1953, o frevo teve o seu auge como produto comercial. Até a Rozenblit (fundada pelo comerciante José Rozenblit), os frevos saídos em disco atendiam apenas ao mercado pernambucano, e eram escolhidos de uma forma arbitrária. Representantes das grandes gravadoras, principalmente a RCA Victor, reuniam-se no Recife com lojistas e escolhiam as composições que supunham as melhores. Essas só seriam gravadas se as encomendas atendessem a pelo menos mil cópias de cada disco. As partituras eram em seguida levadas ao Rio de Janeiro, e gravadas por nomes famosos do rádio, com as melhores orquestras disponíveis. O resultado, porém, raramente agradava aos pernambucanos. É certo que tocavam no rádio, eram comprados pelos poucos que possuíam toca-discos, mas era um frevo frouxo, que pouco se diferenciava dos dobrados, mesmo que talentos como Pixinguinha não poucas vez estivessem por trás dessas gravações.
Foi preciso que maestros pernambucanos fossem enviados ao Rio para os frevos começarem a ser gravados da forma como os compositores os arranjavam e orquestravam. Foi, inclusive, num destes envios de partituras ao Rio, que aconteceu o mais notório caso de apropriação indébita de uma composição famosa na MPB: o teu cabelo não nega, com a qual Lamartine Babo definiu o formato da marchinha carioca, e conseguiu o maior sucesso do carnaval de 1932. No rótulo do 78rpm, gravado por Castro Barbosa (com um coro formado por Jonjoca, Carmem Miranda, Murilo Caldas e o próprio Lamartine Babo) "motivo nortista". O teu cabelo não nega não era motivo nortista, mas uma marcha composta pelos irmãos João e Raul Valença em 1928, que participou de um concurso de marchas no Clube Internacional do Recife no ano seguinte e, em 1930, foi incluída num musical intitulado Rapa-coco. Os irmãos Valença, como a dupla era conhecida, jovens de classe média, recorreram à justiça e receberam a devida parceria na canção, a qual Lamartine Babo acrescentou uma antológica composição e alterou a letra.
Com a Rozenblit e sua imponente fábrica de discos, o frevo conseguiu ser sucesso nacional produzido integralmente em Pernambuco. Foi o que aconteceu em 1957, com Evocação, de Nelson Ferreira, com orquestra e coral do Bloco Carnavalesco Batutas de São José. A Rozenblit também deu impulso aos frevos-canção que, tal qual as marchinhas cariocas, eram deliciosas crônicas e críticas de costume, documentos de uma época. A gravadora pernambucana, no entanto começou a baquear a partir de 1966, quando foi alvo de uma grande inundação do Rio Capibaribe. Localizada no bairro de Afogados, que fica abaixo do nível do mar, e suscetível às inundações que a partir daquele ano aconteceram periodicamente na Região Metropolitana do Recife até 1977. Quatro inundações depois, inflação, concorrência das multinacionais que passaram a atuar com mais agressividade no mercado da música nos anos 70. A Rozenblit continuou funcionando até os anos 80, mas sustentando-se com seu parque gráfico. O outrora moderno estúdio tornou-se obsoleto. Os lançamentos de frevo passaram a ser esporádicos, de má qualidade, tocavam cada vez menos no rádio.
Os tempos eram outros. Assim como no Rio, e resto do País, as marchinhas perderam espaço para a chamada música meio-de-ano. No Recife, o frevo continuou sendo cantado e tocado nos clubes, o Carnaval de rua perdeu força, e esta força era o que sustentava o frevo nas ruas. Houve nos anos 80 algumas tentativas de modernizar o frevo, a mais notável empreendida pelo caruaruense Carlos Fernando com o projeto Asas da América, e composições novas, arejadas, como Banho de cheiro, sucesso nacional com Elba Ramalho. Outro compositor que contribuiu para a renovação do gênero foi J.Michiles, cujo melhor intérprete é Alceu Valença (Diabo Louro, me segura senão eu caio, Roda e avisa, esta em parceria com o maestro Edson Rodrigues). Nos últimos dois anos, o frevo voltou a ser notícia nacional com o trabalho inovador de Inaldo Cavalcanti, o maestro Spok, e sua orquestra, que deu um tratamento diferente ao frevo, abrindo espaço para improvisos, uma heresia que, curiosamente, foi bem aceita (vale lembrar que em 1956, um improviso de sax, por Felinho, numa gravação de Vassourinhas com a orquestra de Nelson Ferreira provocou a ira dos tradicionalistas do frevo).
A Spokfrevo Orquestra foi fundamental para reaproximar os mais jovens do frevo. É emblemático que a primeira ação da prefeitura para comemorar o centenário do frevo, foi um projeto que está levando toda as sextas-feiras grupos pop, do manguebeat e pós mangue e fazerem shows com um repertório de frevo. A cena pop do Recife finalmente descobriu o frevo. É esperar que gostem da experiência e levem a "marcha pernambucana" a comemorar muitas e muitas décadas de folia.

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