segunda-feira, 12 de abril de 2010

Para onde vai a cultura? - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Antes, uma explicação. Este texto reflete duas perguntas que fiz nos meses de fevereiro e março ao Nicodemos e ao Flávio Sampaio. O Nicodemos é músico e o Flávio Sampaio professor de dança clássica e contemporânea. A pergunta foi: para onde vai a música e a dança, a um e a outra em suas especialidades. O Flávio me disse que a dança iria em direção ao Hip Hop e o Nicodemos que a música iria em direção ao físico humano, à música da conversação, ao som da comunicação e expressão humana, a algo igualmente dito pelo grande músico Hermeto Paschoal.

Onde juntar as duas respostas? Claro que no espaço e no tempo. O espaço traduzido no próprio planeta terra e o tempo no evoluir da humanidade. O espaço planetário é um conceito muito além da nacionalidade e até mesmo do território. Ele não é mais aquele do confinamento, das fronteiras, dos círculos de giz (de Brecht) que separavam as culturas e os povos. E o tempo da humanidade é o tempo da modernidade, do capitalismo mundial, industrialização e do consumo como promessa de uma vida melhor.

Na fusão espaço-temporal se encontra o denominador comum do para onde vai a cultura, agora ampliando o conceito para além da música e da dança. A grande novidade desta singularidade é o próprio desenvolvimento da indústria cultural globalizada ao encontro surpreendente dos despossuídos, daqueles que não consomem, mas se revoltam por não tê-lo. É, guardado o momento histórico, a mesma bandeira das juventudes desde o século XIX, com suas bandeiras políticas, gangs de rua e estilos desafiadores da ordem burguesa.

Por isso a resposta do professor Flávio é significativa. O hip hop é a cultura, nascida no país central do capitalismo que mais expressou a contradição deste sistema. Vem dos guetos negros, despossuídos, perseguidos e sob intenso clima de criminalização e perseguição das forças de segurança. A exclusão da festa em estado máximo do capitalismo traduz muito bem a violência da mensagem e as suas grandes contradições quando do casamento do mundo globalizado com o truque demoníaco do "Hipercapitalismo Global”, criando uma corrente principal de pensamento e que já havia excluído os criadores do hip hop.

Por isso ele é a primeira cultura que traz uma expressão globalizada, especialmente dos jovens descontentes das periferias urbana tanto no Bronx, como nos Urais, no Oriente Médio, no Japão ou nos morros do Rio de Janeiro. Não se tratava mais de uma simples aculturação, mas de um processo global de aprendizado, localmente reconstruído. É um típico elemento da função em rede da cultura mundial, articulando pessoas em pontos muito distintos e especialmente sobre temas bem caros à globalização como justiça ambiental, policiamento e prisões, justiça da mídia e educação. Ela efetivamente é a cultura que permite aos menos privilegiados a denúncia dos maus tratos. É um instrumento de traduções transculturais.

A globalização cultural não se separa da globalização financeira. Como a cultura dos pobres da América, o hip hop se tornou, em todo mundo, a voz das pessoas que estão nas migalhas e à margem da sociedade moderna. A expansão mundial do hip-hop sob o manto de uma revolução no mercado, expressando o desejo das pessoas pobres em ter uma vida melhor, se alinhando à luta nacionalista de cidadania e pertencimento. Como, por exemplo, acontece com as populações negras na África e através de suas tradições.

É uma cultura, pois existe uma identidade que liga a voz humana, a poesia, a música, a pintura, a dança e o estilo de vida. Uma é uma expressão, noutra mídia da mesma cultura de modo que o grafitti é a expressão visual do rap. Como bem lembrou o professor Flávio Sampaio, o hip hop, seja com Breakingo, o B-boying ou breakdancing, é um estilo dinâmico de dança que se desenvolveu como parte da cultura. A idéia básica da coreografia é mostrar além do seu próprio esqueleto, desestruturar o próprio corpo, como se a pessoa não tivesse a própria arquitetura óssea. O movimento mais popular foi chamado de helicóptero, quando uma pessoa, de pernas para o alto, tem o peso de seu corpo sobre a cabeça. E usando apenas a cabeça para impulsionar todo o corpo em círculos.

Como toda cultura ele se acompanha de impactos sociais: se espalhou por todo o mundo, na esteira da comunicação de massa, introduzindo os valores locais ligados à tradição, criando um processo de intercâmbio sobre esta base ampla global na qual todos se comunicam como estas plataformas da informática. Mas aí, é que vem a grande novidade, trata-se de agora dar voz aos desprivilegiados e isso tem grandes desafios para o próprio capitalismo como sistema.

Neste sentido, quando nos apegamos às velhas formas, às nossas doces reminiscências de uma cultura puramente nacional, é importante que se entenda para onde vamos. Diante da globalização, vamos para a resposta ao grito robusto de uma cultura que trata, exatamente da grande contradição econômica, social e política do sistema capitalista. Ao dar voz “aos oprimidos, marginalizados culturalmente. . . despossuídos do mundo, o racismo pária. . . os miseráveis da terra. . . exercendo a crítica da sociedade opressora”.

Quando tudo parecia esquecido na vitória do neoliberalismo das décadas de 80 e 90, eis que no subterrâneo da América se forjava uma cultura revolucionária. Mesmo que atrelada ao consumo e ao hipercapitalismo como forma de canalização.

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