quinta-feira, 29 de abril de 2010

Trânsito

Se aquele carro
estivesse veloz
quebraria meus joelhos
esmagaria minhas pernas
faria do poeta mingau.

Na faixa de pedestre
os cáusticos pneus
do infame corolla
cuspiram às minha botas
toda a arrogância do miserável
a julgar-se rei dentro do último modelo:
uma carruagem de alumínio.

Encostei meus braços escravo romano
na luxuosa lataria

lancei meu olhar entidade egípcia
a faiscar o fumê do para-brisa

esbravejei, enfim, com a voz de hindu:
"meu amigo, olha o sinal..."

Até minha ira é ingênua.
Patética.

Se tal ofensa tivesse ocorrido
com os comparsas da infantaria:

teriam chutado a porta
quebrado o retrovisor

atirado contra as luzes traseiras
puxado pelo pescoço o maluco

pisado a garganta
furado os olhos.

Mas poeta pacífico que sou
apenas desejei do fundo da alma
morte súbita ao vaidoso cavalheiro.

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