quinta-feira, 13 de maio de 2010

De volta à assembléia dos que pensam de modo diferente - por José do Vale Pinheiro Feitosa

O Cariricult ficou um pouco solitário com a licença prêmio do Armando Rafael, do Carlos Rafael e do Antonio Cássio. Isso acrescentado, noutro diapasão, as ausências da Marta F., do Lupeu e do Leonel. Mas, a reunião continua sendo um objeto da necessidade. O pior é fazer como na Primeira Guerra Mundial e as divergências cavarem trincheiras, cada uma com seus pares, atirando uma na outra, mesmo se os corpos não forem os alvos, mas apenas as idéias.

Não acredito nas dinâmicas de trincheira, mas nas assembléias dos pensamentos distintos. Pode haver cadeiradas, mágoas das madrugadas angustiadas, mas sempre enriquecem o meio do mundo. Muito melhor que a visão apocalíptica, do final do mundo, quando o Todo Poderoso julgar o bem o mal. Vivemos no meio, inventamos o meio, e com preguiça de outro termo, “no meio de todas as divergências”.

Por exemplo, eu não gosto do Paulo Francis da Globo. Gostava dele no Pasquim, sou mais velho do que o articulista cujo artigo o Zé Flávio postou. O Paulo Francis do Pasquim espinafrava a elite do jornalismo brasileiro, especialmente Roberto Marinho. Chutava o calcanhar da ditadura e esnobava a “esquerda de Ipanema” com uma frase célebre: Intelectual não vai à praia, bebe. (nem sei se é dele ou do Ivan Lessa). Mas o Paulo Francis, mesmo do Pasquim, era um “conservadozão”, pernóstico e muito típico daqueles amarelos neurastênicos do litoral, tomando chá das cinco e destilando a literatura Inglesa.

Iconoclasta mesmo era o Ivan Lessa. Este tinha a mesma raiz irônica de Stanislau Ponte Preta. Lembro de uma espécie de Fotonovela, feita por ele no Pasquim, em que expunha todo o ridículo do Idi Amin Dada, ditador de Uganda. Usando um negro, alto e gordo, que era contínuo do Jornal, ele fez diálogos primorosos e quando quis por o ridículo e o terror do personagem, apresentou em caixa alta o grito de guerra: Kabuçu. Que era, Cabuçu, um, então, distrito de Nova Iguaçu. Mas a paulada maior foi na esquerda que gostava do cinema cabeça. Quando Pier Paolo Pasolini, cineasta italiano, foi assassinado a pauladas, num hidro aeródromo de Ostia, ele escancarou a homossexualidade do personagem, em algo abominável para muita gente, mas que se prestou para por de joelhos aquela mania de adorar mitos de algibeira.

Como também não acho que o estilo “canalha” com que Francis se vestiu no centro do império, usando como janela a TV Globo tenha sido um momento iconoclasta. Ele aderiu à versão de outros, aos recados que precisavam ser dados por terceiros. O Paulo Francis deixou de ter voz própria e passou a representar o velho Francis do Pasquim. Aí reside a confusão: o estilo por si mesmo não compensa o conteúdo e o objetivo. Também não acho o Mainardi o sucessor, provavelmente o argumento caiba muito mais no Arnaldo Jabour.

Mas não era Zé Flávio e nem o Maurício Tavares que gostavam do Francis de quem falo. É da falta do pessoal em licença prêmio. Especialmente do professor Armando Rafael, como fez recentemente no Blog do Crato, publicando um opúsculo de fé no liberalismo, de alguém, no limite da fábula da Cigarra e a Formiga. A cigarra são os consumidores de serviços públicos e a formiga os trabalhadores que têm horror a pagar impostos. O interessante é que trabalhador para o artigo citado pelo Armando é tudo, inclusive quem é dono do negócio.

Acontece que a discussão econômica essencial nos últimos vinte anos tem sido justamente isso. O símbolo central são os impostos: como ter uma sociedade decente se ela não paga impostos para serviços públicos de qualidade? O mercado resolve! Dizem os liberais. Mas o mercado quebra diz o outro lado. Os serviços privados são melhores porque competitivos afirmam. Os serviços privados só exploram valores essenciais como saúde e educação feito mercadoria. A discussão é boa e merece um espaço na assembléia dos que pensam de modo diferente.

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