DEUS
Deus.
Precisava bem de ter uma conversa a sério contigo,
se tu não tivesses tido a cobardia de não existires.
Mas safaste-te, não exististe e agora?
Para aqui sem te poder pedir satisfações
e atirar-te à cara com umas tantas questões urgentes
e algum cuspo que viesse atrás.
Se tivesses um pouco de vergonha,
existias mesmo para aguentar com dignidade
o que todos temos para te dizer,
eu, particularmente.
Mas és assim, sem espinha dorsal
e cavaste para onde é o não ser.
Porque eu queria que me dissesses aqui sem
tergiversares
para que é que fizeste esta merda.
E não me venhas com o palanfrório da eternidade e
o mais,que não adianta.
Olha agora a gente a aturar os anjinhos e os seus
alaúdes
como se isso não fosse mais chatice
do que a chatice que querias compensar.
Não, a coisa é mais séria.
A coisa é que me puseste aqui sem me dares cavaco
e eu que aguente.
A coisa é que és pior que os antigos senhores
com os seus caprichos que metiam sangue, torturas
e outros passatempos
de quem está farto e não sabe como distrair-se.
Estavas chateado?
Fizeste a criação por não teres que fazer?
Mas não vale a pena adiantar mais conversa.
És assim
um tipo invertebrado
sem um mínimo de vergonha,
e com tipos assim não gosto de conversar.
Se não és o cobarde que te digo na cara que és,
então existe mesmo, existe,
que depois sim, a gente vai ter a sério
uma conversa de homens como deve ser.
Até lá, metes-me náusea e não quero ouvir sequer falar
de ti,
sequer ouvir,
sequer ouvir...
vergílio ferreira
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