quinta-feira, 20 de maio de 2010

Temporão

Argemiro passara por todas as crises previsíveis no casamento. Contornara o cabo da tormenta nos dez anos, quebrara a porcelana nas bodas de vinte e já se engasgara com as pérolas nas de trinta . O fogo dos velhos tempos já se tinha arrefecido, restavam apenas algumas brasinhas embaixo de muita cinza. Atravessara a idade do lobo e do cachorro colérico e, finalmente, agora se dava um pouco por vencido. Os ciúmes da esposa, D. Guida, amainaram e o tesão se foi metamoforseando de amizade e companheirismo. Contemplava a companheira de tantos anos e já não conseguia deitar-lhe olhos de desejo. Parecia-lhe , agora, um verdadeiro desvio sexual querer bolinar a mãe dos seus próprios filhos, apalpar a avó dos seus netos. A mulher subira os píncaros nebulosos da menopausa e já não lhe cobrava tanto freqüência e performance. Ademais, nem podia: cada dia mais sexy-agenário ele usava um sem número de aditivos: para glicose, para artrite, para a próstata, para dormir, para acordar. E mais, vários medicamentos para uma hipertensão de difícil controle que por mais de uma vez o tinha rebocado para a UTI. Parecia um mutilado de guerra e foi aprendendo a viver com os espólios que lhe restaram.
Semana passada , no entanto, D. Guida notou uma mudança radical no comportamento de Argemiro. Depois de assistir ao Jornal na televisão, ficou meditativo como o pensador de Rodin. No dia seguinte desapareceu e não mais voltou para casa. A esposa valeu-se dos amigos e, antes de procurar a polícia, foi informada que o marido estava vivo, enfurnado na zona do Baixo Meretrício da cidade há mais de uma semana. Segundo seus companheiros mais chegados, vivia há mais de uma semana na esbórnia, com as meninas da “Boite de Maria Alice”. D. Guida imaginou que o marido tinha endoidado de vez, pois não tinha mais tesão nem saúde para tanto. Ele é uma laranja chupada, pensou a esposa, como é que as raparigas ainda estão conseguindo lhe arrancar algum sumo ? A esposa aumentou a preocupação quando recebeu a conta semanal da farmácia e notou um aumento considerável no valor da nota. Corrigindo os itens, cuidadosamentre, descobriu a razão : num só dia Argemiro comprara vinte e cinco comprimidos de Viagra. D. Guida , então, temeu definitivamente pela vida do marido turbinado : vai cair durinho – literalmente- numa overdose!
Na noite do décimo dia, um Argemiro de sorriso arregaçado retornou ao Lar, já não tão doce. D. Guida emaranhava-se num misto de raiva, ciúme e despreocupação. Partiu para cima do marido, como uma fera: safado, sem-vergonha, nojento, por que não ficou de uma vez com suas rapagigas da Boite de Maria Alice , seu farrista ? Argemiro, sem perder a pose, saltou de lá:
--- O quê ? Me respeite, mulher ! Você não ouviu as orientações do Ministro da Saúde na televisão? Sexo é o melhor remédio, minha filha! Como sua botica já faliu há muito tempo, eu procurei uma Clínica especializada em hipertensão: a da Dra. Maria Alice! Tava fazendo um tratamento intensivo!
A laranja chupada havia se transformado num fruto temporão.

J. Flávio Vieira

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