sexta-feira, 23 de julho de 2010

Despedida

Sei que não posso
contar com a antiga
exuberância da tartaruguinha
de pano. Esfolada, emagreceu.

O vento não a respeita
como outrora temia
seu robusto corpo
de areia.

A cada suspiro
da área de serviço
a porta range,
abre-se, consigo
arrasta a apática
tartaruguinha de pano.

Acabou-se o privilégio
do monge na sua cela.

A tartaruguinha de pano
sempre fora um encosto
de porta. Mas eu fingia
ser ela um centurião obeso
a proteger-me do vento.

Nunca usava chave.
Ferrolhos.
Trancas.

Bastava a porta encostada
pelo suntuoso dorso
da tartaruguinha
de pano.

Escrevia sossegado.

Nem os ruídos da garagem
nem a torneira aberta
nem os espasmos
da geladeira

embaraçavam-me
os pensamentos.

Às vezes esboçava eu
um lance de pescoço.

Lá reluzia ela
a tartaruguinha de pano
rígida, compenetrada
a suportar todo o fardo
que vinha de fora.

O vento esbarrava
diante do seu enlace
de judô. Mestra.

A tartaruguinha
de pano
era mestra
de judô.

Apenas com sutil trejeito
impedia o avanço do vento.

O que vejo:
um encosto de porta
feito de pano e areia
com feições de tartaruga

no canto,
ainda supondo
peso e alegria.

O vento (seu eterno rival)
agora a despreza friamente.

Bate porta,
entra por minhas vértebras,
arrepia-me a alma
e sai pela janela
do banheiro.

Creio que seja o momento
de aceitar a morte
da tartaruguinha
de pano.

Encaixotá-la.

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