sábado, 24 de julho de 2010

EMANCIPAÇÃO, NÃO!


Por Zé Nilton

Outro dia lendo a programação das festividades pelos 246 anos do Crato, além de pífia presença do poder público no tocante a benfeitorias no município, ainda tinha um erro histórico, ao informar de que se tratava dos 246 anos nossa de emancipação política. Aí eu pergunto: emancipação política de quem? Na verdade o Crato foi criado como Vila Real do Estado Português. Por que?

1.Porque o iluminista Marquês de pombal, lendo Rousseau, Diderot, Montesquieu, Maquiavel e demais (lembra dos déspotas esclarecidos?), e crente na ascensão da razão instrumental resolveu otimizar administrativamente o império português, desde os confins da África, Ásia, América até a Vila de índios perdida no Nordeste do Brasil. Falo da quase semi abandonada terras dos Cariris Novos, outrora núcleo missionário de uma das diversas ordens religiosas que, financiadas pelo império português, aldeavam e catequizavam índios nos rincões do Brasil.

2.Porque, segundo a determinação da política do império português, acolhida pelas próprias missões, era preciso expandir territórios, incluir o maior número de súditos, que por sua vez gerariam mais recursos para a manutenção da política expansionista portuguesa vis-à-vis as pretensões do império espanhol e outros.

3.Porque, segundo Pombal, esse negócio de financiar catequese e conversão de povos sem nenhuma civilidade, seria perda de tempo face a urgência da solidificação do império lusitano no mundo à beira da modernidade.

Diferentemente de como querem alguns, o que hoje é Crato, em 1764, já possuía uma população considerável de pessoas chegadas e estabelecidas tanto em função da Missão do Miranda, fixação de índios depauperados e expropriados de suas terras, arregimentados desde o centro-sul cearense, a partir de 1738, pelo relegado Frei Carlos Maria de Ferrara, (quem descobriu isto foi Pe. Gomes), como em função de movimentos bélicos entre potentados familiares (Montes x Feitosa) e empreitadas mal sucedidas da empresa portuguesa em busca de ouro. Além, é claro, da ocupação desenfreada de colonos empreendedores.

Em 1764, no quadrilátero onde hoje é a Praça da Sé e adjacências, mais de 50 casas (fogos) abrigavam famílias indígenas, caboclas e os corpos militares do estado lusitano. Segundo documento de criação da Vila Real de Crato, perdido, com parte recuperada pelo eminente Carlos Feitosa, que colheu de Theberge, que colheu de Antonio Bezerra, e que não é citado em nenhum momento pelo Pe. Gomes, cerca de 243 pessoas estavam presentes no dia da criação da Vila Real de Crato. O documento mostra como foi esquadrinhado o núcleo urbano originário de nossa urbe. Claro que obedecia a determinação do pacote de criação de todas as vilas em terras portuguesas.

Então, a criação da Vila Real de Crato não se deve a nenhuma outra determinação que não seja àquela ditada pelo estado português. Desde muitos antes, a política colonizadora editava leis neste sentido, que nunca eram efetivadas, pela frouxidão da presença legal do estado, pela inércia e interesses dos mandatários capitães-mores e quejandos para a urbanização das comunidades indígenas nos sertões do Brasil. Só para se ter uma idéia, a Vila de Crato foi erigida dois anos após sua criação de fato. E essa rapidez se deve ao momento da mais intransigente presença de Sebastião José de Carvalho e Melo. Naquele ano tinha porque tinha que serem criadas vilas reais com evocação de urbes portuguesas. A Vila de Crato assim o foi porque havia condições materiais. Já a de Baturité, não. O Monte-Mor o Novo d'América só depois tornou-se vila.

Bom, agora vai aqui uma provocação. Se querem teimar pela emancipado do município de Crato, em 1764, eu digo, legal! Muito Bem! Então, admita-se forçosamente uma emancipação por expropriação das terras pertencentes aos índios Cariús, doadas por escritura passada em cartório, em Recife, em 1743. Bonito! Então, fica assim: o dia 21 de junho comemora-se a emancipação política do Aldeamento do Brejo da Missão de Nossa Senhora da Penha de França, como era chamada a Missão do Miranda.

Aliás, esse episódio – só no Crato – é bastante digno de nota: uma reforma agrária ao contrário. Explico. Quando da elevação da vila, por força da lei portuguesa, a bem da verdade, as terras que eram dos índios terminaram por serem destinadas aos entes da organização social de então, Igreja, Poder Público (Senado da Câmara), funcionários do corpo administrativo da Metrópole e demais.

Você já pensou se se leva avante a idéia do resgate das identidades indígenas com os direitos que lhe foram usurpados?

Silêncio. Muito silêncio...

Bem, mas eu só quis falar do que mesmo? Ah, não é de bom alvitre dizer que o Crato foi emancipado. Não houve nenhum movimento neste sentido nos anos de 1764.

Há sim, um movimento legítimo de Ponta da Serra e outras localidades por separação territorial.

Quanto à Ponta da Serra eu vou votar SIM. Eu adoro os Valdevinos, os Leite, Toín historiador, Pe. Bosco. Acho que eles têm o direito de ter uma cidade.
Quem sabe lá as coisas não se realizam...

7 comentários:

  1. Grande texto Zé Nilton. A história é cheia de sacarmos. Ela está longe da assepcia aguada das conformidades. De fato existe uma necessidade de emancipação, mas ela é da modernidade, embora exista ainda muito do iluminismo já na pós-modernidade, com direito a despotismo sem nenhum esclarecimento. No que diz respeito à desapropriação, em nome de Deus, então o Crato é a própria missão.

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  2. zé nilton, vamos ver se agora, com seu texto tão elucidadtivo, param de falar em EMANCIPAÇÃO do crato.

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  3. Zé Nilton, quero parabenizá-lo pelo texto. E dizer que vou votar SIM pela emancipação da Ponta da Serra.

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  4. Zé,
    Este é um bom tema para ser levado ao Cariri Encantado, incluindo a emancipação de Ponta da Serra. Quando faremos isso?

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  5. Vivas e vivas para seu texto Sr Sé Nilton. Esclarecedor e digno de um jornalista professor, finalmente sem sentar no banco escolar aprendi algo real do Crato...
    Sou até chata e fanática pelo movimento de emancipação da minha amada PONTA da SERRA, mesmo aqui tão longe estou dando o que posso para ajudar neste movimento.
    Sim, sim, sim daria mil vezes se fosse possível.
    Um abraço de gratidão.
    Íris Pereira

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Aos amigos:
    Marcos Vinícius, obrigado por ter lido o meu texto. Contudo, a desapropriação tem tudo a ver com a política colonialista. As próprias missões foram cessadas por lei. Pombal focou a missão jesuítica como objeto de sua "fúria". É tanto que a missão dos capuchinhos ainda permaneceram, a trancos e barrancos, porque faltaram recursos vindos do Estado português, até para além de 1780.

    Lupin, fico também agradecido por reparar para meu texto.

    Darlan, obrigado pelo elogio e estaremos nessa por Ponta da Serra.

    Salatiel, vamos sim.

    Iris, obrigado. Sou pela Ponta da Serra porque ali é um lugar construído socialmente e revelador de uma identidade própria.

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