domingo, 25 de julho de 2010

Poemas de Rilke - Trad. de Augusto de Campos

CONCLUSÃO

A morte é grande.
Nós, sua presa,
vamos sem receio.
Quando rimos, indo, em meio à correnteza,
chora de surpresa
em nosso meio.

Do Livro de Imagens, 1902


A PANTERA

(No Jardin des Plantes, Paris.)


De tanto olhar as grades seu olhar
esmoreceu e nada mais aferra.
Como se houvesse só grades na terra:
grades, apenas grades para olhar.

A onda andante e flexível do seu vulto
em círculos concêntricos decresce,
dança de força em torno a um ponto oculto
no qual um grande impulso se arrefece.

De vez em quando o fecho da pupila
se abre em silêncio. Uma imagem, então,
na tensa paz dos músculo se instila
para morrer no coração.


A MORTE DO POETA

Jazia. A sua face, antes intensa,
pálida negação no leito frio,
desde que o mundo, e tudo o que é presença,
dos seus sentidos já vazios,
se recolheu à Era da Indiferença.

Ninguém jamais podia ter suposto
que ele e tudo estivessem conjugados
e que tudo, essas sombras, esses prados,
essa água mesma eram seu rosto.

Sim, seu rosto era tudo o que quisesse
e que ainda agora o cerca e o procura;
a máscara da vida que perece
é mole e aberta como a carnadura
de um fruto que no ar, lento, apodrece


O POETA

Já te despedes de mim, Hora.
Teu golpe de asa é o meu açoite.
Só: que fazer da boca, agora?
Que fazer do dia, da noite?

Sem paz, sem amor, sem teto,
caminho pela vida afora.
Tudo aquilo em que ponho afeto
fica mais rico e me devora.


A QUE VAI FICAR CEGA

Ela sentou-se como as outras para o chá.
Me pareceu então que segurava a taça
de um jeito diferente das que estavam lá.
Pouco depois sorriu. Um sorriso sem graça.

Quando se levantaram, enfim, conversando,
e juntas percorreram numerosas salas,
devagar, ao acaso (entre risos e falas)
de súbito, eu a vi. Ela seguia o bando

das outras, concentrada, como que alguém que deve
cantar diante de um grande público em instantes.
Sobre seus olhos claros e rejubilantes,
como a incidir num lago, a luz caía, leve.

Precisava de espaço. Andava lentamente.
Andava quase como se não fosse andar.
Como se houvesse algum degrau à sua frente.
Como se, de repente, ela fosse voar.

Dos Novos Poemas, 1907.

Um comentário:

  1. Poemas do livro Rilke: Poesia-Coisa. Editora Imago, 1994. Os poemas, segundo AC, revelam uma postura diferente do Rilke inspirado, metafísico. Esse é um Rilke mais voltado para a concretude, escultor de poemas, influência de Rodin, de quem fora secretário. Rilke dá um salto "dos estados da alma, sentimentos e impressões para "o mundo das coisas".

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