quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Das transgressões Sexuais


Às cinco da tarde o corpulento detetive San Spada tirou o cigarrinho feito à mão da aba da orelha, apertando com os nodosos dedos polegar e indicador para melhor compactar o fumo ordinário e , sem mais trololó, explicou à jovem e agônica cliente que o esposo dela tinha, sim, uma amante. Meticulosamente, para fazer jus aos altos honorários, Sam Spada descreveu a rica residência alugada pelo marido e pormenorizou a portentosa amante que, ao que parece, gostava de estar sempre deitada e nua, numa disponibilidade para o sexo que seria capaz de escravizar todos os machos desde o homem de Neandertal - ou Adão, caso sua cliente fosse adepta do cracionismo. Depois dessas revelações deveras cruciais à dignidade ultrajada da contratante, sem mais preâmbulos San Spada entregou-lhe uma cópia da chave da casa dos prazeres ilícitos, astuta e misteriosamente surrupiada pelo seu sócio Daniel Hammeto, pegou o chapéu estilo Tyrone Power sobre a mesa e se escafedeu dessa fábula.
Nossa heroína levou quatro horas para embelezar-se , tomar um táxi, entrar na casa que o marido tinha alugado e invadir o quarto dos amores traiçoeiros. Os dois - marido e amante- estavam deitados lado a lado. Ambos dormindo, ele com um sorriso de querubim nos lábios lascivos; ela com a boca aberta num milenar aturdimento de viscosas misturas de hidrocarbonetos pré-históricos. A situação era tão inverossímel que a esposa pensou que ia desmaiar. Ficou um longo tempo olhando o casal no leito de pecado, a voz embargada, os olhos lacrimejantes. Então sentiu piedade de si, do marido, do mundo. Melhor ir embora. Ela fechou a porta com vagar extremo e se afastou, furtiva, como quem abandona um doente que acaba de adormecer à meia-noite. Na sala, desabou numa poltrona. Se ele estivesse com uma prostituta, compreenderia com relutância; se ele estivesse com uma ninfeta, ficaria indignada; se ele estivesse com um travesti, ficaria transtornada. Mas ser substituida por uma boneca inflável, ah não ! Isso não !

A partir da frase em negrito do texto, a revista piauí lançou o II Concurso Literário, o ganhador foi João Athayde.

4 comentários:

  1. É verdade, Lupin. Maravilhoso e com final surpreendente. Abs !

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  2. ...O pior foi descobrir-se mais fria que o plástico da boneca...
    Íris Pereira

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  3. Que modernidade, hein? Mulheres infláveis umas, outras inflamadas pelo feminismo. O homem, quem diria, amedrontado retorna à puberdade, se infantiliza.

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