quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Vote no João !

Pois é, amigos, vocês repararam que a as ruas estão com outro aspecto? Sorrisos fartos e rasgados, solidariedade franca, bandeiras tremulando pelas esquinas. Banners poluem as vielas com fotos feias e photoshopadas . Só falta mesmo a orientação no topo : “Procura-se”. Velhinhos têm sempre um braço amigo para atravessar a avenida, criancinhas catarrentas são abraçadas sem receio, bacanas visitam casebres e favelas e apertam mãos calejadas, sem o costumeiro uso de desinfetantes. É que começou a temporada de caça ao voto e os cães farejadores já foram estumados cidade afora. Observem bem as caras, pois, como cometas, aqui só aparecerão, novamente, a cada quatro anos: ainda bem ! A maioria deles expõe, claramente, a única obra que farão se eleitos: sua propaganda descolorida, pálida e de mal gosto.
Não bastasse a poluição visual, de todos os momentos, recebemos junto, num kit, a sonora. Nem me queixo dos programas eleitorais, estes , ao menos, podemos evitar com um simples toque do remoto, ou assistir a eles : não existe, atualmente, melhor programação humorística na rede. O terrível , no entanto, são os carros de som com suas musiquinhas insuportáveis e repetitivas. A repetição , por si só, já desgasta qualquer obra refinada de arte. Quem suporta, por exemplo, “Pour Élise” de Beethoven, tocada ad infinitum pelas secretárias eletrônicas ( “um minuto, por favor: taram-ram-ram-tam-ram-ram-ram...”) e pelas companhias de gás butano avisando a entrega sistemática ? As políticas, então, trazem paródias horrorosas de melodias que, no original, já mereciam a lata do lixo. E não há como fugir delas, estão espalhadas por todo canto. E ainda as apelidam de propaganda eleitoral gratuita. Salve-se quem puder!
Rui Pincel , nestes dias, contou-me duas histórias da publicidade eleitoral sonora, na última campanha, em Matozinho. De uma efetividade de fazer inveja ao Duda Mendonça ou ao Washington Olivetto. João da Birosca tinha uma pequena bodega nas cercanias de Bertioga, Distrito de Matozinho. Resolveu se candidatar a vereador, por infunca do prefeito Sinderval Bandalheira que precisava de um corretor de votos naquela localidade, historicamente infestada de adversários seus. João pegou ar na bomba e meteu-se na enrascada, sem perceber que corria sérios riscos de ver seu pequeno empreendimento na falência total e irreversível. De parcos recursos (sem caixa nem 1, que dirá 2) , João providenciou, ele mesmo, a música emblemática da sua campanha e escolheu aquele hit sertanejo : “Quero você!/ Quero você/Quero você, todinha prá mim!” Sem largos recursos poéticos, já montado num pangaré tão sem futuro, a paródia saiu assim:
“Vote no João,
Vote no João!
Vote no João!
Vote no João!
E , depois da infindável repetição, como um mantra, finalizava:
“Ele é nosso amigão!”
Terminada a primeira parte, repetia-se a música novamente, eternamente, infindavelmente, desde as cinco horas da manhã, até as dez da noite. Eram mais de cinco meninos com sons roufenhos adaptados em bicicletas antigas, os famosos picossons, correndo todas as ruas. E vejam que eram dois meses ininterruptos de Campanha. Segundo Rui, por incrível que possa parecer, Birosca terminou como o candidato mais votado de Matozinho. Nem a W / Brasil, se contratada , teria feito uma melhor publicidade. E explica: na segunda semana, toda Bertioga já não suportava o “Vote no João” e pediram, por todos os santos do céu e do purgatório para que ele cancelasse a veiculação da propaganda. Havia o sério risco de , no dia da eleição, todos os bertioguenses não puderem votar em tratamento psiquiátrico em algum asilo da capital. Birosca concordou, com uma condição: tinham de jurar, de mãos postas, pela alma de Frei Damião , que votariam nele para vereador. Bingo!
Na mesma campanha, Joca Fubuia, o maior pau-d´água da vila, andou botando boneco na rua do Caneco Amassado e as meninas chamaram a polícia. Joca foi recolhido à prisão local, no início da noite, mais melado do que gamela de engenho. Deitado na masmorra, sem ter o que fazer, pôs-se a cantar a musiquinha do seu candidato João da Birosca, que lhe fornecera a mendraca gratuitamente, para aquele porre fenomenal:
“ Vote no João!
Vote no João
Vote no João
Vote no João...”
Os soldados, de plantão, ainda agüentaram uma hora daquele mantra interminável e, aí, com os ouvidos em fogo, como se atacados por marimbondo de chapéu, começaram a reclamar:
--- Para com essa zoada aí, bêbado safado! Pára !
Fubuia, no entanto, não se intimidava: “Vote no João/ Vote no João” e respondeu :
--- Páro nada, rapaz ! Me prenda se estiver achando ruim! Me prenda!
Às dez da noite, ninguém mais suportava aquilo e como prender quem já estava enjaulado? Até o delegado que era meio mouco estrilou. Depois de uns dois ou três safanões de praxe, soltaram Fubuia para os prazeres da noite e das oiças. Como não eleger um candidato de tamanho prestígio? Vote no João!

J. Flávio Vieira

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