quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O Boi botou em Mestre Alfredo


Debruço-me, frequentemente, sobre uma coleção de fotografias antigas que coleciono há muitos anos. As fotos todas me parecem muito familiares, como se houvesse já bebido aquelas paisagens, convivido com aqueles transeuntes. Não fosse o incréu que sou, imaginaria ser um fenômeno de Dèjá Vu, algo explicável nos meandros de outras encarnações, nas páginas do Budismo, do Candomblé, do Kardecismo. Dia desses fitei uma que mostrava o nosso Cassino Sul Americano, aí pelos idos da década 20 do século passado, captada pelas lentes mágicas de Pedro Maia. Nela percebi as ondas inexoráveis e devastadoras do tempo, tudo se transmutara: A paisagem, as pessoas, o vestuário, os filmes, até o cinema; tudo havia sido engolido pelas moendas das horas , dos minutos, dos segundos. Junto, percebi, se transformaram também os costumes, a moral, os hábitos, as verdades. Como se a vida fosse uma grande peça de teatro, em que, ato após ato, se trocam o figurino, o cenário, os atores, a platéia, a música, a iluminação, a dramaturgia. Só o script , no fundo, é o mesmo : uma tragicomédia onde se embatem num vendaval de ilusões: esperanças, aspirações, vaidades, interesses, torpezas; tudo encenado à beira do abismo. Em pouco, cai a cortina e tudo recomeça.

Tudo neste mundo está submetido ao crivo afunilado da ampulheta. Tudo é efêmero, etéreo, transitório. A roupa mais linda e deslumbrante que vestimos hoje é a cafonice de amanhã. A verdade mais cristalina de agora será a mentira deslavada da aurora seguinte. O certo-errado, o ético-criminoso, o santo-profano, o belo-feio, a virtude-pecado precisam ser cuidadosamente datados. A beleza feminina no Século XIX apresentava-se como uma figura de Botero, hoje como a noiva do marinheiro Popeye: a Olívia Palito. A virgindade, antes de ontem adorada como top de linha, hoje se cadastra nos livros do IBAMA. Zeus e Júpiter há poucos séculos deuses furiosos e de poder incomensurável, agora dormem placidamente nos livros de Mitologia. Tudo muda, tudo passa, as coisas são fluidas e escorrem para o ralo do tempo, sem que ao menos demos conta disso.

Assim também são as palavras. Elas envelhecem e ficam caducas como as pessoas que as pronunciam. Expressões tão significativas outrora como : “Furado que só tábua de Pirulito”; “Mais lascado que pauzinho de rolete”; “Tremendo mais que Toyota em ponto Morto”, “ Mais melado que balcão de Correio”... quem diabos mais sabe o que é isto nas novas gerações? Rolete, Tábua de Pirulito, Ponto Morto ? E os Correios agora se melam por outras causas. Há poucos anos , quando uma pessoa entendia por fim uma situação qualquer, dizia : “ Ah, agora caiu a ficha!” Era uma referência às fichas utilizadas nos orelhões, agora já comandados pelos cartões telefônicos.

Aqui no Cariri, existiam muitas expressões nossas : “Botou, como o Boi botou em Mestre Alfredo!” ;”Eu sou como pequi verde, não abro de jeito nenhum!”; “Mais conhecido que arrastado de penico”; “Mais desmantelado que o PTB de Nova Olinda”. Pois é : O tempo botou em Mestre Alfredo sem nenhuma pena, aposentou o penico e o seu arrastado, abriu o pequi em banda e desmantelou definitivamente o já desmantelado PTB da terra do Mestre Expedito do Couro.

A imagem que se vê hoje projetada é apenas a realidade momentânea, uma pequeníssima amostra de uma infinitude de outras que se sucederão. Suas crenças, seus valores, suas verdades são apenas grãos num celeiro de possibilidades universais. Só existe uma coisa perfeitamente imutável neste mundo : a Mudança.

J. Flávio Vieira


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