sábado, 6 de novembro de 2010

A Aquarela e Sofia - José do Vale Pinheiro Feitosa

Sabem que ela é tão brasileirinha. Com três anos daqui a dois dias e carrega o diminutivo com tanto carinho que me lembra Vinícius de Moraes. E deixa quem ao lado se encontra em estado confuso: se o infinito o é, como imaginar um olhar que o contemple? Mas Sofia consegue.

Quando pronuncia é “quinininho” a palavra pequeno reduzida ao seu mínimo carrega a imagem do infinito. Ela põe o espírito além do infinito que afinal é a sede do pensamento e do conhecimento. Esta menininha tão “quinininha” tem amplitude de raio muito mais ampla que as jornadas vincadas destes anos vividos. Vividos como chama a esgotar seu combustível no recipiente a si dedicado.

E não chega até este vídeo de computador sem que diga: eu quelo quelela! Bota quelela vovô! Quelela! Quelela! Vovô já aprendeu a falar, já compreende a linguagem da emoção daquele ser tão amplo: busca nas pastas e aponta a seta para a música Aquarela de Toquinho e Vinícius.

E pode ficar a eternidade que ela repetirá a mesma tantas vezes quanto no mundo permanecer. Desenhando sóis amarelos e com cinco ou seis retas um castelo. Os olhos brilhando como estrelas duplas e o rosto coletando néctar como uma borboleta de meiguice. Atenta ao lápis em torno da mão que lhe dá uma luva e os dois riscos com os quais tem um guarda-chuva.

Sofia não tem um olhar para os lados, toda a sua atenção é como um pinguinho de tinta no azul do papel e a linda gaivota a voar no céu. E o avô também apenas para ela e vai voando, contornando a imensa curva norte e sul, entre o rosto imerso no mundo maior que as necessidades materiais e a tradução desse pequeno barco a vela, brando, navegando tanto céu e mar.

A mão “quininha” dela se levanta como o poderoso superar da gravidade de uma massa imensa de metais e vida. Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião, tudo em volta colorindo com suas luzes a piscar. E o avô embarca nesta viagem, basta imaginar, e com ela partindo, serena e linda e se ela quiser volta a pousar. Sofia parece compreender o poeta criança com seus sonhos de adulto, num navio de partida, com alguns bons amigos, bebendo de bem com a vida...De bem com a vida....

A aquarela continua a criar situações e com ela Sofia. Pulando de uma América a outra num segundo e num simples giro, que ela repete com o rostinho virado para o alto e para baixo, num círculo que faz o seu mundo. Ela ainda não entende o muro que nos separa do futuro, ela é um contínuo sem qualificativos. Mas abre um sorriso para quando Vinícius disse que o futuro é uma astronave, ela gosta do foguete e do fogo que o impulsiona e não especula. Não pergunta sobre aquilo que angustiava o poeta: o que não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar, sem pedir licença.

Sofria está no curso do pleno que a vida social nos tira. Gosta da imagem da estrada infinita, mas não imagina o fim dela. Sobretudo imagina uma linda passarela de uma aquarela que não descolorirá. E diz: de novo! Quelela, vovô!

Nenhum comentário:

Postar um comentário