segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Domingo na Lagoa Rodrigo de Freitas - José do Vale Pinheiro Feitosa

Andar na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas aos sábados e domingos é bem diferente dos outros dias. Alguém dirá: ora cara pálida isso acontece em todos os parques do mundo! Nos domingos e feriados os pais podem levar os filhos, os avós podem acompanhar, as meninas lindas vão exibir seus dotes de promover suores de desespero aos sessentões. Nos outros dias só aposentados podem se alongar na caminhada de 7,5 Km, e por isso a impressão geral que exercícios envelhecem e engordam.

No domingo de ontem a Lagoa estava mais cheia do que aquelas antigas “ondas” nas festas da Penha na Praça da Sé no Crato. A “onda”, era um círculo imenso, suspenso por cabos que davam efeito pendular enquanto toda a geringonça girava à base de energia muscular humana. No círculo existiam assentos, com as pernas penduradas no ar e começava o giro. O mais curioso era que o giro era lento, natureza da fonte energética, e entre os bancos apinhados de rapazes e moças ia um conjunto musical tocando os sucessos da ocasião: sanfona, zabumba, triângulo e pífano.

Na verdade a Lagoa estava mesmo era apinhada de gente. Crianças nas cadeirinhas das bicicletas de papais e mamães. Casais andando para espairecer a noitada passada, idosos catando endorfinas nas calçadas apinhadas, cachorros de todas as raças, corredores bufando à procura de uma identificação na fronteira da dor e do prazer.

Vendedores de água de cocô, pipoqueiros, academias físicas propagandeando vantagens, o pessoal do aluguel de pedalinhos e as centenas de bicicletas e quadriciclos de aluguel para infernizar o trânsito das pessoas. Epa, cuidado: lá vem o sujeito, suando em bicas, turbinado de prazer, com sua bicicleta a toda prova, passando como motoboy na brecha entre um corpo e outro.

A maior revelação antropológica são os moradores da Zona Sul com seus fones enfiados nos ouvidos. Exercitam-se, de olhar fixo no impreciso, enquanto uma das paisagens mais lindas do mundo se faz notar. Tudo é endorfina e música. Mas não é preciso pedir licença para saber o que ouvem. De vez em quando um grito desafinado se conecta com aquele ruído que embebeda seu labirinto e a voz dele tenta capturar alguma nota e o trecho da letra daquilo que o conduz. Então a revelação: sempre serão palavras em inglês. Eles correm no Brasil com um Brazil imenso na cabeça.

E lá vou quase correndo, dizem que para inventar mais tempo ao meu tempo. E ali na curva quase em frente à sede do Flamengo o encontro atravessando a rua. Com um chapéu de palha envelhecida, o pano da roupa desbotado de tantas lavagens, o rosto vincado de tanto tempo, o semblante sério, com óculos escuros. Tive duas seqüências de reconhecimento.

A primeira é que se tratava de um conhecido pescador de Paracuru, aqueles senhores que já não podem mais ir para o mar alto nas jangadas. Hoje sobrevivem amarrando varas com cordas para colocar nos currais de peixe ou ficam na praia assuntando saída ou chegada de jangada, para ajudar nos desencalhe e ganhar um peixinho de ajuda.

A segunda, a luz da certeza: era Fernando Gabeira em sua bicicleta solitária.

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