sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

O Wikileaks é apenas uma novidade - José do Vale Pinheiro Feitosa

Trabalhando num texto sobre a Guerra do Ogaden em 1977 pude perceber o quanto o mito da bipolaridade da Guerra Fria é cheio de furos de interpretação. Naquele tempo o manto ideológico que cobria todo o noticiário (que representa de alguma forma uma espécie de micro-história) se resumia a capitalismo e comunismo, explicando a visão bipolar. Na verdade havia um grande desarranjo em todas as sociedades mundiais e estas, mesmo que seguindo alguns movimentos centrais da União Soviética e dos EUA, tendiam para se dispersar e se alinhar numa lógica nem sempre explicada pelos dois centros. Havia contradições nesse movimento com os tais núcleos, no caso, por exemplo, qualquer um imagina que União Soviética e Cuba estiveram ao lado da Etiópia num alinhamento automático, mas hoje se sabe que Cuba contrariou o centro hegemônico na sua ação.

Uma questão que confunde muito o cidadão nesta micro-visão do dia-a-dia do noticiário em parte é devida ao que se identifica como a interdição do debate público feito pelas mídias tradicionais, estas se tornando a mediadora entre o público e o poder. Isso representaria uma seleção de interesses que se estreitariam entre o poder e as empresas de comunicação, excluindo parte da informação ou dando-lhe interpretações muito aquém ou além do interesse público.

A internet parece ter furado este paradigma, digamos assim, da interdição pública. Os cidadãos passam a ter acesso direto, a trocarem visões horizontalmente (ao contrário do padrão vertical entre poder/mídia e público), a emitirem suas próprias interpretações. E a tecnologia que seguiu os passos da internet cresce pelo que se observa nesse sentido: sistemas de busca, postagem de um amplo material de texto, imagens e som, a velocidade de transmissão de informações, além das tecnologias de processamento em nuvem as quais permitem se criar verdadeiros geradores de informações à disposição de instituições e pessoas.

A novidade é a possibilidade da manipulação aprendida na história, quando vozes com técnicas de psicologia de massa tentam encaminhar a opinião pública para determinados efeitos. É cedo para dizer, mas tudo leva a crer que esta manipulação era um efeito da verticalização tradicional dos meios de comunicação. Numa dinâmica horizontal outras vozes se levantarão, dissidências se sustentarão, numa espécie de reparos e contrabalanços parecido com aqueles mecanismos de “check balance” que existe nas democracias na separação dos poderes e destes com a sociedade.

O caso do Wikileaks é o exemplo mais recente a desnudar o que antes eram “segredos de Estado” que se mostram cada vez mais “segredos do poder” ou em visão mais limitada a “segredos de governos”. A verdade é que os governos precisam se explicar, democraticamente, informar suas medidas e seus acordos. Se o governo é da sociedade ao contrário da visão tradicional vertical, a sociedade manda no governo e este atende ao que a sociedade deseja. Mesmo considerando as contradições para construir a vontade da sociedade, esta continua sendo a mais soberana.

Agora fica mais difícil os Governos fazerem seus acordos e só abrir a informação anos depois quando a sociedade não pode mais. Se a mídia tradicional já pusera dificuldades ao autoritarismo, agora ainda mais a instituição da arrogância perderá sentido histórico. Enfim a arrogância imperial está ficando exposta ao sol do meio dia. Mesmo que o Wikileaks venha a ser manipulado ou impedido, outros mecanismos aparecerão sobre esta nova plataforma social (a internet não é uma mera plataforma tecnológica).

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