segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011


MENS SANA IN CORPORE SANO
CANÇÃO MÍNIMA

no mistério do sem-fim
equilibra-se um planeta.
e, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o sem-fim,
a asa deuma borboleta

(cecília meirele)

Sou o que faço de mim - Emerson Monteiro

A tradicional conceituação de existirem os três aspectos comuns de personalidade para formar a constituição da individualidade, quais sejam id, o eu primitivo; o superego, o eu ideal; e o ego, o centro real da pessoa, a consciência do eu, o que representa a base original de onde procede ao que se fará de si mesmo. Tais são conteúdos iniciais de um longo itinerário a chegar na transformação do ser rumo à realização maior das existências, o que se dará sob as leis fundamentais do reconhecimento dessa longa estrada, até a individuação definitiva. Há, em consequência dessa dialética, uma personalidade suprema das individualidades em formação, o que admite, desde as religiões mais arcaicas, passando pelas teses estruturalistas das escolas científicas que estudam a psicologia humana, uma confluência ao Eu verdadeiro, que ora recebe nomes diversificados, a depender dos códigos que aprofundam o assunto. Cristo, Senhor, Consciência Cósmica, Suprema Personalidade de Deus, Eu Superior, Krishna, etc.
Enquanto de um dos lados, na vida de relações, observa-se essas configurações para a formação da personalidade instalada em todo ser humano, o aspecto instintivo animal; o eu moralista que a tudo define sob o prisma da fundamentação teórica do que deveria ser e ainda não o é; e o eu das relações consigo mesmo e com o universo, o que expressa nomes, pessoas, memórias, pensamentos, sentimentos e valores externos do ente social; no outro pólo dialético apenas a ordenação objetiva da síntese, ou nova tese, indica tão só a completa integração da personalidade com a natureza mais perfeita, inclusive acima dos juízos de valor, justificativa da existência da espécie e causa primeira à qual regressará à medida que reencontre o ele perdido, na vertente universal de tudo. Será o regresso à casa do Pai, qual dito nalgumas escolas místicas.
Todo o sentido daquela interpretação fragmentária da realidade, que obedece ao prisma dos três aspectos científicos das variações que formam a personalidade conhecida, apenas, portanto, significa uma fase primária de localização dos conceitos do eu consigo próprio, à mercê dos vetores da realidade interpretativa enquanto inexiste a conversão a que se destina no objeto do processo vida, uma razão maior e motivo primordial da existencialidade humana e dos demais seres e objetos materiais.
Ao instante da percepção criadora do Ser definitivo, o que aborda a epopéia da civilização no decorrer da história das existências, revela em si o ápice da criação e o crepúsculo das coisas na matéria, conquanto fundir-se-ão as consciências na luz espiritual da imortalidade eterna, a resultar na totalidade plena e satisfação absoluta da existência e do movimento que formam a Natureza.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Com a palavra Monyerviny


Monyerveny é uma dessas meninas que escreve, como diz o poeta Chacal que coloca os seus bichos para fora. Após várias tentativas e inúmeros pedidos a jovem Mony, se assim ela permite, tira do seu baú de pandora, as suas escrituras que tem a marca das suas descobertas e dos seus conflitos.

Descobri Mony pelos corredores do EEFM Polivalente do Crato e desde então vinha insistindo para conhecer o seu trabalho com as palavras, insistência que valeu a pena. Uma perseguição do bem, na crença de que a menina de poucas palavras poderia jorrar poesias.

A cada instante quero descobrir e publicar os brincantes e guerreiros das palavras que estão no anonimato. Monyerveny foi uma das primeiras. Se a arma do poeta é a palavra, então Mony não tem outro jeito, agora arma-se.

As angústias do tempo

Tento explicar o que não entendo,

o que não sei dizer,

o que já pude sonhar,

o que já pude viver.

Tento construir meu futuro

com meu simples olhar

por que não sei o que querer

não sei o que pensar.

Sei a dificuldade que sinto,

sei onde eu quero chegar

mas cada lágrima que sai do meu peito

me faz ter medo,

me faz te amar.

Sinto meu coração doer,

mas não consigo entender

porquê me pus a sonhar.

Amar

Amar é uma aventura

amar é um desespero

e não há censura.

O que resta de mim agora

é sonhar ao travesseiro

O que acontece com o sentimento

que aparece de repente?

Que nos faz amar,

que nos faz querer,

que nos faz apoiar

o amor fortemente.

Sigo entre as linhas,

esse amor tão singelo

que me acalma na vida

e que é tão sincero

pois te amo sem te ver

você é tudo que eu quero.

O que resta dessa paixão doentia?

Dessa nossa nova emoção?

Desse amor tão perigoso

que maltrata meu coração.

O que resta desse amor,

é só dor,é só dor.

Chance

Quando quiser partir,vá sem chorar

a escolha é sua,vá sem chorar

já disse para ficar,

mas você não quis escutar.

Será que uma chance

vai rolar entre nós dois?

ao menos um beijo

não se deixa para depois.

Palavras não dizem o que você é para mim

se há uma chance

não me deixe triste assim.

Será que nosso amor vai continuar?

Ou se essa chance nunca vai rolar?

Já disse para ficar

mas você não quis escutar.

Te esquecer

Às vezes,quando penso em te deixar

me sinto só,tentando entender o significado do amor.

Mas me iludo,não sei como evitar

de maneira alguma como não te amar

por que nosso amor tem que acontecer

e eu chorei tentando te esquecer

Alguma vez por amor eu aprendi a confiar

Me apaixonei por você sem perceber

Você me enfeitiçou como em um toque de amor

E desde então,sofro com o adeus.

Onde algum dia pude acreditar?

Como um lugar mágico de amor

Não sei como enviar uma carta escrita para te amar

por que nosso amor tem que acontecer

e eu chorei tentando te esquecer.

Foi embora

As estrelas que eu olho no céu

são tão lindas que não pude evitar

com o olhar você despertou em mim

cada lágrima que pude chorar.

Onde está meu amor que não liga

se não está mais no meu pensamento.

Se não concorda por favor me diga

Por favor meu amor.

Foi embora,

não sei por que me desprezou

de porta a fora,

sem saber o que era amor

Naquela hora,

a solidão que me pegou

Você não quis mais saber

não quis mais saber de mim

Paixão sem fim

Esse olhar que me atrai

mora dentro de mim.

Não tenho como explicar

a paixão nunca teve fim

Sempre quando te vejo

me sinto nas nuvens

com o gosto do teu beijo

me sinto apaixonada,louca,alucinada

querendo então te ver

que desperta em mim um sonho

meu amor eu te proponho

para sempre me querer

Meu mundo é teu

teu mundo é meu

e assim ficamos

pois nos amamos

sinto,mas essa garota te perdeu.

Lula Gonzaga – Redescobrindo o Brasil com muita animação

Aos 15 anos, o pernambucano Lula Gonzaga se encantou com o cinema e hoje é a principal referência da cinematografia de animação do Brasil. Comunista, cineasta, disseminador da arte de animação no Norte-Nordeste, defensor da política de Pontos de Cultura como forma de empoderamento dos movimentos sociais. Lula Gonzaga será homenageado no Cariri – Estado do Ceará com Mostra de Animação que levará o seu nome e será realizada pelo Coletivo Camaradas em 2011.

Alexandre Lucas - Quem é Lula Gonzaga?

Lula Gonzaga - Pernambucano, cineasta de animação onde iniciou sua trajetória no desenho animado em 1971. Realizou sete curtas-metragens nas mais variadas bitolas: Super-8, 16mm, 35mm e em vídeo. Coordena o Ponto de Cultura Cinema de Animação e o Pontão de Cultura Cine Anima em Pernambuco. O nosso Ponto é principalmente um projeto itinerante que percorre todo o país realizando oficinas e mostras de animação em especial nas regiões Nordeste e Norte, já realizamos etapas também em outros países.
Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?

Lula Gonzaga - Aos 15 anos quando entrei pela primeira em uma sala de cinema de bairro no Recife, decidi que iria trabalhar com cinema. Aos 18, no final dos anos 70, fui para o Rio de Janeiro e 1971, comecei minha carreira profissional na PPP Produtora francesa no bairro da Glória.

Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?


Lula Gonzaga - Várias, partindo das salas de exibição onde assisti vários filmes de animação da Disney, a produção francesa e checa pois havia amigos que tinham estes filmes em Super-8, fundindo com as influências do grafismo regional da xilogravura, da literatura de cordel que observava nas feiras e mercados públicos, dos bonecos de barro de Caruaru que comprava para brincar, dos mamulengos e da música regional de Luiz Gonzaga etc.

Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?

Lula Gonzaga - O ser humano não suportaria a vida sem a música, sem o cinema, sem a pintura, é inerente a condição humana, e tudo que diz respeito ao ser humano passa pela política, desde o preço do pão, a educação, a saúde, os rumos de uma nação, então todos precisam da arte e da política, não tem como separar, você pode não fazer política partidária, mas a política no sentido amplo está intrínseca a cada pessoa.

Alexandre Lucas - Contextualize a produção de animação no Brasil ?

Lula Gonzaga - A animação no Brasil como em todo o planeta está em momento de expansão, a animação está em todos os lugares: no cinema, na TV, na Internet, no celular. No Brasil, a animação sempre foi marcada pela dominação da indústria americana que monopoliza todos os canais de comunicação com o público, começando nas salas de cinema, na TV, agora na Internet, no celular e em todas as novas mídias que surgem. Em função desta dominação, a animação exibida no país sempre muito focada no público infantil, pois é onde começa a funcionar a “lavagem cerebral”, crianças a partir dos 2 anos de idade são alienadas pela produção exibida pelas “xuxa´s” e Cia. Trabalhando sem cessar nas cabeças dos nosso filhos para formar os novos aliados e futuros consumidores dos shoppings, delivery, Coca-cola, fost food etc. Hoje com as salas de exibição alternativas e em especial a internet, os jovens começaram a descobrir as produções de outros países que produzem filmes também para crianças e para outras faixas etárias em especial para a juventude. Com a chegada dos vídeos-games, vídeos clips e animação para celular, além do acesso às novas tecnologias digitais que barateiam e fazem com que um jovem possa realizar sua animação e finalizar em um computador simples, a animação entrou de vez na juventude, que enxerga também uma oportunidade de mercado de trabalho. Grande parte das empresas de produção de animação opera com equipe de jovens, hoje o Brasil produz uma grande quantidade de filmes de curta e longa-metragem, séries para TV, animações para comerciais, vídeos-games. Nossa produção atual além de muito diversificada em gênero e estilo também está espalhada pelo país inteiro, temos núcleos funcionado em São Paulo e Rio, também no interior de São Paulo, no Rio Grande Sul, Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo em Minas, Brasília, Goiás, em Pernambuco, Bahia, Ceará, Maranhão, Rondônia e Amazonas.

Alexandre Lucas - Quais as dificuldades que você encontrou no início de sua carreira?

Lula Gonzaga - No início o maior complicador era de o país ter uma produção muito pequena, basicamente reduzida aos comerciais para TV e fixada exclusivamente no eixo Rio-São Paulo. A grande dificuldade de assistir os filmes de diferentes países como ainda acontece hoje. Não havia nenhum instrumento de fomento, como os editais que existem hoje.

No meu caso tive sorte pois em 1981 a CAPES/MEC acertou um convênio com a Embrafilmes para a parceria de um projeto de 3 bolsas de estudo para animação no exterior, 3 vagas para todo o país e eu peguei a vaga do Nordeste e fui estagiar na Croácia e República Checa o que me deu um outra dimensão do universo da animação no planeta.

Alexandre Lucas - Ainda consumimos muita animação de outros países? Como você vê produção de animação no Brasil e o monopólio da Mídia?

Lula Gonzaga - Claro, e sempre vamos consumir o desenho de outros países. A questão é que basicamente só consumimos a produção dos Estados Unidos da América e uma parte menor da produção comercial japonesa. Temos que abrir nosso mercado para a produção de todos os países, para que nossas crianças e jovens possam conhecer as diferentes culturas, isto é essencial. E para exibir as nossas produções, durante muito tempo, nem mesmo a turma da Mônica era exibida nas nossas TVs! Também é necessário abrir os espaços para a produção brasileiras nos cinemas e TVs para os outros países. Hoje a animação nacional está no mesmo nível de qualidade da produção dos países produtores mais avançados, as animações importadas geram bilhões de dólares, citamos por ex. Bob Esponja, no ano de 2008 rendeu 1 bilhão de dólares em licenciamento, com a venda de bolsas, sapatos, cadernos etc. O mercado não brinca em serviço! A discussão agora é cultural, pois trata da afirmação da nossa identidade como povo, de economia e tudo passa é claro por decisão política.

Alexandre Lucas - A circulação é um dos desafios para democratizar a produção de animação no Brasil?

Lula Gonzaga - É o nosso grande gargalo, como estamos completamente dominados pela engrenagem de distribuição nas grandes mídias optamos, por falta de força política, operar pela beirada, nos Festivais de Audiovisual, nos diversos projetos de exibição itinerantes, nas TVs públicas como a TV Brasil e a TV Cultura, nos Cines Clubes, nos Cines+Cultura, na Programadora Brasil etc. São muito importantes os meios de acesso a produção brasileira, mais ainda estamos muito longe de chegar aos grandes sistemas de comunicação.

Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?

Lula Gonzaga - Nosso trabalho sempre foi focado na cultura brasileira em especial nas regiões Nordeste e Norte, sempre trabalhamos com formação, produção e difusão. Toda nossa equipe é de jovens que foram formados no próprio projeto, todas as nossas oficinas sempre foram com jovens alunos das escolas públicas e as exibições do cinema itinerante ou de cineclube sempre priorizamos as cidades sem ou com muito poucas salas de exibição para comunidades sem acesso a este importante veículo de comunicação de massa e divulgação da nossa cultura.
Alexandre Lucas - A atual conjuntura política no campo da cultura tem contribuído para ampliar a produção e circulação do cinema de animação no Brasil?
Lula Gonzaga - Sim e muito, na era Lula / Gil estivemos no melhor momento da nossa produção e acesso à cultura, em especial com o programa Cultura Viva que tem como locomotiva os 2.500 Pontos de Cultura funcionando no país, nos diversos editais para a produção audiovisual, na SAV - Secretaria de Audiovisual - que incluiu editais específicos para animação e nos avanços dos Cineclubes, da Programadora Brasil e nos cinemas itinerantes
Alexandre Lucas - O Coletivo Camaradas realizará em 2011 a “Mostra de Animação Lula Gonzaga” o que isso representa para você?

Lula Gonzaga - O Nordeste do país, hoje tem uma importante produção de Animação que o público da nossa região ainda não teve a oportunidade de conhecer.

A Mostra que vamos realizar com o Coletivo Camaradas, será uma oportunidade para prestar contas a sociedade do que estamos realizando com os recursos públicos em nosso Ponto de Cultura, vamos apresentar como funciona o nosso processo de formação, de produção e de difusão do Cinema de Animação que atua nas regiões Norte e Nordeste, nesta Mostra apresentaremos um painel através da exibição dos filmes e vídeos produzidos no nosso projeto, buscando permitir o acesso a cultura cinematográfica, a informação, abrir novas oportunidades no mercado de animação, a troca de idéias e a busca de novas parcerias.

SABER INCOMPLETO

- Mecê, cumpádi, já porvou
bunda de tanajura torradinha?
- de tanajura, cumpádi,
inté hoje não.

(c.d. de andrade)

sábado, 26 de fevereiro de 2011

America


"America is like a healthy body and its resistance is threefold: its patriotism , its morality, and its spiritual life. If we can undermine these three areas, America will collapse." Josef Stálin

Governos de conveniência - Emerson Monteiro

A onda que varre dos comandos governantes de países árabes deixa no ar uma séria lição, qual seja: o capitalismo ocidental brincou em serviço quando apoiou a maioria desses ditadores que o próprio tempo se encarrega de eliminar, atitude que demonstra por demais a irresponsabilidade das democracias ricas em relação aos países atrasados deste mundo. Ninguém avalie, portanto, sua posição acima do mal e do bem, como agem detentores da riqueza, nas poderosas economias nacionais.
Depois da crise do petróleo, verificada com a Guerra dos Seis Dias entre árabes e judeus, no ano de 1967, os países detentores das reservas decidiram aumentar o preço do barril do ouro negro a níveis pouco imagináveis. As nações árabes descobriam, enfim, o quanto vale o subsolo nesta civilização contemporânea. O Ocidente, principal consumidor, instalava, naquelas economias crescentes, através dos ardis de bastidores, líderes que lessem nas suas cartilhas, para, mais adiante, dado o despreparo da maioria deles, haver de exterminá-los ao preço das dores civis, notícias que, antes, vieram do Afeganistão, do Iraque, e, agora, num rastro de pó e sangue, das ditaduras de conveniência que afundam, impostas que foram às nações em crise pela barganha dos potentados capitalistas.
Eis uma história marcada, programada de longo prazo. Nas décadas de 60 e 70, as Américas sofreram da mesma fórmula, que serviu, durante 20 ou mais anos, ao pretexto de manter a ordem nesta parte do chão. Os custos disso, atraso na maturidade dos povos, taxa elevada em termos de aperfeiçoamento histórico negativo, subserviência e alienação de gerações inteiras.
Tais exercícios de intervenção alimentaram elites reacionárias e corruptas, ocasionando consequências perversas de vazios profundos no futuro, visando o lucro das conquistas do mercado imperialista.
Essa crise fenomenal que ora elimina titulares carimbados no Egito, na Tunísia, e se espraia pela Líbia, pelo Iêmen e outros países, representa, pois, a derrocada dos esquemas absolutistas impostos pelos ocidentais a povos do Oriente, engordando famílias e governos ilegítimos, quais novos cônsules da Antiga Roma dos césares.
Os resultados da ação equivocada sujeita, com isso, perder a humanidade, expondo conquistas democráticas, devido à injustiça que contagia vizinhanças e domínios equilibrados, pondo risco, por exemplo, na estabilidade da Europa, comunidade que, através dos séculos, ficava distante das convulsões da Ásia e da África. Já que existem, porém, nos tempos atuais, o excesso populacional e as facilidades do deslocamento das massas humanas, o Velho Continente sofre com as angústias do futuro., nuvens escuras crescem das bandas do Nascente, na geopolítica internacional, e, queira Deus, uma autocrítica honesta de quem responsável motive rumos novos aos tristes acontecimentos verificados.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Eu te amo meu Brasil - José do Vale Pinheiro Feitosa

Quem se espantará com alguém que diz amar. Principalmente se este amor é seu país e sua gente. É um amor lícito, sublime, pois amor à natureza deste território e à cultura que traduz gente. Pois foi isso que o compositor Dom da dupla Dom e Ravel fez com a música “Eu te amo meu Brasil” e divulgada pelos Incríveis.

A questão não era que a ditadura tivesse o direito de fazer a sua propaganda, pois ela não se importaria com algo em assunto de direito. A questão é que ela não amava os brasileiros, pelo menos na construção do seu marketing interno: o Brasil Ame-o ou Deixe-o, era uma verdadeira expulsão de brasileiros. E como deixar de ser brasileiro uma vez o sendo?

E os Incríveis cantaram quando seus colegas eram literalmente expulsos pelos militares do país: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque etc. Eles podem cantar aquela música pensando em ser igual ao Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, mas tomaram o partido de uma ditadura.

A música começa com uma ordem unida: Escola...Marche...E aí toque praias ensolaradas, a mão de Deus abençoando, a mulher com mais amor, o céu com mais estrela e o sol com mais esplendor. E diz que vai plantar amor, buscam os chavões das mulatas e as tardes mais douradas. Dom, Ravel e os incríveis “Incríveis” eram o motor, acho que oportunistas, para alienar a juventude do Brasil.

Para baixar um manto sobre a censura e a expulsão de brasileiros. Era uma estratégia para esconder as práticas e a ética do regime militar. Um regime tão picareta que se aproveitava da rebeldia de alguns jovens de classe média que resistia a ela, como se ali fosse um dia de juízo final.

Caetano Veloso em recente entrevista a Geneton Moraes Neto sobre aqueles anos lembra um episódio que bem traduz o jogo duro tentando se esconder atrás de um marketing ameno. Estava exilado e a irmã Betânia negocia seu retorno para apenas uma visita aos pais que comemoravam importante data. Caetano chega com a ex-mulher Dedé e ao descer no Galeão é imediatamente recolhido num carro, sem ao menos justificarem nada para os companheiros de viagem.

É levado para um prédio no centro da cidade do Rio e lá submetido a enorme pressão. Queriam que declarasse coisas a favor do regime. Que ele estava fora do país por vontade própria, quando isso não era verdade. Queria o mais incrível, que ele compusesse uma música para servir de marketing ao regime. Ele se recusou, mas teve que aceitar fazer dois shows na televisão globo para demonstrar que o regime não tinha nada com ele.

Impuseram-lhe estes dois programas e a rede globo estava a serviço da estratégia. Acontece que naqueles anos Caetano escrevia no jornal O Pasquim e todo mundo sabia por que estava fora do Brasil. E quanto ao Dom e Ravel?

Eram de Itaiçaba no Ceará. Irmãos migrantes ainda jovens para São Paulo. Um deles tinha talento musical e o professor lhe apelidou de Ravel, o Dom veio depois. Em 1969 gravaram o primeiro LP, intitulado Terra Boa, no qual havia a música “Você também é responsável”. O Coronel Jarbas Passarinho, ministro da Educação do Presidente Médici, a tornou o hino do MOBRAL (movimento de alfabetização de adultos). O sucesso do Eu te amo meu Brasil, foi tal para quadros do regime que o governador paulista Abreu Sodré teria sugerido ao presidente Médici transformá-lo em hino nacional.
O certo é que a música foi utilizada pelo regime para se contrapor ao Caminhando do Geraldo Vandré, , embora não tenha sido composta para isso, na verdade foi composta pelo ufanismo da vitória brasileira no campeonato mundial de futebol. Aquela música, que se tornou o hino das passeatas da juventude universitária e secundarista muito amargor promoveu ao generais. Eles temiam que o jovem oficialato fosse presa do seu próprio tempo.

A dupla virou, para sempre, símbolo da bajulação da direita e do regime. Mas foi quando em 1973, revelando a trajetória de sua família pobre gravaram a música “Animais Irracionais” denunciando as injustiças sociais. Era o fim do Milagre Econômico e eles eram povo. A direita não gostou e os dois sentiram na pele aquilo que o ufanismo daquela Eu te amo, tentava esconder na pele dos outros.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Efeitos Colaterais

Godofredo e Isabel mantiveram um casamento perfeito por quase vinte anos. Eram figuras icônicas nas brigas dos amigos: “ Você devia ser como o Godofredo!” “Por que você não se porta como a Isabel , aquilo sim é que é uma mulher”. Vencido o prazo de validade de todo matrimônio, quando o remédio fabuloso começa pouco a pouco a mostrar seus efeitos colaterais, sua reações adversas e a se transformar em veneno, o casal começou a ficar mais distante, nem discussões mais conseguiam entabular. No espaço vazio do relacionamento, terminou por surgir alguém para preencher a vaga. Godofredo, antes um esposo fidelíssimo, se enrabichou por Tamires, uma colega de trabalho, vinte anos mais nova. Como era de se esperar ,não cabia tanto pequi no baião-de-dois de Isabel , quando ela descobriu que havia ingredientes estranhos na culinária, entornou, literalmente o caldo da pequizada. Como sempre, os casamentos mais equilibrados são justamente aqueles que mais se desequilibram na hora da dissolução. O pau comeu solto. Agressões se repetiram lado a lado, culminando com sopapos generalizados, telefone em orelha de Tamires, tapa no terreiro dos olhos de Godofredo, braço quebrado de Isabel.
Terminada a guerra doméstica, estavam armados os exércitos para as batalhas judiciais. No interlúdio entre os conflitos periódicos, estabeleceu-se uma guerra fria. E nem havia tantos bens a serem partilhados: uma casa, um carro, uns terrenos na periferia: só. Mas acordo mostrou-se desde o início totalmente impossível. Simplesmente porque não estava em jogo, na realidade, a questão meramente financeira. Godofredo havia ferido Isabel no seu ponto mais sensível, no seu calcanhar de Aquiles, o amor próprio, e aí não havia patrimônio nesse mundo que fosse capaz de indenizar tanto dano, nem o de Bill Gates. Advogados de lado a lado, desde o início, Godofredo e Isabel montaram sua lavanderia pública e procederam à interminável lavagem de roupa suja. De repente veio à tona aquele varejo de incongruências e deformidades de que todos os casamentos estão prenhes. Godofredo era meio brocha, Isabel tinha mal hálito superior e inferiormente e pro aí vai.
Na impossibilidade de acordo, a pendência correu para a demorada esfera judicial. Audiências, desaforos, custas judiciais e advogados dando corda pelas beiradas. O certo é que o processo tramitou por uns oito anos e, no final, praticamente já nada tinham para partilhar. Os bens , poucos, tinham sido consumidos na própria alimentação da causa. Restaram apenas o fel, o veneno destilado lado a lado que acabaram por nublar completamente a lembrança dos verdes e doces enlevos dos primeiros dias.
Recentemente um primo dileto de Godofredo, chegando da Europa,onde residia há muitos anos, não conseguiu compreender a penúria em que viviam os dois antigos pombinhos. Eles que quando casados gozavam de uma confortável situação, agora ali estavam tocando a vida com dificuldades típicas de classe média baixa. Como se explicava a tragédia?
O pai do primo europeu foi quem conseguiu didaticamente explicar o inexplicável, utilizando os recursos da fábula.
--- Meu filho, um dia dois gatos encontraram um pedaço de queijo e começaram imediatamente a brigar. Cada um se achava dono do presente encontrado. “É meu!” “É meu, eu vi primeiro!” Começaram ,então, a se engalfinhar, numa luta sem precedentes. Foi aí que apareceu o macaco e ofereceu-se para intermediar a questão. Propôs dividir o naco de queijo no meio e, cada um ficar com sua parte. Os gatos, então, aceitaram, desde que os pedaços fossem exatamente iguais. O macaco, então, salomonicamente, pegou uma balança e cortou o queijo em duas partes. Colocou-as cada uma em um dos pratos. Notou-se, então, que um dos lados era maior e que o prato descia. O macaco, tranqüilizou-os: não tem problema! Cortou um pedacinho da parte maior e comeu e voltou a pesar as duas fatias. Agora, era a outra que estava mais pesada. O macaco procedeu da mesma maneira, cortou mais um tanto e comeu e voltou a fazer a pesagem. O problema repetiu-se e, ele, prontamente cortou mais um taquinho, comeu e pesou novamente. Repetidas as ações por várias vezes, os gatos gritaram : Pode parar, já basta ! Está bom ! Notaram que os pedacinhos que restavam agora, eram bem miudinhos, o macaco comera quase tudo. O acordo foi feito rapidamente e os gatos saíram satisfeitos. Pois ,é ! Os gatos eram Godofredo e Isabel !
--- E o macaco, papai ?
--- Era o advogado, meu filho !

J. Flávio Vieira

Monopólio na alimentação

"Juntas, as redes de supermercados Carrefour, Walmart e Pão de Açúcar controlam 50% dos alimentos comercializados no Brasil, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Considerados os três maiores grupos do segmento em atuação no país, eles são responsáveis pela maior parte dos 20 mil produtos com marcas próprias lançados anualmente.

O integrante da Via Campesina Luis Zarre, acredita que essa concentração do mercado de alimentos desestabiliza as economias locais e prejudica tanto o agricultor, como os pequenos e médios empresários, além de reduzir a presença de produtos orgânicos nas prateleiras.

“Essas redes reproduzem a geração de necessidades artificiais, ao contrário dos pequenos mercados, que comercializam o que é produzido naquela região.”
Atualmente, 10 empresas dominam o mercado mundial de sementes, chegando a operar 70% do fornecimento aos produtores rurais. Para Zarref, os agricultores perderam a autonomia sobre a produção quando as grandes empresas romperam o sistema de adubação, que antes era de origem animal e foi substituído por adubos químicos.
“Culturas que são bastante nutritivas, mas que não podem ser transformadas em commodities, estão sendo esquecidas. Não estão mais sendo produzidas. Hoje, quem recebe estímulo são as commodities, que estão voltadas para essa relação com as grandes empresas que dominam as sementes e os pacotes da revolução verde, de adubação química e agrotóxicos.”
Zarref ainda lembra que a demanda por produtos como o milho e a soja em países com problemas de segurança alimentar está reduzindo as áreas cultivadas com outras variedades de alimentos, o que determina os altos preços repassados ao consumidor."

Fonte: Radioagência NP, Via Portal Vermelho
what most needs explanation
is not why some people are criminals,
but why most peolple are not.

(james q.wilson)

Sobre "anônimos X personagens" - José Nilton Mariano Saraiva

Unanimemente reconhecido como uma figura desprezível e digna de se guardar distância, o “anônimo” vive no mundo da escuridão absoluta, à espreita da chance propícia pra semear a desordem, a anarquia, o caos. Sem nunca identificar-se, quer pessoalmente ou através de seus textos (apócrifos), tem, no entanto, consciência plena das desagradáveis conseqüências advindas da mesquinhez das suas intervenções e atitudes, na perspectiva de deixar algum rastro. Não se trata, pois, de nenhum inocente ou incauto, sendo merecedor de uma penalidade severa e exemplar. Lamentavelmente, entretanto (por incrível que pareça), ainda encontra quem o aplauda, o estimule e o acolha fraternalmente, lhe disponibilizando espaço para arrotar seus devaneios e irresponsabilidades.
Mas, aqui pra nós, dada à incrível similitude do “modus operandi”, existirá alguma diferença entre essa excrescência monstruosa (o “anônimo”) e os que se prestam à patética tarefa de criar e apresentar ao distinto público - com o fito lastimável e exclusivo de lhes servir de escudo-protetor - um tal “personagem”, de forma que possam, em se escondendo por detrás dele, atentar contra as mais elementares e básicas regras de civilidade ao investir, atacar e denegrir pessoas de reputação ilibada e idoneidade moral comprovada, com o agravante de jamais com elas terem convivido no dia-a-dia ??? O deplorável “personagem”, tal qual seu irmão siamês, o “anônimo”, não é também um sem rosto, um sem identidade, um ser caricato ???
Afinal, o que leva mesmo os que criam tal anomalia a posarem de paradigma da moralidade, de defensores dos bons costumes, de últimos guardiões da decência e de ícones da retidão, se lhes falta a dignidade de assumir oficialmente aquilo que oficiosamente as pessoas sérias e de bem têm conhecimento e reprovam com extremada veemência: que o uso (até abusivo) do famigerado “personagem”, não passa de uma tentativa canhestra de personificar e enxovalhar com cidadãos dignos e pertencentes a famílias honradas, a uma outra geração, a uma outra época e que, ainda atuantes, idiossincráticos não se furtam de subscrever sem qualquer receio o que expõem didaticamente, para conhecimento público (sem a necessidade ou conveniência de esconder-se por detrás de nenhum “personagem”).
Elementar, meu caro, Watson: falta-lhes coragem de mostrar a face e se expor, responsabilizando-se civilmente por atos e escritos, porquanto sabedores que, em reconhecendo publicamente que da sua lavra são as acusações direcionadas pelo seu “personagem” a pessoas íntegras e cônscias dos seus direitos e deveres, poderão ser imediata e tempestivamente acionados na Justiça, objetivando a confirmação, ratificação e comprovação, em juízo, das graves e infundadas denúncias, veiculadas com o claro intuito de ridicularizar e de desmoralizar.
No jargão judiciário, tal ação ou causa é conhecida por “danos morais” (que abalam a honra, a boa-fé subjetiva ou a dignidade das pessoas físicas ou jurídicas), que além de detenção iminente contempla também a competente indenização (cujo objetivo é reparar a dor, o sofrimento ou exposição indevida sofrida pela vítima em razão da situação constrangedora à qual foi exposta).
Além do mais, convém que os holofotes sejam direcionados para a pedagogia embutida na decretação de uma penalidade dura e exemplar (em casos da espécie e similares), já que certamente servirá pra desestimular os ofensores (e aliados) a insistirem na conduta reprovável e mesquinha que deu origem ao dano.

As emissoras internacionais - Emerson Monteiro

Houve um tempo quando apreciei com intensidade as transmissões da radiofonia mundial em ondas curtas, reservando horas e horas noturnas para ouvir as programações em português e espanhol, elaboradas nos mais diversos países. Esse gosto veio despertado por amigos e colegas de colégio que nutriam interesses ocasionais em colecionar selos, quadros de fitas de cinema, estudar inglês e acompanhar lançamentos cinematográficos, assuntos que preencheram a minha adolescência.
Além de seguir de perto as grades de programação, também escrevia às emissoras, dando notícias das recepções e apresentando ideias e motivos talvez a serem aproveitados pelas estações de rádio.
Era uma época de extrema efervescência e movimentação das forças políticas, na primeira metade da década de 60, auge da Guerra Fria, quando, inclusive, o rádio se prestou à divulgação e propaganda ideológica dos blocos nela envolvidos. De um lado, o capitalismo internacional do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos. Do outro, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ponta de lança do que propunha o comunismo, já instalado também na China, desde 1949, com Mao-tsé-tung no poder; em Cuba, após a revolução de Fidel Castro, em 1959; no bloco dos países da Europa Oriental, na Coréia do Norte, como alternativa ao modelo da democracia americana para as outras nações, após a Segunda Guerra.
Recordo que, nessa fase, ouvia com assiduidade transmissões da Rádio Difusão e Televisão Francesa, Rádio Canadá, BBC de Londres, Rádio Havana, Voz da América, Rádio Holanda, Rádio Suíça Internacional, Rádio Suécia, Rádio Praga, Rádio Sofia, Rádio Cairo, Rádio Espanha Internacional, Rádio Pequim, Rádio Central de Moscou, Rádio Tirana, Rádio Vaticano, Voz da Alemanha, dentre outras, que mantinham horários para o Brasil e os demais países de língua portuguesa.
Informações fervilhavam a cruzar os céus logo que chegava a noite, das 19 às 23h, horário de melhor propagação das ondas. O meu receptor, rádio a válvulas, permanecia ligado todo tempo, enquanto promovia anotações e apurava os ouvidos, nas faixas de 16 a 49m, vezes sob chiados e ruídos intensos que dificultavam as audições.
No país, eram as notícias peneiradas pelos órgãos de segurança e que, entretanto, vazavam pelos correspondentes estrangeiros, chegando ao nosso conhecimento pelos departamentos internacionais, época de clandestinidade e repressão, anos de chumbo, quais se dizem.
Remetia cartas aos endereços dessas emissoras, que as respondiam com regularidade e juntavam às respostas publicações dos países; livros, revistas, jornais, postais, selos, broches, flâmulas e outros brindes. Cada recebimento dessas respostas era um dia de festa. Abria o envelope e examinava com cuidado seu conteúdo, estimando o valor em face da distância que percorrera. Nisso, espécie de fetichismo logo invadia a alma de mistério.
Depois, novos apegos surgiriam com a descoberta do prazer da literatura e seus variados autores brasileiros e estrangeiros. Mais adiante, os filmes de Hitchock, do Cinema Novo, os clássicos da Cristandade, os faroestes inolvidáveis, o cinema de arte europeu, além dos festivais da canção, e a MPB, reunidos às emoções dos primeiros namoros, para, assim, excluir em definitivo o pouco espaço que restara entre os estudos e aqueles solitários serões radiofônicos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sabença de caboclo - Emerson Monteiro

Talvez por pretender contrariar o princípio de que cavalo ruim se vende longe, Chico Ivo tratou de camuflar muito bem a deficiência do animal com a instala-ção mais do que perfeita de outro belo rabo no baita cavalo luzidio, untado com esmero numa mistura gosmenta de breu e cola de marceneiro, disfarce primoro-so da alisada vassoura de longos fios selecionados.
Junto ao toco, implantara a nova cauda, recolhida de outros bichos no decorrer de longos meses, cabelo a cabelo, que, de firme, mostrava-se suficiente para confundir os maiores especialistas, como deixará provado. Concedia, inclusive, ao equino ginga do tanto de esboçar ligeiras e saudosas abanadas, qual nos ve-lhos tempos de inteiro.
Bom, foi assim que resolveram desafiar o furdunço da feira de Lavras da Man-gabeira, buscando o pátio dos bichos, onde não teve mesmo quem viesse de no-tar a gauribagem. Tudo limpo no céu do meio-dia.
Interessados não custaram a aparecer com suas pretendências e propostas. E-xaminavam o cardão de cima a baixo, coleando a pelagem, friccionando o lom-bo, sempre cuidando de olhar dentes, cascos, orelhas, na mania dos espertos. Porém foram, de verdade, os ciganos que primeiro se fixaram na intenção explí-cita da compra, seguindo logo, logo, saber do preço.
Conversa vai, conversa vem; regateia daqui, regateia dali; negócio realizado. Ca-bresto na mão, dinheiro no bolso, e, satisfeitos, certos de uma boa transação, restava aos negociantes pegarem estrada e buscarem o destino da tropa nas es-tradas poeirentas do sertão.
...

Passadas se foram algumas luas, ritmo obediente das coisas naturais. A tranquila cidade mudou quase nada em meio à falta de acontecimentos marcantes.
Lá noutro dia, noutra feira de grande movimento, gente muita, muita animação comercial, difícil até de se achar quem se procura entre as tantas caras, eis com quem Chico Ivo se defronta, de imediato reconhecido... Com os mesmos ciga-nos que lhe haviam adquirido o cavalo. Vinham de longe acenando, para garan-tir o encontro casual inevitável:
- Ganjão, ganjão! Aguarde um pouco que seja.
- Não quero nem saber, - reagiu enfático o antigo proprietário do animal. - Ne-gócio feito ninguém desfaz. Fechado está, assim restará.
E quão admirado ficou da resposta que lhe veio do cigano à frente dos demais:
- Se despreocupe, ganjão. Nosso objetivo é outro. O que passou tá pra trás. Vi-emos aqui foi lhe fazer uma outra proposta, de que o senhor aceite, a partir de hoje, seguir com a gente e chefiar nosso bando.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

"O Agronegócio é escravagista"


21 de fevereiro de 2011

Do jornal Vias de Fato 
 
"Hoje o Maranhão é o maior exportador do Brasil de mão de obra escrava. Já estamos neste posto há bastante tempo. Além disto, entre todos os estados do país, somos o segundo em quantidade de fazendas que se utilizam de trabalhadores escravizados. O campeão deste triste torneio é o Pará. Mas, lá, a maioria dos trabalhares escravizados é do Maranhão. Esta é uma situação ligada à miséria social, a imensa concentração de terras e ao enorme atraso político de um estado que apresenta os piores Indices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país.
 
No mês passado, no dia 27 de janeiro, o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia (CDVDH) lançou um livro que detalha o mapa do trabalho escravo em nosso Estado. Trata-se do Atlas Político-Jurídico do Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão.  Nele, estão relatados os casos de extrema violência, a impunidade descarada, a total cumplicidade do poder político e completa ausência do Estado, dito, "democrático de direito". Uma sequência de crimes que, no Maranhão, tem envolvido a elite do estado: deputados, prefeitos, juízes, grandes empresas e várias outras pessoas ligadas com as diferentes áreas do agronegócio.  Da pecuária, ao algodão, da cana de açúcar ao carvão.  Uma situação muito distante do desenvolvimento alardeado pela propaganda oficial veiculada a peso de ouro na TV Mirante.
 
Por conta deste importante trabalho publicado em livro, nesta nossa 17º edição, o Vias de Fato dividiu a entrevista do mês entre os três organizadores do livro, os advogados Antônio Filho e Nonato Masson e o jornalista Reynaldo Costa. Colaborou conosco nesta entrevista o jornalista e militante social da região tocantina, José Luis da Silva Costa.
 
 
Vias de Fato - Como surgiu à idéia de mapear o trabalho escravo no estado?
Antonio Filho - Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH)  há seis anos vem fazendo esse trabalho de acompanhamento jurídico de dezenas de ações que tramitam na Justiça do Maranhão sobre trabalho-escravo. Essas ações são contra diversas propriedades pecuaristas daqui da região e de todo o Maranhão, envolvidas no crime de reduzir alguém à condição análoga à de escravo.
 
Entre 1996 e 2004, o trabalho do Centro foi de atendimento às vítimas e  acolhimento dos trabalhadores, um trabalho de  apoio. A partir de 2004 a gente abriu uma frente de trabalho, que era acompanhar essa demanda jurídica, que está nos tribunais maranhenses sobre trabalho-escravo.  São mais de cinquenta ações. Priorizamos aquelas de maior importância do ponto de vista político, do ponto de vista da gravidade, aquelas que têm maior repercussão. Em algumas delas nos habilitamos como assistentes de acusação, em outras, recolhemos depoimentos dos trabalhadores, localizamos vítimas, falamos com o procurador, falamos com o delegado da Polícia Federal, tudo para que essas ações tivessem uma tramitação mais rápida.
E depois desses seis anos de acompanhamento, surgiu a proposta de fazermos um grande relatório sobre essas ações judiciais, sobre os procedimentos administrativos que têm no Maranhão. Na verdade, sobre todos os assuntos que envolvem a questão do trabalho-escravo, do ponto de vista jurídico, político e administrativo. Fomos desde o Incra até os tribunais, passando pelos programas e planos para erradicação do trabalho-escravo. Juntamos todo esse material e fizemos uma análise política deles.  Pegamos esses processos e fizemos uma análise a partir da visão, do entendimento, da luta da entidade. É nesse levantamento que está construído o Atlas Jurídico-Político do Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão.
 
Nele, questionamos: por que esses processos andam tão lentamente? Por  que de todas as fiscalizações que já aconteceram - mais de duzentas - só têm cinquenta e dois processos? Por que esses processos não são concluídos e punem os culpados, para que a sociedade, para que as vítimas sintam realmente que está sendo feita justiça? Por que as áreas flagradas com trabalho-escravo não são desapropriadas no Maranhão? Por que as vítimas desse crime no Maranhão, não recebem um acompanhamento social e político por parte do governo? E qual tem sido os impactos das ações do governo federal, do governo estadual no Maranhão pela erradicação do trabalho-escravo? Esses programas, esses planos, essas metas estão realmente atingindo seus objetivos?
O Atlas é um mapeamento de tudo isso. Pegamos o que dizem esses processos, o que está aí na realidade, colocando a partir daí a crítica do Centro, a nossa análise, a nossa visão, como a gente imagina que esses processos deveriam está ou como eles deveriam andar  para a erradicação do trabalho-escravo. Então, essa é a grande idéia do Atlas, ser um relatório que traga a realidade e quem ler possa visualizar, possa entender a dinâmica dessa luta, visualizar todos os atores envolvidos para a erradicação do trabalho escravo no Maranhão.
 
Vias de Fato - Qual o objetivo do Atlas Político-Jurídico do Trabalho Escravo Contemporâneo no Estado do Maranhão?
Nonato Masson - O Atlas tem o objetivo de compartilhar com mais pessoas as experiências que temos tido no Centro de Defesa, no enfrentamento à questão do trabalho escravo em nossa região. O Centro de Defesa tem um acervo de documentos oficiais que serviram de base para o trabalho, além do contato privilegiado com os peões. Temos desde a primeira fala do peão ao fugir da fazenda até as peças dos processos que tramitam na justiça ou em outros órgãos governamentais. Entendemos que essas informações não poderiam ficar restritas apenas aos militantes do Centro. Queremos compartilhar nossas angústias, tristezas, alegrias e algumas vitórias nessa caminhada.
 
Vias de Fato - A Lista Suja é um cadastro nacional onde estão listados aqueles empresários e fazendeiros pegos com trabalhadores em regime de escravidão. Quantos empresários e fazendeiros maranhenses fazem parte dessa lista?
Reynaldo Costa - O Maranhão tem vinte e um empregadores que estão na ?lista suja?. Agora o mais interessante não é saber quantos integram essa lista, mas entender qual o papel dela. A idéia de ter uma ?lista suja? é exatamente ter um cadastro nacional de maus empregadores ? proprietários de terras ? com trabalhadores em condições análoga à de escravo. É fazer com que essas pessoas não tenham acesso a recursos ou financiamentos vindo de instituições financeiras públicas. Entretanto, essa situação infelizmente não é cumprida, muitos fazendeiros que estão nessa lista continuam fazendo projetos em nome de seus filhos ou em nome de outras pessoas. Eles mudam o nome da propriedade para poder acessar recursos. A propriedade continua sendo beneficiada, não é beneficiada a pessoa diretamente, mas a propriedade que foi flagrada continua. Essa é uma das artimanhas que eles criaram para driblar uma das medidas que serviria para combater o crime de trabalho-escravo.
 
Um dos pontos, e talvez seja o único, é simplesmente a exposição dos nomes dessas pessoas para a sociedade. A lista é renovada a cada seis meses. Se determinado proprietário ou empresa aparece com o nome na lista suja, acaba sendo exposto para a sociedade por meio da imprensa, que divulga esse cadastro, mesmo de forma muito sutil, muito vaga. Essa é a única vantagem da lista suja, é a exposição desses nomes para a sociedade. O fato desse empregador aparecer como infrator, como alguém que foi flagrado com trabalhador em condições análoga à de escravo, já é positivo.
A ?lista suja? desse ano foi atualizada no final de dezembro e divulgada no início de janeiro. Entraram mais 89 empregadores ou empresas. Agora, nessa nova atualização, mais cinco nomes maranhenses passaram a integrar, ou seja, cinco novos nomes do Maranhão entraram nessa lista de 2010.
 
Vias de Fato - Com certeza na pesquisa que vocês fizeram encontraram casos de extrema desumanidade no Maranhão. Quais casos vocês podem apresentar à opinião pública?
Antonio Filho - Dos casos que envolvem trabalho escravo que nos deixaram mais perplexos dentro das situações, são casos de fazendeiros que reincidem ao crime de trabalho-escravo. Fazendeiros que já estão condenados há quatorze anos de prisão e mesmo diante dessa condenação, respondendo ao processo voltam a cometer o crime. Outra situação é quando esses crimes atingem menores, quando são encontrados adolescentes em propriedades trabalhando, ou melhor, sendo explorados.
Tem um caso na fazenda Barbosa, propriedade de Roberto Barbosa de Sousa, no município de Santa Luzia, que envolve inclusive casos de adolescentes que foram violentados pelo "gato" dentro dessa fazenda, eles eram obrigados a manter relações sexuais com ele. São vários casos. Todos eles desafiam o estado democrático de direito. O Estado não consegue ter uma estrutura para se sobrepor a esses criminosos para avançar no combate a esses casos de violações de direitos humanos. São casos de violências contra dignidade humana, casos de ameaças a adolescentes que são envolvidos e casos bárbaros de homicídios.
 
Vias de Fato: Qual o principal entrave para solucionar a questão do trabalho-escravo no Maranhão?
Nonato Masson - É a absoluta ausência do estado na repressão deste crime na região, além da política de desenvolvimento econômico adotado por uma elite que desrespeita a natureza como um todo, inclusive a forma tradicional de vida dos povos de nosso estado.
 
Vias de Fato: Como anda a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 438/2001 que visa expropriar terras com trabalho escravo e destinar à reforma agrária?
Reynaldo Costa - Infelizmente ela não anda, está completamente parada. Já está há quatro anos na Câmara dos Deputados. Foi aprovada no Senado e está  parada na Câmara. Em maio do ano passado quando teve o primeiro encontro nacional pela erradicação do trabalho-escravo, alguns parlamentares, junto com pessoas e entidades que estão na luta pela aprovação da PEC, entregaram um abaixo-assinado com mais de 300 mil assinaturas ao então presidente da câmara, Michel Temer (PMDB-SP), mas, até agora, não houve nenhuma movimentação da câmara para colocar em votação.
Agora em janeiro passado, houve outra mobilização da Frente Nacional pela Erradicação do Trabalho-Escravo, puxada pelo ainda senador José Nery (PSOL-PA), para logo que começar esta nova legislatura, colocá-la em pauta na Câmara dos Deputados. Mas, existe alguns empecilhos, primeiro a bancada ruralista, que infelizmente ela é a maioria dentro do Congresso Nacional e quem não faz parte desta bancada, tem outras ligações com os ruralistas se submetendo a eles.
 
Outra dificuldade é a própria Comissão Pela Erradicação do Trabalho Escravo, a maioria de seus representantes é dos ministérios e dentro dessa comissão a única representação da sociedade civil é da CNA (Confederação Nacional da Agricultura) que é uma entidade de fazendeiros, ligada ao agronegócio e claro, contra a reforma agrária. Esta realidade acaba sendo um grande bloqueio impedindo a votação da PEC 438/2001, ou seja, já tem dez anos de discussão. É necessário que estes deputados que estão assumindo agora, deputados novos, entendam que o crime do trabalho-escravo não pode mais continuar.
 
A proposta prevê a expropriação de terras onde forem flagradas com trabalho-escravo. Portanto, as áreas que estiverem nessa situação podem ser confiscadas, o fazendeiro não vai receber nenhuma indenização, elas serão simplesmente tomadas e destinadas para a reforma agrária.
 
A PEC na verdade é só para garantir o que já está na Constituição Federal. Fazer com que a terra tenha uma função social, o ítem aponta três pontos principais dessa função social: a produtividade da área; o respeito às leis ambientais e as leis trabalhistas. A terra que é flagrada com trabalho escravo não respeita as leis trabalhistas, e se não respeita, ela não cumpre a função social da terra. No que se refere à Constituição ela já deveria ser desapropriada. A nova composição do congresso é quase a mesma, os ruralistas continuam tendo muita força lá dentro e para ela ser aprovada precisa ainda de mais mobilização da sociedade. Precisamos de parlamentares comprometidos com essa luta.
 
Vias de Fato - Quem é o fazendeiro envolvido em casos de trabalho-escravo com a situação mais complicada no Maranhão?
Antonio Filho - Aqui no Maranhão podemos citar alguns casos e podemos dizer que são casos emblemáticos. Esses casos são de fazendeiros reincidentes, temos os exemplos de Miguel de Sousa Resende da cidade de Imperatriz, que já foi fiscalizado seis vezes, a última foi em agosto de 2010. Ele responde diversos processos por esses crimes na Justiça Federal e na Justiça Estadual, mas o principal é de trabalho-escravo.
Nós temos casos de fazendeiros aqui na região do Gurupi, temos o caso do ex-prefeito de Santa Luzia, Antonio Braide, considerado como um caso bastante complexo e de repercussão pelo fato de ser um político. Também temos envolvimentos dos grandes grupos econômicos da região Nordeste, como o grupo Maratá que foi flagrado com o uso de mão de obra escrava. O processo judicial desse caso foi arquivado, foi extinto e seu dono continua livre para continuar cometendo esses crimes.
 
Há casos dentro da reserva do Gurupi que são bem complicados como o de Gilberto Andrade, em que já foi flagrado mais de cinco vezes com uso de trabalho-escravo, é o único que tem condenação transitada e julgado aqui no estado. Nas suas propriedades foram encontrados por meio das operações, vários corpos, cadáveres de trabalhadores em suas áreas. A investigação é feita pela Polícia Federal. Mas, diante de toda essa situação o que podemos ver é que a impunidade sustenta as reincidências desses casos. O acusado está respondendo um processo, mas ele não acredita que vai ser condenado e continua praticando os mesmos crimes em suas propriedades.
 
Vias de Fato - O que diz o Governo do Estado em relação a esses crimes?
Nonato Masson - Não conheço nenhuma mudança concreta na vida dos peões, vítimas do trabalho-escravo, que tenha vindo de uma política do estado. Anos atrás, o Governo do Estado ensaiou um plano estadual de combate ao trabalho escravo e criou uma Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho-Escravo, a Coetrae, mas essas iniciativas não passaram de intenção de governo - se é que de fato tinha ao menos a intenção - uma cópia do plano nacional que também não saiu do papel. O fato é que relatamos no Atlas casos que ocorreram em 1975 e guardam semelhança com os casos fiscalizados em 2010. 
  
Vias de Fato - E a Justiça do Maranhão? Como está vendo o caso do juiz Marcelo Baldochi?
Reynaldo Costa - O caso do Marcelo Baldochi é bem complexo. Primeiro, pela pessoa que é: um juiz que continua atuando nessa função pública. O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão decidiu arquivar o processo que existia contra ele. A situação é a seguinte, ele ainda não responde pela prática de trabalho-escravo, porque ele é juiz e o Tribunal de Justiça precisa decidir se ele vai ou não ser investigado pela justiça comum. Como ele é um magistrado, primeiro precisa ser analisado sua conduta administrativa dentro do tribunal, só que tudo isso está arquivado.
 
O Sindicato dos Servidores do Judiciário do Maranhão recorreu ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O CNJ decidiu que o caso retornasse para o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, para que faça o julgamento do processo disciplinar, o processo administrativo. Ele, como juiz, vai ter que responder por isso primeiro. Ele já recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal). Aqui, no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, ele foi absolvido.
 
O que embola não é só isso. O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), que tem uma responsabilidade no Plano Nacional de Erradicação do Trabalho-Escravo,  deve fazer vistorias nas áreas para saber qual a situação delas e talvez entrar com o processo de desapropriação  destinando-as para reforma agrária. Até agora o Incra não abriu nenhum processo com relação à área do Baldochi, a fazenda ?Pôr do Sol?, na cidade de Bom Jardim.  Basicamente é isso, ele só pode ser julgado pelo crime de trabalho-escravo depois que for julgado o seu processo administrativo.  Ele chegou a entrar na ?Lista Suja?, mas acabou saindo. Não ficou nem três meses na lista. Estamos lutando para que ele possa voltar.
 
Vias de Fato - Pode citar alguns políticos do Maranhão que são envolvidos nesse tipo de crime?
Nonato Masson - É fato que, quem comete esse tipo de crime é sempre alguém que tem poder econômico e relação muito boa com o poder político, em alguns casos são até mesmo políticos com mandato. Podemos citar o caso do deputado federal Inocêncio Oliveira, do ex-prefeito de Paragominas no Pará e eleito deputado estadual Sidnei Rosa, os deputados estaduais Antônio Bacelar e Fufuca, o ex-prefeito de Santa Luzia Antônio Braide, o ex-prefeito de São Raimundo, Doca Bezerra, Chico Moreno, o prefeito de Codó Zito Rolim, o prefeito de Davinópolis Chico do Rádio, a lista é imensa...
 
Vias de Fato - O que se pode dizer sobre a relação agronegócio/trabalho-escravo?
Reynaldo Costa - A partir do levantamento que fizemos para a construção do Atlas, chegamos à conclusão de que existe uma ligação muito próxima entre o agronegócio e o trabalho-escravo. Quase todos os processo que tivemos acesso, todos os proprietários escravagistas são da grande produção, sobretudo da pecuária e da produção de grãos ou de grandes empresas, exemplo disso é a Agromaratá.
 
A Agromaratá tem mais de 20 mil hectares de terras só no Maranhão. É um conjunto de doze empresas, seu dono José Augusto Vieira, do estado do Sergipe, confessa em um de seus depoimentos, que ele nem sabe quantos hectares exatamente ele tem em nosso estado, ele somente sabe o tamanho de uma das fazendas - a que foi flagrada com trabalho-escravo - justamente esta citada, a Agromaratá.
 
O grupo Maratá é um grande aglomerado de empresas do ramo alimentício, de copos descartáveis, etc. Seu dono possui ainda uma faculdade, a Faculdade José Augusto Vieira e a Fundação José Augusto Vieira. Seu poder econômico e sua influência são grandes. Esse e outros como Miguel Resende, Gilberto Andrade são todos ligados ao agronegócio. E ainda têm as empresas de carvão, do eucalipto, como a siderúrgica Viena da cidade de Açailândia. Ela tem um grande plantio de eucalipto. O agronegócio é escravagista. O objetivo do agronegócio é simplesmente lucrar, lucrar... A qualquer custo, em cima da exploração da terra a qualquer custo e infelizmente em cima da exploração do trabalho do ser humano.
 
O agronegócio, este modelo de agricultura, é escravagista. O agronegócio utiliza da mão de obra escrava em todos os ramos. Na pecuária, na produção da cana-de-açúcar, na produção de algodão, na exploração das matas e até na retirada de madeira.
 
Vias de Fato - A II Conferência Inter-Participativa sobre Trabalho Escravo e Super-Exploração em Fazendas e Carvoarias realizada em novembro de 2007, tinha como meta aumentar em 70% o atendimento às denúncias. Essa meta foi alcançada?
Antonio Filho - O objetivo da conferência era reunir todos os atores - os movimentos sociais, governos, empresários envolvidos direta ou indiretamente com esse crime - na luta pela erradicação do trabalho escravo, seja do ponto de vista jurídico, do ponto de vista dos poderes Executivo ou Legislativo. Essa conferência aconteceu com representação de onze estados da federação e mais de 200 participantes. Ela buscou fazer um grande debate, uma grande avaliação sobre o que avançou no combate ao crime de submeter uma pessoa ao trabalho-escravo até aquele momento, em 2007.
O documento final dessa conferência indicou algumas linhas de atuação, a linha de prevenção, a linha de fiscalização, para uma repressão maior a este crime. E o ponto que mais se discutia naquela época era a intensificação das fiscalizações, e a reivindicação era que nos estados tivessem equipes definitivas para se alcançar um número maior dessa repressão e das atuações policiais.
 
As proposições retiradas dessa conferência foram utilizadas na elaboração do II Plano Nacional de Erradicação do Trabalho-Escravo, logo em março de 2008. O plano teve como base esse documento, a chamada ?Carta de Açailândia?, que saiu dessa conferência. Então, tanto a primeira quanto a segunda conferência trouxeram elementos para os planos de combate ao trabalho-escravo. Tanto o plano estadual quanto o plano nacional, infelizmente não saíram do papel. Sobretudo, no que se refere às medidas de reinserção e prevenção, não se consegue avançar onde mais é necessário, nas pequenas cidades. Nas pequenas cidades não existem empregos, não existe qualificação profissional dos trabalhadores, não existe educação, etc. São desses lugares que saem a mão de obra escrava. No Maranhão, essas ações básicas de governo ainda são muito tímidas. Às vezes até inexistentes por parte do governo."

FONTE: MST