Quem se espantará com alguém que diz amar. Principalmente se este amor é seu país e sua gente. É um amor lícito, sublime, pois amor à natureza deste território e à cultura que traduz gente. Pois foi isso que o compositor Dom da dupla Dom e Ravel fez com a música “Eu te amo meu Brasil” e divulgada pelos Incríveis.
A questão não era que a ditadura tivesse o direito de fazer a sua propaganda, pois ela não se importaria com algo em assunto de direito. A questão é que ela não amava os brasileiros, pelo menos na construção do seu marketing interno: o Brasil Ame-o ou Deixe-o, era uma verdadeira expulsão de brasileiros. E como deixar de ser brasileiro uma vez o sendo?
E os Incríveis cantaram quando seus colegas eram literalmente expulsos pelos militares do país: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque etc. Eles podem cantar aquela música pensando em ser igual ao Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro, mas tomaram o partido de uma ditadura.
A música começa com uma ordem unida: Escola...Marche...E aí toque praias ensolaradas, a mão de Deus abençoando, a mulher com mais amor, o céu com mais estrela e o sol com mais esplendor. E diz que vai plantar amor, buscam os chavões das mulatas e as tardes mais douradas. Dom, Ravel e os incríveis “Incríveis” eram o motor, acho que oportunistas, para alienar a juventude do Brasil.
Para baixar um manto sobre a censura e a expulsão de brasileiros. Era uma estratégia para esconder as práticas e a ética do regime militar. Um regime tão picareta que se aproveitava da rebeldia de alguns jovens de classe média que resistia a ela, como se ali fosse um dia de juízo final.
Caetano Veloso em recente entrevista a Geneton Moraes Neto sobre aqueles anos lembra um episódio que bem traduz o jogo duro tentando se esconder atrás de um marketing ameno. Estava exilado e a irmã Betânia negocia seu retorno para apenas uma visita aos pais que comemoravam importante data. Caetano chega com a ex-mulher Dedé e ao descer no Galeão é imediatamente recolhido num carro, sem ao menos justificarem nada para os companheiros de viagem.
É levado para um prédio no centro da cidade do Rio e lá submetido a enorme pressão. Queriam que declarasse coisas a favor do regime. Que ele estava fora do país por vontade própria, quando isso não era verdade. Queria o mais incrível, que ele compusesse uma música para servir de marketing ao regime. Ele se recusou, mas teve que aceitar fazer dois shows na televisão globo para demonstrar que o regime não tinha nada com ele.
Impuseram-lhe estes dois programas e a rede globo estava a serviço da estratégia. Acontece que naqueles anos Caetano escrevia no jornal O Pasquim e todo mundo sabia por que estava fora do Brasil. E quanto ao Dom e Ravel?
Eram de Itaiçaba no Ceará. Irmãos migrantes ainda jovens para São Paulo. Um deles tinha talento musical e o professor lhe apelidou de Ravel, o Dom veio depois. Em 1969 gravaram o primeiro LP, intitulado Terra Boa, no qual havia a música “Você também é responsável”. O Coronel Jarbas Passarinho, ministro da Educação do Presidente Médici, a tornou o hino do MOBRAL (movimento de alfabetização de adultos). O sucesso do Eu te amo meu Brasil, foi tal para quadros do regime que o governador paulista Abreu Sodré teria sugerido ao presidente Médici transformá-lo em hino nacional.
O certo é que a música foi utilizada pelo regime para se contrapor ao Caminhando do Geraldo Vandré, , embora não tenha sido composta para isso, na verdade foi composta pelo ufanismo da vitória brasileira no campeonato mundial de futebol. Aquela música, que se tornou o hino das passeatas da juventude universitária e secundarista muito amargor promoveu ao generais. Eles temiam que o jovem oficialato fosse presa do seu próprio tempo.
A dupla virou, para sempre, símbolo da bajulação da direita e do regime. Mas foi quando em 1973, revelando a trajetória de sua família pobre gravaram a música “Animais Irracionais” denunciando as injustiças sociais. Era o fim do Milagre Econômico e eles eram povo. A direita não gostou e os dois sentiram na pele aquilo que o ufanismo daquela Eu te amo, tentava esconder na pele dos outros.
zé do vale, gosto muito e ler sobre a nossa ditadura.
ResponderExcluirsó a partir da metade da década de '70, foi que tomou consciência do que acontecia no pais.
por influência dos irmãos mais velhos, minha consciência da ditadura foi logo de ojeriza.
tudo que vinha com a chancela da ditadura me causava asco:
passei (até hoje) a não gostar de futebol e em especial a seleção brasileira (não perdi muito).
o seu texto ficou muito bom.
esse é um tema pra render muitoe e muitos textos.
abraços.