domingo, 27 de março de 2011
Às vezes, tudo - Emerson Monteiro
Viajar por dentro das veias e colher algumas lembranças dos lugares e sentimentos. Olhar pelas janelas dos hotéis da vida; silenciar nos voos longos da alma aos tetos do firmamento; deslizar com as nuvens; saracotear acrobacias nos riscos dos pássaros experimentando as variações da brisa. Apalpar as vísceras; sondar quanto tempo mais o muro resistirá à ação dos elementos. Esfregar os olhos, nos desejos de ver a estrutura dos monumentos esverdeados nos parques, nos momentos frios das manhãs nubladas. Esses tique-taques de pedras rolando no inverno das encostas mexem com os nervos tensos da gente, atiçam as paixões antigas, desesperadas saudades, que foram embora irresponsáveis, nos sulcos dos velhos discos de músicas amareladas. Tantos amigos, lugares, vibrações, esperanças e sonhos sumiram simplesmente. As horas molhadas da véspera insistem nas palavras que construíram as inúteis ilusões. Vontade poderosa de convencer a mim próprio de escutar o interior, no seio das criaturas e elevações de pensamentos.
Tais descrições matemáticas de abstratas sensações servem na medida, quais moedas de troca entre as partes do corpo, no solo do organismo. A visão solitária do projeto pessoal quer falar entre os dedos, sem, contudo, ganhar dimensões que satisfaçam a tranquilidade necessária da alegria. E prossegue o esforço de aclimatar o temporal do coração, esse ser ansioso que dói feito urtiga na pele interna da gente. Refletir as memórias, eliminar sofrimento a qualquer custo, anestesiar os impactos destas ciladas esplendorosas de viver e permanecer intacto, querer fugir de conter a dor no território.
Ondas sucessivas de pulsações indicam presenças de seres existentes no caos da memória. Animais impacientes querem dominar os cascos impetuosos que desfilam durante a longa procissão dos aflitos e catam companhia em viveiros abandonados. Um a um, alimentam o vazio, a preencher de novos anseios. Descem, sobem as ladeiras da filosofia à procura de justificar movimentações de tapetes mágicos que deslizam sempre à frente da orientação inevitável. Vêm dúvidas, bloqueios, esquecimentos, insistências, no entanto prosseguir do jeito que puderem as pernas ou a imaginação.
Quisesse, haveria chances de continuar. A todo custo evoluir. As marcas ocultas das solidões agressivas retorcem na boca do estômago de pensar em reunir forças para estabelecer o padrão da viagem. Juntar peças de bagagens e notar que daqui nada presta, apenas o direito de existir, que fala na altura certa dos expectadores do drama que nós somos, bólides acesos de contradições e aventuras. Chegar aqui vindos de longe. Frases. Períodos. Blocos de íntimas amarguras, as quais ninguém conhece. Tão único instante de buscas frutíferas e doces, o enlevo no processo dos significados a quem lê, vê e ouve dizer que tudo mostra possibilidades, acalma, conquanto o século das luzes habita o bairro do ser em si, na vila feliz dos amores adormecidos na alma.
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