A traquinagem não é coisa só para menino. Ulisses Germano é um desses exemplos, artista comprometido com o seu tempo navega pela música, poesia, artes visuais e pelas suas constantes invenções. Bebe da teoria e da sabedoria do nosso povo para construir no palco da vida uma arte humanizadora. “A pratica é a mãe ou o carrasco de toda e qualquer teoria” como afirma o artista traquino, Ulisses Germano.
Alexandre Lucas - Quem é Ulisses Germano?
Ulisses Germano - Um ser em construção, impermanente.
Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?
Ulisses Germano - Comecei ainda menino por pura necessidade, e como a necessidade é a mãe da invenção, fiz e faço desta vida um meio de expressar aquilo que sinto e vejo.
Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?
Ulisses Germano - Em relação à música, minha primeira influência veio mesmo da família. Meu avô, José Facundo, tocava clarineta na antiga Banda de Música de Jucás-CE., e meu tio Álvaro Correia era maestro desta banda de Jucás. Respirava essa atmosfera musical familiar junto com minhas tias Cely Correia e Maria José que, mais tarde, adotaria o nome artístico de Mazé do Bandolim e gravaria um disco ontológico no ano de 1999 chamado Terra dos Bandolins com músicos de ponta como Luizinho Duarte (violão e bateria), Adelson Viana (acordeom), Heriberto Porto (flauta) e Carlos Ferreira (clarineta). Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Dorival Caymmi e os cegos cantadores fizeram parte da trilha sonora de minha infância, depois vieram os sambistas Noel Rosa, Wilson Batista, Pixinguinha, etc., enfim, de Miles Davis a Pink Floyd, Beatles a Cego Aderaldo, de Egberto Gismonti a Mestre Aldenir, da Banda de Pífano de Caruaru ao e dos Irmãos Anicetos. Compartilho da idéia de que só existem, esteticamente, dois tipos de música: a BOA e a RUIM. É como gravidez, não tem meio termo. Mas de tudo que eu já escutei na vida nenhum músico me sensibilizou mais do que o genial Hermeto Pascoal. Hermeto, para mim, é o representante musical de nosso Planeta.
Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?
Ulisses Germano - Comecei em Fortaleza tocando saxofone e flauta numa banda chamada Material, depois fiz parte da Tracajá Blues Band. Na década de oitenta comecei a tocar numa banda de Rock Progressivo chamada Trem do Futuro. Gravamos dois CDs. Está banda hoje faz parte do catálogo internacional da MUSEA – França. Paralelo a tudo isso eu ensinava flauta doce para adolescentes de numa escola pública CERE de Antonio Bezerra e formamos o Grupo Doce Flauta que tinha um repertório bem eclético e chegamos a tocar O Canto do Pajé de Villa Lobos com a orquestra Eleazar de Carvalho no Theatro José de Alencar em Fortaleza. Também realizei durante seis anos um trabalho voluntário numa ONG em Fortaleza no Bairro das Seis Bocas chamada REVARTE (Resgate dos Valores pela Arte). Cheguei ao Crato em 2003 para trabalhar como professor de Artes do Colégio Pequeno Príncipe e estou até hoje. Minha primeira apresentação foi no SESC, que é uma instituição cultural que eu tenho enorme gratidão, junto com o Di Freitas e seu violoncelo de papelão; toquei um instrumento que eu criei chamado Ovo de Dinossauro que tinha um timbre parecido com a tabla indiana. Josenir Lacerda foi quem me motivou a fazer cordel e Gomez (Zé de Calu) foi quem me apresentou os compositores e artistas da Região. Com o saudoso Correinha formei o Grupo CRATETO e com Mestre Aldenir (meu pai cultural) aprendi um pouco sobre reisado. Foi na Região do Cariri, morando no Crato, que eu encontrei minha verdadeira identidade cultural. Já ouvi da boca de muita gente viajada dizer que nossa região é a mais rica do país em termos de arte popular. Quem vem por estas plagas fica imantado por uma energia que até hoje eu não sei de onde vem nem de como se processa.
Alexandre Lucas - Como você ver a relação entre arte e política?
Ulisses Germano - Querendo ou não a política e as artes perpassam todas as ações do nosso dia a dia. Bertolt Brecht analisou tudo isto com muita propriedade. De uma forma mais concreta e em relação à música, esta ligação já foi bem mais estreita. Falo de modo particular em relação à música chamada de protesto. Podemos observar essa mudança vasculhando as gravações fonográficas desde os tempos da Odeon até os dias de hoje. Mas o homem deixou de ser um animal político para se transformar num animal absurdo! E arte também acompanha esta absurdez em que a espécie humana foi reduzida, porque Arte é poder. Nietzsche já sinalizava escrevendo sobre o medo que os políticos de uma forma geral têm da poesia e da filosofia. Os grandes compositores brasileiros e os artistas populares de peso, de um modo geral, são formadores de opinião e podem decidir uma eleição. Tiririca é um bom exemplo de como um excelente subproduto da alienação humana pode fazer em termos de avacalhação generalizada. Neste mundo em que o dinheiro compra tudo, a tal da sonhada democracia sofre de uma disenteria crônica e os que se deixam ser vencidos e vendidos por esta engrenagem alienante acabam, como dizia o Barão, sempre recebendo bem mais do realmente valem.
Foto: Evandro
Alexandre Lucas – Você consegue juntar o popular e o contemporâneo no trabalho que você desenvolve?
Alexandre Lucas – Você consegue juntar o popular e o contemporâneo no trabalho que você desenvolve?
Ulisses Germano - Creio que sim. Quando eu fiz a escultura intitulada A INDIFERENÇA, premiada com medalha de ouro no VI Salão de Outubro no Crato, minha intenção era modelar uma peça capaz de expressar de forma clara e significativa esse sentimento tenebroso chamado indiferença. Então eu modelei um rosto com um olho vazado e outro sem ser vazado, mas olhando para baixo. O resultado é que o espectador jamais conseguia olhar diretamente no olho da peça, pois o que caracteriza a indiferença é o olhar que não olha ou pelo menos finge não olhar. Essa expectativa do espectador de tentar em vão achar o olhar da indiferença resultou num cordel que eu escrevi em parceria com poetisa Josenir Lacerda chamado A POÉTICA DA INDIFERENÇA. A peça em argila contempla o
contemporâneo em sua forma distorcida e o cordel é em si popular... Confesso que passo mal ouvindo esses discursos prolixos sobre Arte. Sei que a teoria é importante, mas sempre fico cabreiro em relações a rótulos. Procuro não rotular nada do que vejo ou do que faço. Se definir é matar, rotular é matar duas vezes.
Alexandre Lucas - A sala de aula é um laboratório de arte?
Ulisses Germano - Certamente. A ação de ensinar traz como conseqüência a ação de aprender, e é nesse jogo de reciprocidade, de vice-versa que a Arte em sala de aula se processa. Diria que não só na sala de aula. Um professor criativo sabe que os laboratórios não só de Arte, mas de Química, Matemática, etc., estão espalhados pelo mundo! A cozinha é pura alquimia, em todo canto existe geometria!
Alexandre Lucas – Ainda tem gente que acredita que a arte é dom?
Ulisses Germano - Tem gente pra tudo. Tem gente até que acredita que o homem não foi pra lua! –“Ora – dizem – se o homem tivesse ido pra lua tinha falado com São Jorge!” RS Deixando o gracejo, esse assunto é polêmico e requer uma análise mais aprofundada. Quando Mozart ainda criança revelou de forma surpreendente suas habilidades musicais para reis e princesas de Veneza, todos, obviamente, falavam de um prodígio, de uma coisa sobrenatural, de um “dom”. Lógico que ele nasceu com uma forte aptidão, o que ninguém viu foi a metodologia empregada pelo velho Leopold Mozart (seu pai) para aperfeiçoar o gênio do filho! As chamadas “Crianças Índigo” que estão brotando em diversas partes do mundo têm abalado a idéia dos que rejeitam a possibilidade de alguém nascer com um dom. Eu realmente fico bestificado com as pictografias, os desenhos mediúnicos feitos pelo mundo afora. Mas como professor de Artes acredito que todos nós temos habilidades para fazer arte. Definitivamente, Arte não é um dom, ou pelo menos não deveria ser encarado dessa forma em termos pedagógicos. Arte é uma energia que passeia pelo ar e que qualquer receptor mental vivo pode captar.
Alexandre Lucas – Esse crença acaba afastando as pessoas das artes?
Ulisses Germano - Lógico! Se a Arte é um dom, então não haveria necessidade do ensino das artes na Escola! Eu tenho um aluno no 8° ano que é um excelente desenhista, mas sempre traz na mochila um caderno cheio de desenhos. Quer dizer, ele pratica o tempo todo, através de erros e acertos ele foi aperfeiçoando suas habilidades. O conceito de arte hoje em dia é bem mais abrangente e está intimamente ligado ao projeto político-educacional mais revolucionário do mundo que é de EDUCAR OS CORAÇÕES! A arte ensina a Educar os Corações, lapidando os sentimentos... Por isso que o ensino das Artes do Brasil foi sempre colocado em segundo plano. Prá quê ensinar arte se o que interessa é o vestibular. O que não “cai” no vestibular não cabe na lei do mercado. Recuso-me a chamar os aprendentes de “clientela”.
Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?
Ulisses Germano - Creio que o que mais se aproxima dessa pergunta tenha sido o lançamento do cordel DO SELO LAMBIDO AO PONTO COM em parceria com o professor Zé Mauro. Foi o primeiro cordel publicado em Braille pelo Instituto Benjamim Constant. Fez parte de um projeto de Belo Horizonte –MG – Livro de Graça na Praça onde aproximadamente 40 mil livros foram distribuídos de graça. Meu mais recente cordel As Proezas do Peixe Pedra, em parceria com a URCA/Geopark, será lançado e distribuído nas Escolas Públicas.
Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?
Ulisses Germano - Gravar um CD com minhas composições fatigadas.
Ulisses Germano - Gravar um CD com minhas composições fatigadas.
Ótima entrevista, Alexandre.
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