quarta-feira, 20 de abril de 2011

Judas


Malhação AsSUSta?


Pois é, amigos, contra fatos não há argumentação que se sustente. Este ano o Judas de Crato vai ser o SUS—o Sistema Único de Saúde. A eleição foi aberta e envolveu mais de treze mil eleitores, segundo notícia divulgada amplamente na imprensa regional. O SUS terminou eleito com mais de um terço dos votos apurados, vencendo os Políticos Corruptos, Muammar Kadafi, o Tsunami do Japão e os Candidatos Paraquedistas. Pela concorrência abatida nas urnas, dá para se ter uma idéia da antipatia da população para com o nosso Sistema de Saúde , já com a maioridade dos 21 anos e que simplesmente a vem decepcionando dia após dia. O descontentamento pode ser aferido a todo instante pelos noticiários: filas intermináveis, pacientes internos em macas e corredores, falta de leitos nas UTI´s, emergências superlotadas, gestantes dando à luz nas calçadas e ambulâncias. Os mais otimistas haverão de argumentar que a amostragem da pesquisa foi pequena, mas tenho a plena certeza de que o resultado não seria diferente se ampliássemos o universo a ser pesquisado. O SUS iria para o cadafalso da mesma maneira e teria seus miolos esfacelados em praça pública.

Apropriemo-nos da aura de santidade desses dias e reflitamos um pouco sobre a eleição. O resultado , claro, é indiscutível, mas merecerá, o nosso Sistema Único a pena de morte imposta pelo tribunal popular? Bem, como profissional de saúde há mais de 30 anos, sinto-me no dever de não lavar as mãos. Sei que, historicamente, o povo tem uma certa predisposição para privilegiar os Barrabás dessa vida. Não serei um Pilatos, embora corra o risco de deixarem também alguma cruzinha de sobra também para mim.

Criado com a Constituição de 1989, o SUS foi arrancado a fórceps do ventre do capitalismo. Para que se alcançasse esse benefício foi necessário que muitos fossem torturados, presos, assassinados. Nada nos foi dado, mas conquistado com sangue, suor e lágrimas. De repente, se viu o estado na obrigação legal de prover a saúde da população de forma universal e integral e, mais, tendo, necessariamente, que ouvir os ditames do povo através dos Conselhos de Saúde. O sonho, sabíamos desde então, era vultoso, imenso, quase que inatingível. Mas pela primeira vez, na história, o Brasil se via na imposição legal de assumir a saúde dos brasileiros, como nunca o fizera em quase quinhentos anos. Os avanços não são tão fáceis de se perceber, mas foram enormes e insofismáveis. Acabamos praticamente com todas as doenças de controle vacinal: pólio, sarampo, coqueluche, difteria e tantas outras patologias, sumiram da face do nosso país. As novas gerações não percebem isso porque simplesmente não conviveram com essas doenças que são do passado, hoje, por conta do SUS. A Mortalidade Infantil – uma tragédia nordestina histórica—foi reduzida de maneira drástica: cadê os enterros de anjos? Acabaram-se os indigentes, todos , agora têm acesso ( limitado, eu sei) aos exames dos mais simples aos mais sofisticados e aos tratamentos mais avançados: transplantes, cirurgia cardíaca, Neurocirurgia, hemodiálise, todos hoje existentes já no Cariri. Os medicamentos são distribuídos através das Farmácias Básica e Popular. O Programa de Agentes de Saúde e de Médico da Família aproximaram os profissionais dos seus pacientes e levaram médicos/enfermeiros/dentistas aos mais distantes rincões desse país. E, mais, criamos um imenso banco de dados epidemiológicos que facilitam imensamente as ações estratégicas de saúde. Em Crato, no ano passado, a maior causa de Morte foram as doenças cardiovasculares, em segundo as causas externas ( acidentes, homicídios, suicídios) e, em terceiro os cânceres. Estes dados não são diferentes dos países desenvolvidos.Apesar das seguidas epidemias de Dengue, não tivemos nos últimos anos um óbito sequer pela forma Hemorrágica( só este ano já tivemos três casos). Tudo isso seria impossível sem o rapazinho que vai ser malhado no próximo domingo.

Por que, então, a má fama do SUS? É preciso entender que o sonho de dar saúde integral e universal para duzentos milhões de habitantes bate num empecilho: financiamento. Cadê dinheiro para cobrir essa utopia? Verba limitada, os investimentos são alocados prioritariamente para a prevenção, o que é mais que perfeito. A área de alta complexidade como diálise, transplantes, cirurgias complexas, é cara e não pode ser limitada sob pena de se condenar um mundão de pacientes crônicos. O corte, então, foi feito justamente no setor secundário: o atendimento nos hospitais secundários. Essa limitação redundou no colapso da rede de urgência/emergência, com muitos hospitais fechando as portas e os doentes sendo penalizados todos os dias com desassistência, filas , espera, sofrimento e morte. São justamente esses sofredores e desassistidos que votaram pela malhação do grande vilão que vêem pela frente: o SUS.

Em solidariedade ao sofrimento do povo, até concordo com a malhação. Acredito que a politicagem rasteira ( pai de todos os males) é que mereceria ser enforcada, mas : vá lá ! Temo apenas pelo simbolismo. Pode passar a idéia que o melhor é matar, estraçalhar o SUS. É imprescindível não esquecer os seus avanços e a melhoria na qualidade de saúde da população. Para que tenhamos um SUS realmente eficaz , o caminho já foi descoberto. É luta! Um embate político para fazer com que o tema saia dos palanques e entre na vida real. A continuação da luta de tantos presos, mortos, torturados. E que pode ser encetado como na malhação : pelo voto livre e consciente. Colocar o pé na porta para que ela não se feche novamente para a o povo e empurrar forte para que tenhamos financiamento adequado e gestão eficiente. Precisamos do aperfeiçoamento e financiamento adequado do SUS e não da sua dissolução. Quando a bomba explodir dentro das entranhas do Sistema Único de Saúde, serão os brasileiros mais pobres que serão atingidos por suas farpas e será ele mais uma vez que será malhado, como, aliás, já o vem sendo há mais de quinhentos anos.

J. Flávio Vieira

4 comentários:

  1. Apoiado, José Flávio.

    Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Abraço, Darlan! Enforcado o SUS restaram os planos e a indigência

    ResponderExcluir
  3. Num hospital do Crato o médico "plantonista" me perguntou qual era o meu plano.
    Respondi: Ficar bom!!

    ResponderExcluir