domingo, 1 de maio de 2011

Tanto entulho na cabeleira de Anahi - José do Vale Pinheiro Feitosa

Anahi acordou com a longa e negra cabeleira carregada de britadeiras que arruínam as comunicações. São tantas as partes britadas que Anahi resolveu ir à beira do riacho de águas transparentes que corre no fundo do seu quintal. Baixou a cabeça em direção às águas e sua cabeleira flutuou dançando com a correnteza, soltando uma a uma as britas das comunicações.

Agarradas aos pés de junco que margeiam o riacho ficaram as britas das broas de vento das tardes silenciosas de sonhos vazios. De um romantismo de arrabalde do tempo, com uma flor dessecada a marcar suas páginas e um perfume que lembra o que foi, pois hoje foi tomado pelo centro dos odores bolorentos. Um príncipe encantado, uma plebéia desencantada, uma cena de telenovela com carruagem e tudo para um país falido que ninguém sabe quem é quem.

Junto à lama podre de uma margem usada pelos transeuntes para aliviar seus intestinos ficaram as britas dos assassinos encomendados. Mesmo que matem o filho e os netos de um ditador, são do mesmo modo, assassinos de aluguel. Pagos para atirar no vigia dos poços de Petróleo em que tanta cobiça é despertada pela Otan.

A cabeleira de Anahi foi lavada da sujeira do mistério, aquele que se desmaterializou em pleno ar. Afinal a caixa preta do avião da Air France foi achada. Sob o peso esmagador das águas do mar. Agora tudo se revelará. A aviação continuará fazendo vítimas e nem a indústria de aviação e nem a aeronáutica deixará de matar. O mistério é este: avião mata. Sem culpados.

Não se entendeu como. Despregou-se do couro cabeludo de Anahi uma grande mancha. Uma enorme mancha a turvar quase todo o riacho. Mas bastava tocar na mancha e a parte tocada desapareceria. Assim como as grandes lutas do primeiro de maio, a revolta dos operários contra a mais valia. Que mais vale ainda.

No final do banho piloso quase mais nada restava nos cabelos negros que agora brilhavam ao perderem o turvo mundo das comunicações. Foi aí que as caspas do tempo que da cabeça se despregam, se espalharam na água. Era toda a cultura do medo, aquela assombração permanente que deixam cada nervo das pessoas em frangalhos. Aquela mesma assombração que promete um doente metal a metralhar todas as crianças e, impune, suicidar-se.

Anahi: as harpas sentidas solução ardente que são para ti. Teus acordes lembram a imensa bravura da raça tupi. Índia flor agreste da voz tão suave como o Aguaí.

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