quinta-feira, 30 de junho de 2011

Os bancos e a ética, segundo Camdessus - Mauro Santayana

Repetiram-se, ontem, na praça Sintagma, em Atenas, os protestos da população grega contra as medidas econômicas exigidas pelos governos europeus. Elas tornarão ainda mais insuportável a sua vida, com o desemprego, a aflição e a miséria. O parlamento as adotou para que os bancos recebam novos empréstimos e, com eles, paguem suas dívidas internacionais. Também ontem, El Pais divulgava declarações significativas de Michel Camdessus, que foi diretor geral do FMI durante 13 anos (de 1987 a 2000). O economista francês resumiu a crise atual “à falta de ética na atuação das grandes instituições financeiras internacionais”. A ânsia do lucro a qualquer custo – falou quem conhece as entranhas do sistema – levou ao abandono de todas as cautelas morais, além de nítidos procedimentos criminosos.

Camdessus sugere mudança revolucionária na atuação do Fundo Monetário Internacional. Propõe, de saída, que os Estados Unidos e a Europa percam o poder de veto de que dispõem na direção colegiada do organismo. E defende maior presença e efetiva decisão aos países emergentes, como são os Bric. Voltamos, assim, ao senso comum: os estados e suas instituições devem estar a serviço dos cidadãos, dos indivíduos, e não se submeterem aos interesses dos ricos e poderosos. A moeda é a expressão da soberania dos povos, mediante os governos, e não instrumento restrito ao uso e abuso dos banqueiros.

O mundo dá voltas, mas o bom senso é o mesmo. Seria interessante voltar ao início da Revolução Burguesa, ou seja, do movimento intelectual, político e insurrecional do século 18, a fim de recuperar o melhor de suas idéias e projetos. Em termos históricos, esse processo continua em andamento, e há tempo de corrigir seus desvios e prosseguir.

Um dos primeiros pensadores modernos a associar a indagação filosófica às questões sociais, Hegel, toca nas glândulas da injustiça, em um de seus textos juvenis (que, nele e em outros autores, costumam ser os mais limpos e significativos). Em seus Escritos Teológicos da Juventude, Hegel tem uma passagem, ao mesmo tempo evocativa e profética, que transcrevo, valendo-me da citação que dele faz Marcuse, em Reason and Revolution:

Em Atenas e em Roma, guerras vitoriosas, o acréscimo das riquezas e a descoberta do luxo e de diversas comodidades, fizeram nascer uma aristocracia militar e financeira que destruiu a República e acarretou a perda completa da liberdade política.

O leitor, naturalmente poderá trocar os dois impérios antigos, o ateniense e o romano, pelo grande império contemporâneo, o dos Estados Unidos, e a análise será a mesma. Já em 1797, Hegel faz outra constatação, que mostra a forte contradição interna do Iluminismo, ao apontar que a “segurança da propriedade é o eixo em torno do qual gira toda a legislação moderna”. Os legisladores não se preocupam, assim com os homens e sua felicidade.

No passado, o saqueio colonial era garantido pela violência militar e pela hipocrisia das missões religiosas. Hoje, basta a ação dos grandes banqueiros, assegurada pelo poder bélico e diplomático dos governos que eles mesmos criam e controlam.

Deixemos os páramos da inteligência em que se moviam os filósofos da teoria política, de Aristóteles a Hegel, e fiquemos no pragmatismo de Camdessus: é hora de colocar coleiras e mordaças nos banqueiros, a fim de lhes reduzir o apetite feroz de lucros imorais, e restaurar o mínimo de decência ao sistema financeiro. O melhor mesmo seria destruir todo o sistema e colocar sob o controle direto dos cidadãos, mediante instituições novas, o senhorio sobre a moeda e as operações bancárias. Para isso é preciso que os cidadãos desalojem dos Estados os que nele se encontram a serviço do dinheiro.

Uma reflexão final sobre os que deveriam ser julgados como criminosos contra a Humanidade pelo Tribunal de Haia. Talvez fosse melhor que, em lugar de Kadafi, cuja prisão foi decretada, ali estivessem os banqueiros de Wall Street e os que mandam matar civis no Iraque e no Afeganistão e torturar em Guantánamo.

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