domingo, 17 de julho de 2011

João Nicodemos – A fusão do tradicional e o contemporâneo



É típico das artistas na contemporaneidade mesclarem seus trabalhos entre o novo e o antigo, entre o tido como popular e o erudito e com João Nicodemos não é diferente. Poeta, músico, blogueiro, artista visual que fervilha arte nas mais diversas linguagens.

Alexandre Lucas - Quem é João Nicodemos?


João Nicodemos - Um ser humano comum, com necessidades comuns a todo ser humano. Habitação, alimentação, procriação, amor e comunicação com outros seres, humanos ou não.


Alexandre Lucas - Quando teve inicio seu trabalho artístico?


João Nicodemos - Quando a expressão artística é movida por uma necessidade inerente ao ser, ela se desenvolve com o próprio desenvolvimento deste ser, desde a mais tenra idade. É a própria razão de existir. Lembro de desenhar letras quando não sabia escrever; de tocar guitarra na tranca de madeira da janela; dançar numa peça infantil da escolinha e dizer o poema do sapo cururu que aprendi aos 7 anos e sei até hoje. Lembro de ver filmes do Chaplin, no colégio Dom Bosco e me encantar... Acho que tudo começou na infância mesmo.


Alexandre Lucas - Quais as influências do seu trabalho?


João Nicodemos - udo o que vi e senti, tudo o que vejo sinto e percebo, me influencia; seja um som, um raio de luz, um aroma, uma palavra, um lapso de memória. Creio que a Poesia seja assim como uma energia que perpassa tudo que há; e pessoas com sensibilidade podem traduzi-la em obras artísticas, nas mais variadas linguagens. Assim, nas pinturas rupestres, na pintura de Leonardo, Picasso, Renoir, Portinari; na música de Vivaldi, Bach, Vila lobos, Irmãos Aniceto e Luis Gonzaga; Em Camões, Shakespeare, Machado de Assis, nos Cordéis; no Rock, no Blues, Jazz, Samba, Chorinho, em tudo isso vejo a presença da Poesia, e em meu trabalho busco sempre a Poesia. Mas, sem aprofundar o assunto... Quero dizer que busco me influenciar pela Beleza e pela Verdade o que já me dá trabalho suficiente...


Alexandre Lucas - Fale da sua trajetória?



João Nicodemos - Em termos históricos, sou nascido em 1960, então vivi sob uma ditadura militar toda a infância e adolescência (e isso é marcante); ouvi “Beatles”,” Renato e seus Blue Caps”, música sertaneja (quando era feita no sertão e não era um produto da indústria cultural), tive a sorte de não ir à guerra do Vietnam (nunca entendi porque tem este nome se foi o tio San quem invadiu e fez a guerra) mas quase fui expulso da escola pela ditadura por defender idéias de liberdade – aos 11 anos... Vi o Tri-campeonato brasileiro com a melhor seleção que o Brasil já teve sob o jugo do pior governo que tivemos (Médici era o ditador de plantão). Vi, ainda menino, o início da tropicália, a poesia de Chico Buarque, o surgimento de Raul Seixas (que me impressionou de pronto) as pinturas de Portinari, Leonardo da Vinci (foi o meu herói de infância), vi surgir a “matéria plástica” mesmo assim continuei fabricando meus carrinhos de madeira e espadas e flechas de bambu; estudei em escola pública e particular (como bolsista) no tempo em que Educação não era um “negócio”. Li e aprendi sobre a história da Arte, história da Música, competições de atletismo (realizei alguns torneios de atletismo na infância); comecei a tocar batucando nas panelas, nas mesas de casa, influenciado pelo rádio e pela bela voz de minha mãe que cantava o dia inteiro. Sou autodidata por natureza, o que não sei eu invento, mas reconheço o valor de todas as pessoas com quem pude aprender, e são incontáveis... Toco alguns instrumentos e quero ainda tocar outros... Considero os instrumentos, como o nome diz instrumentos para captar e traduzir a música que já existe no universo...


Alexandre Lucas – Como a música surgiu na sua vida?


João Nicodemos - Minha mãe cantava o dia inteiro e foi locutora de rádio, meu pai foi seresteiro e tinha uma bela voz de tenor... Ouvi muito rádio, eu também vivia cantando... tudo que ouvia eu cantava... Imagine um menino cantando em cima de uma mangueira... Era assim... Depois comecei a trabalhar e comprei uma “Clarina” que era um instrumento de brinquedo com uma escala maior de dó. Então “tirava” de ouvido ou memória auditiva todas as melodias que conhecia (mas nem tudo é possível numa oitava da escala maior...). Assim, consegui um violão, depois um cavaquinho, e nunca mais parei... tantos outros instrumentos me chegaram às mãos e sempre aprendi me expressar com eles... Minha maior “surra” musical, levei de um “pé-de-bode” (oito baixos)... passei um tempão com ele no colo e não consegui entender o mecanismo... desiti por enquanto...(rs). Mas gosto muito de tocar chorinho no saxofone e no cavaquinho, modas antigas de viola (10 cordas) e me encanto com o timbre melancólico da rabeca (fiz uma recentemente). Creio que se o mundo se acabar, vai me pegar de surpresa tocando um instrumento, tranquilamente, sem nenhuma preocupação apocalíptica... (rs)



Alexandre Lucas - Como você vê a relação entre arte e política?


João Nicodemos - O que une estes dois universos é o ser humano que é quem os constrói. A Arte é uma ferramenta de desenvolvimento individual e coletivo que tirou o homem de dentro das cavernas... A política pode ser uma ferramenta de desenvolvimento coletivo. Creio que a Arte possa melhorar o ser humano com mais eficiência que a Política... As grandes revoluções da humanidade foram feitas pela Arte... Veja, por exemplo, o efeito que a Valsa teve sobre os costumes no século XIX, ou o Rock nos anos 50 do sec. XX. Foram mudanças que alteraram o destino da humanidade... Reconheço o valor dos ideais político-revolucionários e, se eu tivesse nascido dez anos antes, certamente teria pego em armas contra a ditadura. Mas acho que foi melhor assim... Hoje, creio que a grande revolução, é uma questão interior e mais metafísica que materialista... estou fazendo a minha revolução há longos anos... e quer saber? Eu venci o Capitalismo! Mas isso é tema pra um livro que pretendo escrever...


Alexandre Lucas - Você faz poesia visual?


João Nicodemos - Faço poemas que buscam à Poesia e me utilizo de todas as ferramentas de que disponho. O que hoje se denomina “poesia visual” é uma conquista dos concretistas, herdeiros de Maiakóvski. Utilizavam o espaço branco do papel e desenhavam as letras e as palavras, buscando transcender o limite da palavra escrita. Gosto disso e utilizo em meus poemas... mas também faço sonetos clássicos, sonetilhos, setilhas e cordel. Penso, com Drumonnd, que o verso livre não é mais fácil que as formas clássicas... pelo contrário; é mais difícil ser trapezista sem redes de proteção (me valho de Mário Quintana, para tanto).

Alexandre Lucas – Quando começou a fazer esse tipo de poesia?


João Nicodemos - Sempre gostei da concisão. Ocupar pouco espaço, fazer silêncio... Quem me autorizou a escrever pouco, expressando o máximo possível, foi o Mário Quintana, que conheci pessoalmente e me disse: “Bebemos na mesma fonte!” Quase caí da cadeira, mas entendi poeticamente. Tenho o Mário Quintana como um dos maiores poetas brasileiros... Hoje as pessoas têm muita pressa e em geral, não conseguem sustentar um raciocínio por mais de 30 segundos... É preciso ser rápido, pegar o leitor desprevenido... testar e instigar a inteligência. Gosto de trabalhar assim com a Poesia... (isso nem sempre me ajuda a fazer amigos, mas consigo identificar minha tribo).


Alexandre Lucas - No seu trabalho você costuma utilizar várias linguagens para intervir esteticamente e artisticamente?


João Nicodemos - Sim, uso todas as ferramentas de que disponho e consigo manejar...


Alexandre Lucas – Você é um artista ligado as inovações tecnológicas?


João Nicodemos - Levei muitos anos para aceitar o computador como instrumento de trabalho. Dizia que “é uma tecnologia muito atrasada e ainda precisa de dedos...”. Mas depois que comecei, me dediquei a aprender com grande afinco e hoje eu faço edição de imagens, de vídeos, de som, gravo, faço masterização, crio imagens e poemas... enfim, perdi totalmente o preconceito. Sei que muitas ferramentas que o homem fabrica podem ser bem usadas e com objetivos nobres... Então, procuro fazer minha parte de beija flor, neste grande incêndio da contemporaneidade. Desde a xilogravura chinesa, que possibilitou o tipo móvel de Gutenberg e a grande revolução dos livros na idade média, até o microchip e a tecnologia atual, o homem parece ser o mesmo... Pode ser que a tecnologia não melhore essencialmente o homem... Mas o sentimento poético, a Beleza e a Verdade não dependem da tecnologia.


Alexandre Lucas – você é uma artista blogueiro. Fale sobre isso.


João Nicodemos - Tenho um blog o www.poemasdonicodemos.blogspot.com e o http://artedenicodemos.blogspot.com/ onde faço postagens dos meus poemas, trabalhos em artes visuais e exposições virtuais; criei outro em homenagem ao José Normando, grande artista e meu irmão nas artes e nas idéias... (http://aartedejosenormando.blogspot.com/) além de contribuir em blogs de amigos. Acho muito interessante esta forma de comunicação e divulgação dos nossos trabalhos. No início tive um certo receio quanto a questão dos direitos autorais, mas isso passou.


Alexandre Lucas - Qual a contribuição social do seu trabalho?


João Nicodemos - Esta é uma boa pergunta que já me fiz algumas vezes... Na condição de filósofo amador, sou mais amigo das perguntas que das respostas. Então não cheguei a uma resposta definitiva. Gostaria que meu trabalho tivesse uma grande importância social e, na juventude, chegamos a sonhar que mudaríamos o mundo com nossos versos, mas o mundo continua aí mudando sozinho... Depende do que entendemos como “social”, se for a torcida do flamengo, meu trabalho não tem importância nenhuma, se for a grande parcela mundial de excluídos dos poderes do consumo, acho que também não tem importância nenhuma. Mas se dentre as pessoas que têm acesso ao meu trabalho (e nem são tantas assim) algumas se identificam, se emocionam, se reconhecem e sentem algum conforto, ou desenvolvem um bom pensamento, uma boa influência, então está justificado o trabalho e, por sequência, minha vida... Já escrevi alguns livros, tenho um filho e plantei uma boa quantidade de árvores. Isso, há um tempo, era suficiente para se justificar a vida de um homem. Hoje isso mudou muito! Parece que basta ter um grande poder de consumo!
Mesmo assim, espero que meu trabalho possa transformar alguém, além de mim...


Alexandre Lucas – Quais os seus próximos trabalhos?


João Nicodesmo - Não tenho planos específicos, apenas continuar trabalhando, aprendendo e ensinando o que puder, compartilhando alegria e conhecimento por meio da Arte que é minha ferramenta de transcendência. Quero produzir uns vídeos (estou gostando desta linguagem), publicar meus poemas. Temos o lançamento de dois livros nos próximos meses. (Coletivo de autores PROSA E VERSO, NO AZUL SONHADO; e SEGREDOS DA NATUREZA, com a grande cordelista Josenir Lacerda). Participei do CD com músicas infantis do livro que José Flávio, tenho uma exposição virtual de desenhos que está perto de 3 mil visitas; uns poemas expostos em São Paulo num evento do SESC; o lançamento de um texto para Rádio teatro “AMAR É DESARMAR” – disponível em www.teatromaracaju.blogspot.com/ , um e-book de poemas que será lançado pelo portal CRONOPIOS enfim não tenho feito planos, apenas vou fazendo o que posso.

4 comentários:

  1. Nicodemos deixou de citar, na sua profícua carreira arttística, sua participação na formação da primeira banda de rock autoral do Cariri: Os Pombos Urbanos, fundada por ele e por mim, em 1987, que emplacou um hit inesquecível - Marinalva.

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  2. Sim Rafael, você tem razão. Não citei a história da formação da nossa "Pombos Urbanos". É que considero uma história grande demais em importância e riqueza de detalhes para caber numa simples citação. Faltou falar de minha paixão pela guitarra, e mais algumas coisas...
    Podemos começar assim: faço uma pergunta e você responde no blog, assim contamos a história...
    Como foram os primeiros ensaios da Banda? Vc responde e me faz uma pergunta... certo?

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  3. obs: sou eu Nicodemos, usando o pc de Socorro.

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  4. Nico,

    Só hoje vi sua "provocação". É para responder aqui ou na página principal?

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