sábado, 17 de setembro de 2011

CASISMO NO REINO DA LUZ SOLAR

No conhecido Reino da Luz Solar, a hipocrisia, a corrupção e a mentira são as bases da filosofia de governo. O rei, um excêntrico homem de modos finos e trato demagógico, casou-se com uma donzela da Casa do Vento Baixo, fincada em uma das muitas ruas, cada uma com muitas casas, cada casa com muitas vidas.

No início, como ele havia corrompido praticamente todos os pássaros do lugar, distribuindo alpiste importado e gaiolas de luxo, só se cantava hinos em seu louvor. E, aos olhos dos súditos embevecidos, era quase um deus, embora já se proclamasse com tal, em comportamento emplumado e palavrório fútil.

Depois, verificando que apenas na Casa do Vento Baixo chegava comida e bens necessários à existência digna, os moradores de todas outras as casas de todas as outras ruas protestaram alegando que trabalhavam e pagavam impostos, o que lhes gerava direitos de também receberem benefícios. Com grande rapidez e profunda capacidade letal, o rei soprou ventania de inverdades pregando a mentira e o conformismo:

- Se olho para a Casa do Vento Baixo, todas as outras são contempladas. Alegrem-se, pois em ela estando plena de satisfação, as demais vidas das demais casas das demais ruas igualmente estarão. Abracem-se a ela e a ela rendam orações e sacrifícios. Esta é a minha vontade! Este é o destino inevitável...

Depois disso, sentou-se num trono de ouro ornado com pedras preciosas e foi rodeado de bajuladores de todas as estirpes, os quais lambiam-lhe os pés e comiam as pulgas que caíam de seus pelos penteados com pentes de prata por jovens escravos roubados de famílias distantes.

Um de seus fiéis lambe-pés, entusiasmado com o prestígio, insurgiu-se contra os revoltosos e cantou:

- Casistas! Isso é casismo! Todos os moradores de todas as casas de todas as ruas deviam ver que nossa onipotente e onisciente majestade é a face mais límpida da justiça e da verdade. Se os da Casa da Rua do Vento Baixo recebem benefícios é porque fazem por merecer, eles são o centro da metropolização do reino. Que fiquem com o que restar. Recebam o lixo!

Mas a crescente voz de todos os que foram enganados e traídos por Cigomenon II, tirano do Reino da Luz Solar, não se deixou intimidar:

- Não queremos migalhas nem lixo. Exigimos dignidade! Nosso merecimento repousa na democracia e na justiça social. Que o rei cruel devolva nossas instituições, promova a dignidade para todos os moradores de todas as casas de todas as ruas! Estamos fartos de tirania, humilhação e corrupção. Vamos destronar Cigomenon II!

Uma onda de perseguições varreu o reino. Muitos foram queimados na fogueira, outros deportados, outros se venderam...

Em meio a toda a desgraça, haviam os guerrilheiros da frente de libertação. E uma grande e avassaladora insurreição se constrói no coração de todos os decentes moradores de todas as outras casas de todas as outras ruas...

- Vamos destronar Cigomenon II!


Cacá Araújo
Escritor, Dramaturgo e Folclorista
Crato-CE, 17 de setembro de 2011.

Um comentário:

  1. cacá, a verdade vindo à tona nesta gostosa fábula.
    grande abraço.
    (voltei ao facebook com novo perfil. veja lá).
    abraços.

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