quarta-feira, 21 de setembro de 2011

O Micróbio - José do Vale Pinheiro Feitosa

José Roberto é professor de odontologia em Recife, escreveu um livro e publicou esta história. O Hélder Gurgel é dentista cearense e repassou-me por via oral, pois não li o livro do Zé.

Vinha o Zé Roberto de Recife para o Cariri onde faria uma Conferência. Lá pelas tantas, em Serra Talhada, param para fazer um lanche numa churrascaria de beira de estrada. Enquanto lanchavam viam numa mesa próxima uma pessoa, no meio da tarde, bem relaxada tomando uma cerveja. Estava com a roupa branca dos profissionais de saúde.

Enquanto o Zé ralava pelos sertões, o colega estava ali num bem bom. Lá pelas tantas o “colega” acabou a geladinha e veio na direção deles e de repente parou e cumprimentou o Zé com manifesta alegria. Sem lembrar-se de quem se tratava, este o chamava professor com orgulho de aluno, o Zé foi levando o desconhecimento em “banho Maria”.

O “colega” estava feliz com a situação vivida, contava ao Zé que tinha boa clientela de odontologia, possuía fazendas e uma boa criação. Estava casado, morando numa mansão digna de coronel do sertão, onde a boa vida se estendia aos seus. E foi neste contato que uma pulga acordou a memória do Zé. Agora sabia quem era o “colega”.

Era o Micróbio. E o apelido do “colega” vem a ser o miolo desta história. Aos eventos.

O Micróbio chegou com a casca grossa dos sertões no primeiro ano da faculdade de odontologia. Com as botas de vaqueiro cheirando a couro cru, um cigarro no bico, protuberância abdominal das cervejas. Estava nas cadeiras básicas da faculdade. Naqueles idos do Micróbio ainda existia prova oral. Com o irascível professor de microbiologia.

O aluno era questionado diante dos colegas, numa prova transparente a todos. Chegou a vez do nosso Micróbio. Ele veio pela sala como um boi laçado resistindo ao laçador. Ao sentar-se na cadeira de examinado, foi como um malho batendo na piçarra das estradas de então.

O professor examina aquele “animal” indócil e os olhos do mestre faíscam de estranhamento. Olhou para a lista com o nome do aluno e quase soletrando cada letra dele, perguntou ao aluno de chofre: O que é um micróbio?

O examinado tomou um susto pela pergunta e logo tratou de puxar um cigarro da amassada e suada carteira de sua blusa manchada.

Não deu tempo e o professor vociferou: O senhor não pode fumar aqui. Pode devolver o cigarro para o lugar de onde veio. O aluno se encolheu um pouco, mas como todo bom sertanejo bateu firme com os dois pés com as botas cheirando a couro cru, como a esperar o ataque do mestre.

O professor subiu um tom no mal estar que aquele matuto lhe provocava e tascou a pergunta: Seu fulano o que é um micróbio?

Silêncio constrangedor na platéia. O pessoal das últimas cadeiras ainda ousou um riso de mangofa pelos cantos da boca. O nosso examinado quase fica escornado com a manobra perversa do mestre.

Um micróbio é....E um grande intervalo a subtrair conteúdo à resposta. O mestre a esperar e o aluno com a voz interrompida por um bolo na garganta. O mestre tenta desatolar a vaca no brejo: Um micróbio é o que mesmo seu fulano?

Um olhar para o teto altíssimo do salão e de lá nenhum caibro a lhe soprar a resposta. Olhou para um lado e para o outro até que o movimento do pescoço parece ter soltado o bolo que interrompia a resposta e de lá ela saiu a penetrar fundo as ouças do professor: Um micróbio é uma coisa bem pequenininha. E fez assim: juntado o indicador e o polegar como a espremer alguma coisa muito pequena. Assim como se mata piolho.

O mestre só faltou saltar da cadeira de indignação e gritou: Pequenininha como seu fulano?!...

O coitado do aluno estava num canto de cerca, cercado pelos dois lados, pelas costas e pela frente. E o mestre com o vozeirão, a faces rubras de ódio, repetiu a pergunta a querer saber o quanto o micróbio era pequenininho.

Animal preso e sem saída não tem outro jeito. É negociar uma saída, baixar o fogo da broca do patrão e dar pelo menos uma franguinha de presente. Foi como o aluno presenteou ao mestre: Assim como um mucuim!

Um mucuim seu Fulano? Um mucuim seu Fulano? Como do tamaaanho de um mucuiiiim?! Se antes o vulcão estava aos estrondos, agora havia entrado em erupção.

Eita com os seiscentos mil demônios! A coisa andava quente pru lado do examinado e ele vai cedendo. É preciso fazer mais concessões aos limites do infinitamente pequeno. E ele foi rápido para vencer o desastre da ira vulcanoclástica: Do tamanho do ôi do mucuim! Se for menor do que o ôi do mucuim, eu não acredito!

Agora o Zé Roberto lembrava-se do causo completo. Ao se despedir do “colega”, o Zé na sua ironia nunca abandonada perguntou-lhe: E o micróbio?

Ao que o “colega” respondeu: Nunca precisei dele!

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