segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Os "sem religião"

A Fundação Getúlio Vargas (FGV) divulgou recentemente estudo sobre a distribuição das religiões no Brasil, feita a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE. As conclusões são interessantes em mais de um aspecto. Primeiro, entre 2003 e 2009, os brasileiros que se dizem católicos passaram de 74% para 68%, queda atingindo todas as classes sociais.
Nota-se, no entanto, diminuição no ritmo de crescimento dos evangélicos pentecostais. O aumento na renda dos mais pobres no período pode talvez explicar essa diminuição. Segundo, os pentecostais estão mais concentrados nas classes C, D, E; nas classes A e B a proporção desse grupo religioso cai para 6%. Terceiro, constatou-se o avanço dos sem religião já que somavam 5,1% em 2003 e 6,7% em 2009, quase 13 milhões de pessoas.
O avanço das religiões pentecostais e a diminuição dos católicos eram conhecidos, bem como o fato de as religiões pentecostais recrutarem-se principalmente entre os mais pobres. Surpresa é a diminuição no ritmo de passagem de católicos para igrejas pentecostais. TAMBÉM NÃO SURPREENDE QUE O NÚMERO DE PESSOAS QUE SE DIZEM SEM RELIGIÃO AUMENTE ENTRE AS COM 12 OU MAIS ANOS DE ESCOLARIDADE (7,5%) E ENTRE MESTRES E DOUTORES (17,4%). NISSO O PAÍS SEGUE TENDÊNCIA MUNDIAL: EM TORNO DE 15% NOS EUA E 40% OU MAIS NA EUROPA OCIDENTAL.
Constata-se um duplo movimento: entre os pobres, uma migração para igrejas pentecostais, e entre os mais escolarizados, uma crescente desvinculação de instituições de fé, o que ratifica a antiga contenda entre razão e fé em Deus e pertencimento a instituições de salvação.
Embora alguém possa acreditar em Deus e ter um altíssimo grau de escolaridade, é fato que quanto maior o grau de escolaridade maior é o número daqueles que deixam as igrejas e abandonam a fé em Deus. A explicação há de ser procurada na lógica intrínseca tanto da religião quanto do saber, isto é, da ciência.
Max Weber escreveu que “não há, absolutamente, nenhuma religião “coerente”, funcionando como uma força vital que não é compelida, em algum ponto, a exigir o credo non quod, sed quia absurdum (creio não no absurdo, mas porque é absurdo) – o “sacrifico do intelecto”. É que a fé exige um salto além da razão, complementando-a no que ela não pode (ainda?) explicar. Pascal dizia: “o coração tem as suas razões que a razão desconhece”, abrindo espaço para um além da ciência. A ciência visa desvendar racionalmente os enigmas da natureza, da vida em sociedade e do próprio homem, provocando um verdadeiro desencantamento do mundo, já que não precisa postular nenhum espírito para explicar o mundo.
O homem moderno está atado a um processo de racionalização que tende a eliminar todas as crenças e crendices, todas as potências extraterrestres para explicar o mundo. Ele há de crer na razão e na ciência para resolver seus problemas. Nisso torna-se um sem religião, talvez esquecendo de que a ciência não está instrumentalizada para explicar os significados que lhe permitem viver. É o preço que ele paga por não querer (poder) fazer o sacrifício do intelecto, da razão.

André Haguette - Sociólogo

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