quarta-feira, 30 de novembro de 2011

E Cuba continua uma Referência - José do Vale Pinheiro Feitosa

Outro dia, bem no espírito fl x flu interiorano, recebi um e-mail sobre a miséria da saúde em Cuba. Pretendia ser outra versão do que dizem os relatórios dos organismos mundiais sobre o bom desempenho da gestão de saúde e seus resultados naquele pequeno país. O texto fora produzido e divulgado pelo virulento movimento anticastrista de Miami que convenhamos não tem isenção alguma para construir honestamente outra versão dos fatos.

A verdade deste debate se encontra em organismos multilaterais, representantes das nações, onde todas as versões são importantes e os indicadores são universais e comparáveis. Não existe outro modo de se debater e é necessária uma rápida evolução da cata de lixo na internet para enfrentar o debate de modo qualificado.

Se Cuba não chegou ao céu da bonança, não dispense os pecadores de alhear-se do que ocorre no Chile, nos EUA, Canadá ou Alemanha. Alhear-se deste modo é se tornar prisioneiro de uma ideologia de almanaque, que todo os dias repete o mesmo mantra e se torna obtusa como uma cegueira de compreensão do que se enxerga.

A UFPA (United Nations Population Fund) das Nações Unidas acaba de publicar informe sobre o Estado da População Mundial em 2011, com o subtítulo emblemático: 7 bilhões de pessoas: seu mundo, suas possibilidades. A essência é mudar a pergunta estratégica para o futuro, ao invés de perguntar-se: Somos demasiados numerosos? A pergunta a ser feita é: O que posso fazer para que o nosso mundo seja melhor?

Se tomarmos alguns indicadores sobre mortalidade precoce, esperança de vida ao nascer, escolaridade e saneamento básico entre sete países, alguns que estão no topo do desenvolvimento - Canadá, EUA e Alemanha – incluindo Cuba e Chile por serem o modelo ideológico, acrescentei a Costa Rica por sempre ter sido referência de boas políticas humanas e, claro, o Brasil.

Cuba está muito bem em níveis comparáveis com maior grau de desenvolvimento humano, à exceção da Mortalidade Materna onde seu comportamento diverge muito dos países de maior desenvolvimento igualmente ocorre com o Brasil, Costa Rica e numa escala menor o Chile. Cuba atinge as melhores posições, mas é preciso dizer que o conjunto dos sete países já estão num patamar muito acima do que foram no século XX.

A feição pavorosa contra Cuba não se sustenta, mas diferentemente do Chile cujos indicadores também são bons, Cuba enfrenta um bloqueio econômico da nação mais poderosa do mundo. Como uma pequena nação o Chile nunca deixou de perder o apoio dos EUA, mas Cuba foi largada ao vento com o fim da União Soviética. Os fluxos de capitais e financiamento são completamente diferentes do que as demais nações se sujeitam. Cuba continua a provar que é possível viver fora da ditadura do capital financeiro. E isso não é pouco.

Se alguém pode ser diferente, todos também podem fugir da “cortina de ferro” dos juros do sistema financeiro que controlam os países.

Como o Diabo Gosta


 
Belchior
Não quero regra nem nada
Tudo tá como o diabo gosta, tá,
Já tenho este peso, que me fere as costas,
e não vou, eu mesmo, atar minha mão.
O que transforma o velho no novo
bendito fruto do povo será.
E a única forma que pode ser norma
é nenhuma regra ter;
é nunca fazer nada que o mestre mandar.
Sempre desobedecer.
Nunca reverenciar.

CAMPANHA ERÓTICA.

Todo dia, durante anos, quando Salim chegava em casa, sua doméstica Jacira servia o jantar e ia tomar banho.
Até que um dia, Salim estava jantando e ficou ouvindo o barulho da água, pensando na Jacira tomando banho. Estava sozinho em casa, mulher e filhos viajando.
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho...
Mastigava a comida e pensava na Jacira tomando banho....
Até que se levantou da mesa e foi até o banheiro. Bateu na porta:
- Jacira, você está tomando banho?
- Estou sim seu Salim.
- Jacira, abre a porta pra Salim.
- Mas seu Salim, estou nua!
- Jacira, abre a porta pra Salim.
- Jacira, abre a porta pra Salim.
- Jacira, abre a porta pra Salim.
- Jacira, abre a porta pra Salim.
Jacira não resiste e acaba abrindo a porta.
Salim entra no banheiro, vê a Jacira nua e pergunta:
- Jacira, quer foder com Salim?
- Mas seu Salim..., eu não sei se...!!!
- Jacira, quer foder com Salim?
- Sim, quero sim seu Salim, pode vir que sou toda sua...
Então Salim põe a mão no registro e diz:
- Não vai foder Salim não!!! Chega de gastar água.

"O negócio é parar de pensar besteira e economizar água!"

terça-feira, 29 de novembro de 2011

MATÉRIA PUBLICADA NO G1 - VERDES MARES

26/11/2011 09h28 - Atualizado em 28/11/2011 08h12

Irritada, idosa do CE manda carta
a vereador após ofensa em plenário

Vereador insinuou que idosa reclamou de serviços por estar demente.
'Estou em lucidez, dirijo minha casa...e tenho um computador', diz a carta.

Diana Vasconcelos Do G1 CE
Almina Arraes diz ter sido ofendida por vereador do Crato (Foto: Almina Arraes / Agência Miséria) 
Almina escreveu livro com dicas sobre internet para
os amigos (Foto: Almina Arraes/Arquivo pessoal)

Irritada por ter sido mencionada como alguém que estava “na iminência de ser interditada” por um vereador da cidade do Crato, a 506 km de Fortaleza, no plenário da casa legislativa, uma idosa de 87 anos decidiu enviar uma carta defendendo “seu direito à dignidade”. Almina Arraes de Alencar Pinheiro foi citada por dois vereadores na Câmara do Crato por ter reclamado do serviço de água e esgoto da cidade.
Segundo Almina, há aproximadamente um mês, o vereador Francisco Brasil fez pronunciamento contra aumento na conta de água na cidade. “Ele pediu que a administração [municipal] visse isso, para não acontecer o mesmo que aconteceu comigo”, disse Almina, referindo-se às reclamações que fez em dezembro de 2010 à companhia, ocasião em que afirma ter sido destratada pela empresa de água e esgoto da região, ganhando a simpatia da população.
Durante o pronunciamento, segundo Almina, o vereador e primo de 3º grau George Macário de Brito pediu um aparte. Almina diz que o vereador girou um dedo indicador na altura do ouvido e disse que a aposentada usada como exemplo estava a ponto de ser interditada e que as queixas dela com relação ao serviço não eram verdadeiras. Sentindo-se ofendida, Almina decidiu escrever a carta, em que diz:
Almina diz que overeador girou um dedo indicador na altura do ouvido e disse que a aposentada usada como exemplo estava a ponto de ser interditada e que as queixas dela com relação ao serviço não eram verdadeiras (Foto: Reprodução)Almina diz que o vereador girou um dedo indicador na altura do ouvido e disse que a aposentada usada como exemplo estava a ponto de ser interditada e que as queixas dela com relação ao serviço não eram verdadeiras (Foto: Reprodução)

Aumento do diabetes - Emerson Monteiro

Segundo a Federação Internacional do Diabetes, uma organização guarda-chuva com mais de 200 associações de diabetes em torno de 160 países, o número de pessoas acometidas por essa doença irá crescer dos 366 milhões atuais para 552 milhões até o ano de 2030, isto apenas no período desses próximos 19 anos.

Nas Américas Central e do Sul, existem 25 milhões de pessoas acometidas pelo mal. Em face da urbanização e da mudança na idade da população, os números aumentarão em cerca de 60% até 2030. O Brasil dispõe da maior incidência, com 12,4 milhões de diabéticos, seguindo-se Colômbia, Venezuela e Argentina.

O problema clínico ora considerado se relaciona à insulina, um hormônio produzido pelo pâncreas para o transporte de glicose, por via sanguínea, até os tecidos do corpo humano. O excesso de açúcar no sangue é uma condição crônica, enquanto a produção deficiente de insulina, ou uma resistência excessiva à sua ação, ocasiona níveis elevados de glicose no sangue.

Dois tipos principais do diabetes ocupam o terrível escore. O tipo 1, de início prematuro, vinculado a problemas na produção de insulina; e o tipo 2, com início mais tardio e relacionado com fraca resposta do organismo à insulina.Dado importante nisso tudo: Medidas simples, como alimentação balanceada e atividades físicas previnem o diabetes tipo 2. O diabetes também pode ser ocasionado por carência de insulina, pela resistência a esse hormônio ou por ambas as razões.

O diabetes tipo 2, tipo mais comum da afecção, compreende a maioria dos casos. Ocorre geralmente em adultos, mas cada vez mais os jovens vêm sendo diagnosticados da doença. O pâncreas não produz a insulina suficiente para manter normais os níveis de glicose no sangue, de comum porque o corpo não responde bem à insulina. Muitas pessoas não sabem que estejam acometidos do diabetes tipo 2, mesmo sendo doença grave. Nisto, o tipo 2 do diabetes está se tornando corriqueiro devido o aumento de casos de obesidade e de ausência da prática de exercícios físicos.

Em face da gravidade deste assunto, aqui relacionei alguns itens médicos divulgados pela mídia, no propósito de avisar dos riscos severos das alimentações improvisadas e fora de controle, sobretudo quanto ao uso excessivo do açúcar e outros elementos portadores de glicose adotados indiscriminadamente nos dias de hoje.

GUERRILHEIROS DO CARIRI PUBLICAM MANIFESTO



Combatentes seguem conquistando o coração do grande público na mais ousada e legítima vitrine das artes cênicas produzidas no Cariri cearense.
  
A Guerrilha do Ato Dramático Caririense é um foco de resistência e afirmação cultural, tendo o teatro, a dança e o circo como linguagens centrais, e se realiza a partir da ação conjunta e gestão compartilhada entre grupos e companhias da região. Nossa terceira edição, que se estendeu de 3 a 27 de novembro de 2011, foi prestigiada por um público de mais de 5.000 pessoas durante sua vasta programação.

O Cariri tem um grande potencial artístico que, de certo modo, vem sendo desprestigiado por instituições promotoras de grandes eventos, seja privilegiando caça-níqueis ou produções do Sul e Sudeste, numa atitude deplorável de negação da arte e do artista local. Não somos contrários ao intercâmbio, mas defendemos que este deve ser concebido em via de mão dupla. Afinal, não podemos ser confinados à condição de meros espectadores, quando temos uma rica e diversificada produção a ser mostrada, apreciada e valorizada.

A Guerrilha foi criada, portanto, como uma espécie de insurreição contra o abandono e a negação praticados no seio de grandes mostras realizadas na região. Contra a excludência! É um pólo gerador de vivência e integração, provocador de oportunidades para os novos e de visibilidade para os que pelejam há mais tempo.

Somos companhias de teatro, dança e circo do rico universo Cariri, com linhas de pesquisa e comportamento estético muito peculiares, o que nos garante um quadro diversificado de espetáculos. A Guerrilha reuniu, em 2011, artistas-guerrilheiros das seguintes companhias: Cia. Cearense de Teatro Brincante, Cia. Wancylu’s Gat Produções, A2 Cia. de Dança, Cia. Fazendo Arte de Teatro, Cia. Mandacaru de Artes e Eventos, Comunidade Oitão, Grupo Ninho de Teatro, Cia. Teatral Curumins do Sertão, Cia. André de Andrade, Luciom Caeira e Cia., Grupo Tio G e sua trupe, Alysson Amâncio Cia. de Dança, Cia. Teatral Os Trapilhões, Circo-Escola Alegria, Cia. Yoko de Teatro, Cia. Desabafo de Teatro, Dakini Cia. de Dança e Teatro, Cia. Teatral Arriégua, Cia. Entremeios de Teatro, Grupo Centauro de Teatro, Grupo Máscaras da SCAC, Cia. kanoistravezdenovo, Grupo Cícera de Experimentos Cênicos, Cia. Elas de Teatro.

Neste dia em que celebramos o êxito do nosso movimento, aprovamos e publicamos o presente manifesto, que carrega nossa voz, nosso coração e nossa alma. 

Guerrilha permanente

Pleiteamos que todas as instituições que fomentam as artes cênicas no Cariri se irmanem no financiamento, difusão, formação, intercâmbio e circulação permanentes do que é produzido na região...

Vemos que vários bons espetáculos de outros estados e de diversos países são mostrados no Cariri, mas é revoltante perceber que as mesmas instituições que promovem essa oportunidade, negam-se a desenvolver ações que valorizem e mostrem nossos espetáculos em outros estados e países. 

Intercâmbio responsável e democrático

Somos defensores de um intercâmbio que propicie a verdadeira integração e vivência entre as mais diversificadas e distintas experimentações e realizações cênicas, respeitando as opções estéticas e abolindo o preconceito, o mercenarismo, a subserviência, o colonialismo. 

Dignidade nos cachês e no financiamento

Nossas companhias de teatro, dança, circo, música e folguedos são constituídas de respeitáveis e valorosos artistas, pesquisadores e mestres. E nossas criações são merecedoras da atenção e tratamento distinto por parte de agentes financiadores e órgãos promotores, sejam públicos ou privados.

Somos a expressão verdadeira da identidade deste valoroso pedaço do mundo. Por isso, combatemos a humilhação dos cachês irrisórios e financiamentos insuficientes praticados com as produções locais e reivindicamos a revisão das políticas desenvolvidas no Cariri por todas as instituições atuantes no setor.

Controle social dos investimentos

Propomos que BNB, CEF, BB, SESC, URCA, SEBRAE, SECULT do Estado e dos Municípios, MINC e Funarte, além de outros órgãos, possibilitem a participação dos setores organizados na concepção de programas e deliberação dos investimentos em arte e cultura. 

Dessa forma, teríamos justiça na definição de cachês, criação de intercâmbio verdadeiro e compromisso com o desenvolvimento e fortalecimento das artes e valorização dos artistas caririenses. 

Procedimento este, se extensivo a outras regiões do estado e do país, garantiria o respeito à diversidade e baniria grupos de mercenários que se instalaram no interior e na periferia de Organizações Governamentais (OG's) e Organizações Sociais (OS's), detentoras de imenso capital financeiro de origem pública.

O Cariri é universal

Não entendemos o Cariri como uma ilha isolada do resto do Brasil e do Mundo. Perderia o sentido a sua existência, se assim fosse. Compreendemos nossa região como resultante de uma grande e profunda fusão de culturas, caldeadas em séculos de peleja envolvendo principalmente o ameríndio, o ibérico e o africano. Somos universais!

Lutamos, portanto, para que nosso povo não seja movido a ignorar a si mesmo. Valorizar o Cariri não é negar outras regiões ou países, mas inseri-lo na dinâmica que tempera a existência e o espírito da humanidade.


Crato-Cariri-Ceará-Brasil, em 27 de novembro do ano 2011.


Os Guerrilheiros do Ato Dramático Caririense

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Provincianismo: a pedra que interrompe o trânsito - José do Vale Pinheiro Feitosa

Não é piedade e nem superioridade diante da manifestação de alguns conterrâneos. Mas o ranço de uma guerra ideológica cheirando a 1964 promove uma angústia de uma longa noite indormida e jamais acordada. Assim como um espasmo asmático que não se consegue respirar.

Há uma vontade de sair da roda e jamais retornar. Não existe possibilidade de arejar idéias e nenhuma contribuição se pode imaginar. E já me adianto aos arrufos que substituem argumentos: arejar idéias é de mão dupla. Ninguém é dono do oxigênio.

A guerra fria que ainda vive em postagens dos nossos blogs tem mesmo o que muita gente diz: um imenso provincianismo. Até aquela inveja de Juazeiro ou a demissão de qualquer esperança. A regra tem sido se queixar das perdas como se estas não fossem parte do estado cultural das coisas.

Estamos a algumas horas do mês de dezembro e nenhum blog da região, especialmente aqueles que freqüento, estão discutindo o futuro da cidade. Como não tenho o domínio da notícia aí, ou estes blogs estão fora do assunto ou teremos o mesmo de sempre.

Ontem recebi um e-mail de Ana Arraes, sobrinha de Almina, deputada federal, mãe do governador de Pernambuco e atual conselheira do Tribunal de Contas da União repercutindo o caso do vereador. O Maurício Tavares publicou a matéria do G1 do Globo no Cariricult.

O blog no Azul Sonhado também publicou a mesma matéria. Os leitores leram como um fato passado e, no entanto, não é. Agora explodem os motivos de Almina, não pela repercussão na grande mídia nacional, mas exatamente por que o caso é emblemático da discriminação, do descuido com a ética, do exercitar-se de público como um touro Miura numa arena.

E no corpo da matéria a mais incrível confissão oligárquica e provinciana: só publicaram a parte que interessava à oposição. Provincianismo é esta pedra que interrompe o caminho e jamais se desloca para que as coisas transitem. Ora gente fina: publicaram o que interessava à cidadã em defesa da sua dignidade.

A luta entre capital e trabalho - José do Vale Pinheiro Feitosa

Aviso aos navegantes: a crítica é da gestão política do Estado e compreende Municípios, Estados e a União. A visão comum é que as corporações econômicas, através da sua rede, com nós de concentração política, avançaram no domínio do Estado contra os trabalhadores. A emergência do neoliberalismo e o fim da social democracia seriam o efeito mais evidente deste domínio.

Os trabalhadores estão perdendo renda e direitos enquanto o capital se concentra e especula além da mais valia, criando um sistema mundial de exploração como uma reemergência da escravocrata. A tendência é que os trabalhadores tenham que “pagar” para viver com os recursos tecnológicos existentes, inclusive de saúde. Em outras palavras: trabalhar para pagar pedágio aos senhores do dinheiro.

A renda coletiva mais expressiva é aquela de impostos. O que a atual crise das dívidas dos Estados demonstra é que esta renda está sendo parasitada por bancos e seus fundos especulativos. Esta foi outra forma de domínio dos Estados pelo capital formando uma sinergia com o mecanismo político anterior e explica a velocidade com que o neoliberalismo funcionou para subjugar os trabalhadores e destruir-lhe os mecanismos de financiamento de direitos financiados por fundos mutuais e impostos.

Agora tomemos o princípio do capitalismo: a ambição humana. O desejo de melhorar de vida, de ter progresso material seria a matriz que justificaria todo o sucesso do sistema. Então ao vencedor tudo e aos perdedores nada. Adam Smith acreditava que o sistema seria equilibrado e na somatória geral todos seriam vencedores, mas nunca se viu isso desde a era do mercantilismo até hoje nesta crise. Os vencedores ultrapassam suas ambições e destroem as ambições dos outros.

Os americanos raciocinando com o comportamento social de pessoas que compram seguros descobriram uma “moral hazard”, ou seja, um risco moral. A ambição humana tenderia no processo de acumulação a descuidar-se dos mecanismos necessários e entrariam na zona de risco que destruiria sua própria segurança. Isso explicaria todas as bolhas do atual capitalismo. Assim como um dono de carro que após segurá-lo passa a descuidar-se com a segurança do mesmo.

Este é o estado de espírito do país mais bem sucedido e o vencedor da guerra contra o socialismo, inclusive quem inaugurou o neoliberalismo que atacou os direitos dos trabalhadores. Eles oscilam entre a ambição e o risco moral. Como antes entre vencedores e perdedores. Entre o fracasso e a segunda chance. Estes três pontos oscilantes resumem toda a cultura americana expressa nos meios mais atuais: cinema, música e artes plásticas.

As rebeliões populares a recordarem as revoluções entre o final do século XVIII e século XX parecem expressar o levante do pólo dos trabalhadores. Mesmo com todas as especulações sobre pós-fordismo ou pós-modernidade, o certo é que não se pode criar, inventar novas formas apenas repetindo as mesmas coisas. A luta de contrários entre capital e trabalho permanece no frontispício da história e esta certamente não acabou.

Setaro's Blog: Desabafo justo de um cineasta veterano

Setaro's Blog: Desabafo justo de um cineasta veterano: O cineasta João Batista de Andrade, veterano do cinema brasileiro, realizador de alguns filmes consagrados como O homem que virou suco...

domingo, 27 de novembro de 2011

Analógico x Digital

Por: João Nicodemos

A palavra digital faz referência às marcas impressas pela natureza nos dedos e em partes das mãos. São únicas em cada indivíduo e por isso são usadas como forma de identificação em documentos e até assinatura, no caso de analfabetismo. Mas também se referem,em termos de linguagem , aos dígitos. No caso do sistema binário, utilizado na linguagem de programação de computadores em que todos os dados podem ser expressos pela combinação de dois dígitos: 0 (zero) e 1 (um). É daí que vêm algumas palavras bastante utilizadas atualmente: digitalizar (imagens, sons), mídia digital, tecnologia digital, câmera digital, etc.

Anteriormente à tecnologia digital (via computadores) os sons e as imagens eram gravadas e reproduzidas no sistema analógico. Para entender a diferença podemos pensar o seguinte: na linguagem digital, (expressa em dois dígitos 0 e 1) os dados, ou sinais são expressos pela combinação destes dois dígitos. Isto indica que entre 0 e 1 não existe nada, nenhuma variação de sinal ou dado, nenhum matiz de cor, nenhuma vibração de luz ou som. Diferente disso, nos processos analógicos de gravação e reprodução de som ou imagem, entre 0 e 1 existe um infinito e, entre 1 e 2, existe outro infinito. Infinitos matizes de cor e infinitas possibilidades de timbres nos sons.

Isso explica porque o som analógico é mais “orgânico”, mais “quente” ou “real” que o som digital, que reduz as vibrações e torna o som mais “frio”, “artificial”. O mesmo acontece com as cores que perdem infinitas possibilidades de matizes na tecnologia digital.

Bem, muita gente não percebe essas diferenças; talvez a maioria das pessoas, assim como não percebem a diferença entre o sabor do adoçante e do açúcar, ou a diferença de sabor entre uma banana prata e uma banana maçã. É uma questão de sensibilidade e percepção.

E mais sério ainda é o fato de grande número de pessoas que raciocinam na linguagem binária, onde só duas respostas são possíveis: sim, ou não, assim como um interruptor elétrico onde as posições são on ou off, limitando a zero e um as infinitas possibilidades humanas. Penso que o ser humano deva ser analógico. Fazendo analogias e criando neologismos, transcendendo aos estreitos limites da lógica binária.

Textos mais longos que a vida

Gosto dos textos de Zé Flávio, como de outras pessoas do Cariricult, mas acho completamente irracional se publicar textos quilométricos (e com uma tipologia mínima) em um blog onde ele ocupa a "primeira página" inteira. Mesmo um blog (que, por sinal, é coletivo) deve seguir alguns padrões editoriais. Quando o texto é muito longo é mais adequado colocar um link para que os interessados o possam ler na íntegra. Ainda há pouco publicaram, em um blog da região, toda a ordem do dia de um general que defendia a "revolução" ( e não era a dos bichos, nem das bichas!). Penso que, talvez, por isso as pessoas cada vez leem menos blogs e também cada vez mais comentam menos. Parece que preferem dialogar no Facebook e Twitter. Será o fim de uma micro-era?
RÍTMO

PERCUSSIONISTA
QUE SE ATRAZA

ÀS VEZES CORRE

(não adianta)

DEMOCRACIA, DESENVOLVIMENTO E DIGNIDADE HUMANA:

UMA AGENDA PARA OS PRÓXIMOS DEZ ANOS

Luís Roberto Barroso

I. Introdução

Eu tenho muito prazer e muita honra de estar aqui para fazer a conferência magna de encerramento da Conferência Nacional da OAB e agradeço, de coração, ao Presidente Ophir Cavalcante Jr. e ao Conselho Federal a distinção da indicação do meu nome. Gostaria de transformar esse momento e esse ambiente em uma oportunidade de pensar construtivamente o Brasil, na perspectiva de um professor de direito, de um advogado e de um cidadão engajado.

Tive duas preocupações centrais ao organizar minhas ideias para compartilhá-las com todos. A primeira foi a de fugir da retórica, das frases de efeito, das proclamações tonitroantes. Impus-me a obrigação de trazer uma proposta objetiva, uma formulação concreta para cada tópico que suscitei. Evidentemente, com os riscos do excesso de simplificação que as circunstâncias impõem. Minha segunda preocupação, em um ambiente plural e democratíco como o nosso, foi o de minimizar as opções pessoais e ideológicas, para procurar estabelecer uma agenda patriótica. Reflexões que possam trazer convergência e sinergia. Mas acho próprio declinar as premissas filosfóficas que me movem nos meus compromissos com o Brasil, que são: (i) criar um país de igualdade de oportunidades no ponto de partida da vida de cada um; (ii) proporcionar à gente brasileira não apenas uma vida melhor, mas uma vida maior, uma vida boa, no sentido da grandeza pessoal e da plenitude existencial; e, por fim, (iii) contribuir para a criação no país de uma cultura de boa-fé objetiva, em que as pessoas sejam essencialmente corretas nas suas relações, sem o ânimo das vantagens indevidas ou o propósito de passar os outros para trás.Este será o ponto culminante de uma revolução silenciosa que precisamos fazer.

Antes, porém, de continuar, gostaria de estabelecer, por convenção, o sentido dos três conceitos que dão título a essa conferência: democracia, desenvolvimento e dignidade humana.

II. Os conceitos essenciais

1. Democracia

A democracia ou, mais propriamente, o constitucionalismo democrático, foi a ideologia vitoriosa do século XX, derrotando diversos projetos alternativos e autoritários que com ele concorreram. Trata-se da fusão de duas ideias que tiveram trajetórias históricas diversas, mas que se conjugaram para produzir o modelo ideal contemporâneo. Constitucionalismo significa Estado de direito, poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. Democracia, por sua vez, traduz a ideia de soberania popular, governo do povo, vontade da maioria. O constitucionalismo democrático, assim, é uma fórmula política baseada no respeito aos direitos fundamentais e no autogoverno popular; e um modo de organização social fundado na cooperação de pessoas livres e iguais. Nesse ambiente, o conceito de povo assume uma dimensão humanistica, identificando o conjunto de pessoasligadas entre si por uma parceria histórica, que se manifesta em valores e projetos comuns, na responsabilidade de uns para com os outros e em compromissos com as gerações futuras.O constitucionalismo democrático – ou o Estado democrático de direito, na terminologia da Constituição brasileira – tem por fundamento e objetivo a dignidade da pessoa humana.

2. Desenvolvimento

Desenvolvimento é um processo de aprimoramento das condições da sociedade, compreendendo diferentes elementos e dimensões. Em sua dimensão econômica, o desenvolvimento está associado à geração de riquezas, tendo como indicadores o Produto Interno Bruto, a renda per capita, o nível de endividamento do país e o saldo da balança comercial, dentre outros. Em sua dimensão social, o desenvolvimento está ligado à distribuição de riquezas e à qualidade geral de vida da população em termos de habitação adequada, acesso à educação e à saúde básicas – incluindo alimentação e saneamento –, níveis de mortalidade infantil, expectativa de vida e serviços públicos adequados. É hoje consenso mundial que o desenvolvimento econômico e social deve ser sustentável, a significar que a satisfação das necessidades da geração presente não deve exaurir os recursos necessários às gerações futuras nem comprometer o meio-ambiente em que terão de viver. A verdade é que todas as dimensões do desenvolvimento – às quais se pode acrescentar o desenvolvimento político e cultural – somente se legitimam e se justificam na medida em que conduzam ao desenvolvimento humano, à elevação da condição humana no plano do bem estar físico, mental e ético. Vale dizer: o desenvolvimento tem por fim promover a dignidade humana na sua expressão igualitária, libertária e compatível com a justiça intergeracional.

3. Dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana transformou-se em um dos grandes consensos éticos do mundo ocidental. Dignidade significa, em primeiro lugar, o valor intrínseco da pessoa humana, que identifica sua posição diferenciada no mundo da criação e a distingue dos outros seres vivos e das coisas. As coisas têm preço, mas as pessoas têm dignidade, um valor que não tem preço. Da ideia de dignidade se extrai o postulado ético essencial enunciado por Kant: todo homem é um fim em si mesmo, e não um meio para a realização de metas coletivas ou projetos pessoais dos outros. Do valor intrínseco de cada pessoa decorrem os direitos fundamentais à vida, à igualdade e à integridade física e psíquica. Um segundo conteúdo da dignidade é a autonomia de cada indivíduo, que identifica sua capacidade de autodeterminação, o poder de fazer valorações morais e escolhas existenciais sem imposições externas indevidas. A autonomia privada se manifesta nas liberdades fundamentais, como a de religião, de expressão, de associação, de profissão e a liberdade sexual. A autonomia pública se exterioriza no direito de participação política, não apenas no processo eleitoral, mas também no debate público permanente nos meios de comunicação, nas entidades da sociedade civil e no movimento social. Pré-condição necessária para o exercício da autonomia é a satisfação do mínimo existencial. Para poder ser livre, igual e capaz de exercer sua cidadania, a pessoa humana tem de viver sem privações e ter acesso a um mínimo de condições para uma vida digna, incluindo educação e saúde básicas, renda mínima e informação, dentre outras.

4. Democracia, desenvolvimento, dignidade e o Brasil

Cabe um registro final acerca de onde se encontra o Brasil em relação a cada um desses temas. No que diz respeito ao Estado democrático de direito, o último quarto de século de experiência constitucional representa uma história de sucesso, marcada por eleições periódicas, estabilidade institucional e garantia das liberdades públicas. O ponto baixo dessa trajetória é um sistema político estigmatizado pelo custo astronômico das campanhas, pelos descaminhos do financiamento eleitoral e pela baixa representatividade. Como não há democracia sem instituições legislativas fortes e acreditadas, a reforma políticadeve estar no topo da agenda do país. No tocante ao desenvolvimento econômico e social, todos os indicadores têm sido ascendentes e auspiciosos. É preciso não desperdiçar a chance que o momento oferece e fazer as escolhas certas em educação, combate à pobreza, infraestrutura, pesquisa e inovação científica e tecnológica, dentre muitas outras necessidades nacionais. Por igual, impõe-se acertar o ponto de equilíbrio político e moral entre progresso e preservação ambiental, que dê lugar a um desenvolvimento verdadeiramente sustentável. Quanto à dignidade humana, na vertente do mínimo existencial, é próprio assinalar que o Brasil tem dois dos maiores programas de inclusão social do mundo: o Bolsa-Família e o Sistema Único de Saúde – SUS. Mas nessa matéria – resgate da dívida social –, estamos atrasados e com pressa. Temos deficits dramáticos em habitação, saneamento básico, universalização do ensino médio, serviços públicos essenciais, acesso à justiça, segurança pública. Um país a construir.

III. Uma agenda para os próximos dez anos

Passa-se, a seguir, a identificar dez temas de alta relevância para o Brasil, que se distribuem por domínios variados. Em relação a cada um deles, apresentam-se duas formulações: a primeira identifica a questão a ser enfrentada; e a segunda traz uma proposta objetiva para equacioná-la. No geral, as soluções situam-se dentro dos limites e possibilidades do Direito e das instituições jurídicas vigentes. Vejam-se, a seguir, cada um desses temas.

1. Uma nova narrativa para o Brasil

Somos um país de algumas virtudes incomuns, que incluem a diversidade étnica, a tolerância religiosa e a progressiva superação das discriminações raciais, de gênero e de orientação sexual. E temos algumas bem-aventuranças, como riquezas minerais, belezas naturais e índole pacífica, avessa a guerras e ao militarismo. Somos, ademais, o país do bom humor, da alegria de viver, das festas populares e da extroversão. Gente sem medo e sem culpa de ser feliz. A alegria, o calor humano e a felicidade pessoal são energias positivas para o universo. Mas somos, também, o país da desigualdade social extrema; da violência urbana superior à de muitos Estados em guerra; da favelização ampla, que degrada as pessoas, as cidades e o meio ambiente. Dos serviços públicos deficientes e ineficientes que penalizam, sobretudo, os mais pobres, que deles dependem. A convivência de virtudes incomuns, de um lado, e de vícios atávicos, de outro, com se vem de descrever,tem feito com que a autocompreensão do Brasil, manifestada por seu povo e por seus formadores de opinião, oscile entre o ufanismo e a frustração: ou os melhores do mundo ou o sentimento de inferioridade diante de outras experiências nacionais. Precisamos de um exercício de pensamento original que ajude a definir o nosso lugar no mundo, quem somos e o que temos a oferecer. Uma nova narrativa, envolvendo a identificação e o encadeamento dos fatos relevantes, uma interpretação reconstrutiva que lhes dê sentido e a visualização de perspectivas para o futuro. Sem dogmas, nem superstições.

Uma proposta concreta nessa matéria é a realização de um grande concurso nacional multidisciplinar, sob o tema “Uma Nova Narrativa para o Brasil” (ou algo próximo), ao qual poderão concorrer todas as pessoas com o nível de titulação pré-estabelecido. Os prêmios deverão ser convidativos e financiados privadamente. A comissãojulgadora será composta por profissionais destacados da área de humanidades ou afins. O objetivo do certame será o de promover, sob perspectiva multidisciplinar, a pesquisa sistemática e o pensamento original, que reflitam sobre a experiência civilizatória brasileira e contribuam para a autocompreensão do país, sua gente e seu lugar na história e no mundo.Estes são elementos essenciais para projetar uma estratégia consciente de desenvolvimento social, econômico e geopolítico, identificando prioridades e desafios. Guardadas as proporções, espera-se que os trabalhos produzidos retomem e atualizem a narrativa do Brasil sobre si mesmo, inaugurada por autores como Joaquim Nabuco, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freire, entre inúmeros outros. O Instituto Ideias, que reúne um conjunto de professores e pesquisadores na área jurídica, está fazendo a modelagem do prêmio, que será divulgada em breve.

2. Reforma política

Este, talvez, seja o grande consenso nacional: o Brasil precisa urgentemente, deseperadamente, de uma reforma política. Vive-se, entre nós, um momento de total descolamento entre a sociedade civil e a classe política, vista com indiferença, quando não com desprezo. Não é bom que seja assim. Em sociedades democráticas, política é indispensável e deve ser associada à busca pelo interesse público e pelo bem estar social. A política não pode ser um negócio como qualquer outro. Precisamos de uma reforma política capaz de produzir um arranjo institucional que estimule a identificação entre o cidadão eseus representantes, que diminua de maneira drástica o custo das campanhas, que dê autenticidade aos partidos políticos, que seja capaz de absorver crises políticas e que ajude a formação de maiorias políticas estáveis no parlamento. Um choque de republicanismo, de incentivo às virtudes republicanas, que preserve a integridade pessoal dos agentes públicos e a observância de padrões éticos adequados na gestão da coisa pública. A OAB tem promovido iniciativas importantes e elaborou, recentemente, uma proposta de reforma política visando a esses objetivos, que introduziria uma tríplice transformação. Quanto ao sistema de governo, o semipresidencialismo; quanto ao sistema eleitoral, o modelo distrital misto, que combina a fórmula majoritária e a proporcional, com lista pré-ordenada de candidatos; e quanto ao sistema partidário, fidelidade e mecanismos impeditivos da excessiva pulverização dos partidos.

Não é o caso de se demonstrarem as virtudes do modelo concebido pela Ordem. A proposta concreta que aqui se traz não é de mérito, mas quanto aoencaminhamento da reforma, para superar o impasse atualmente existente, em que todo mundo é a favor, mas cada um tem um projeto diverso em mente. Os conflitos de interesses são muito grandes e o Congresso não consegue produzir uma solução. Diante disso, um procedimento alternativo legítimo para concretizar a reforma política é a realização de um plebiscito, no qual o eleitor responderia a três consultas, fazendo suas escolhas. A primeira, entre (i) sistema proporcional (como é hoje); (ii) sistema majoritário (apelidado de distritão); e (iii) sistema distrital misto. A segunda, entre (i) lista aberta ou não-ordenada (como é hoje) e (ii) lista fechada ou preordenada. E a terceira seria entre (i) financiamento exclusivamenteprivado (como é hoje), (ii) financiamento exclusivamente público e (iii) financiamento público e de pessoas físicas, com limte máximo de contribuição. No período que precedesse a consulta popular, a Justiça Eleitoral faria uma apresentação didática de cada uma das opções nos meios de comunicação, bem como organizaria a defesa política de cada uma delas pelos grupos respectivos, de acordo com critérios de participação a serem definidos. Em relação a cada opção já deverá existir um texto de emenda constitucional e/ou legislação ordinária prontos, de modo que não haveria um segundo tempo depois do plebiscito, mas uma fórmula que entraria em vigor prontamente, de acordo com o resultado da apuração.

3. Saneamento básico

O saneamento básico é a principal política pública de saúde preventiva, conforme parâmetro mundialmente aceito, além de ser vital para impedir o comprometimento do meio ambiente, pela contaminação do solo, dos mananciais (fontes de água para abastecimento), rios e praias. O saneamento básico constitui um serviço público essencial que se materializa em ações de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, bem como manejo de águas pluviais e dos resíduos sólidos (lixo). Pesquisa do IBGE, recentemente divulgada pela imprensa, revela indicadores extremamente deficientes em matéria de saneamento básico. De fato, mais da metade dos domicílios brasileiros não tem acesso a uma rede de coleta de esgoto. Além disso, mais de 70% dos Municípios brasileiros não têm qualquer sistema de tratamento de esgoto instalado, despejando-o diretamente no meio ambiente. No tocante aos resíduos sólidos, mais de 50% dos Municípios os destinam a vazadouros a céu aberto, conhecidos como “lixões”. São números muito ruins, decorrentes de investimentos insuficientes. Uma das principais causas do baixo aporte de recursos é a indefinição jurídica acerca de quem é o poder concedente do serviço de saneamento nas regiões metropolitanas – principais concentrações populacionais do país: se o Estado ou os Municípios.

Esta indefinição pode ser debitada à Constituição, à legislação e ao próprio Supremo Tribunal Federal, onde desde o final da década de 90 tramitam duas ações diretas de inconstitucionalidade sobre o tema, ainda sem decisão. A questão tem de fatocomplexidades: pela Constituição, os serviços de interesse local são da competência político-administrativa dos Municípios, mas as regiões metropolitanas devem ser instituídas pelo Estado. Esta é a origem das divergências. Já a competência legislativa para tratar de saneamento básico é da União. No entanto, ao disciplinar o assunto, a lei federal não solucionou o impasse. Diante do imbroglio jurídico, proponho uma solução compromissória,baseada em fundamentos jurídicos consistentes: a gestão compartilhada paritária, em que o Estado tenha metade do poder decisório e o conjunto dos Municípios metropolitanos a outra. Em caso de empate, é possível pensar em algumas fórmulas de encaminhamento, como por exemplo: a) a posição do Estado prevalece, caso tenha a adesão de pelo menos 25% dos Municípios; ou b) designa-se, previamente à ocorrência do dissensso, um árbitro externo para solucioná-lo, que poderá ser, por ilustração, um órgão ou agência federal (como a Agência Nacional de Águas) ou um painel de técnicos qualificados e independentes. Por fim, a opção pela prestação do serviço por empresa estatal ou mediante concessão à iniciativa privada, sob regulação e fiscalização de órgão paritário de Estado e Municípios, deverá ser pragmática e não ideológica, baseada na existência ou não de recursos públicos para financiar a expansão necessária.

4. O sistema punitivo

O sistema punitivo no Brasil não realiza adequadamente nenhuma das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa nem prevê retribuição namedida certa. A sociedade tem uma sensação difusa de impunidade. Mas as estatísticas de encarceramento são as mais elevadas desde sempre: passaram de 140 mil em meados da década de 90 a mais de 500 mil na atualidade. O número de presos no Brasil só é inferior, em termos absolutos, aos da China e dos Estados Unidos. Temos uma justiça tipicamente de classe: mansa com os ricos e dura com os pobres. Leniente com o colarinho branco e severacom os crimes de bagatela. O sistema punitivo tem como porta de entrada o inquérito policial, passa pelo Ministério Público, pela Magistratura e tem como porta de saída o sistema penitenciário. Seus maiores problemas estão na entrada e na saída. A atividade policial é frequentemente vista como uma atividade menor, menos importante do que a de promotores e juízes. Trata-se de um erro grave. Uma polícia mal treinada, mal equipada e mal remunerada, sujeita a uma vida de riscos, vizinha de porta do crime, é um convite à violência e à corrupção. Nesse contexto, menos de 8% dos homicídios no Brasil são elucidados. E são cerca de 50.000 por ano, número de mortes superior ao de países em envolvidos em conflitos armados. Já o sistema penitenciário é tão degradado e degradante que juízes e tribunais, com um mínimo de visão humanista, apegam-se a qualquer filigrana jurídica para não mandar qualquer pessoa não-violenta para suas entranhas, realimentando o sentimento de impunidade. Em suma: o sistema punitivo brasileiro é uma combinação de truculência, impunidade e degradação.

Recuperar o sistema punitivo envolve a combinação de providênciasóbvias com algumas soluções criativas. É preciso, dentre outras prioridades, dar dignidade à polícia: status social, qualificação educacional, remuneração adequada, treinamento, equipamento e uma cultura capaz de conciliar eficiência com respeito aos direitos humanos. Vale dizer: capacitação, recursos e uma filosofia de trabalho. Precisamos, igualmente, recolocar em discussão a ideia da proibição de venda de armas de fogo, derrotada no plebiscito de 2005, vítima de contingências do momento político. No sistema penitenciário, é preciso não apenas dar condições mínimas de dignidade às unidades prisionais, comotambém pensar soluções mais baratas e civilizatórias. Como, por exemplo, a utilizaçãoampla de prisões domiciliares monitoradas, em lugar do encarceramento. Quem fugir ou violar as regras, aí, sim, vai para o sistema. Para funcionar, tem de haver fiscalização e seriedade. Não desconheço as complexidades dessa fórmula, a começar pela circunstância de que muita gente sequer tem domicílio. Mas em muitos casos ela seria viável. Por igual, crimes de colarinho branco e todas as demais formas de criminalidade não violenta devem ter instituições prisionais separadas, mais baratas e de menor segurança, financiadas com as sanções pecuniárias elevadas a serem aplicadas, sobretudo, à criminalidade econômico-financeira. Também aqui, quem fugir ou violar as regras vai para o sistema. E, sobretudo,precisamos organizar um grande evento multidisciplinar de reflexão sobre o sistema punitivo brasileiro: quanto de direito penal, para quem, com quais objetivos. O sistema punitivo brasileiro está desarrumado filosófica, normativa e administrativamente. Precisamos de um exercício de pensamento criativo, de energia construtiva.

5. Educação

Em matéria de educação, a despeito dos progressos dos últimos anos, ainda estamos defasados mesmo em termos de América Latina. Estamos também, sob numerosos aspectos, atrás de todos os outros países do grupo identificado como BRIC, que inclui Rússia, India e China. Um projeto educacional ambicioso deve ter em conta dois grandes objetivos: (i) a capacitação de todos para uma vida melhor, com acesso a conhecimentos essenciais, a uma profissão, à informação e ao exercício esclarecido da cidadania; e (ii) a identificação dos grandes talentos, dos virtuoses, daqueles que devem receber incentivos e investimentos diferenciados, porque serão os líderes da inovação e do avanço social. Precisamos de projetos ambiciosos em relação ao ensino fundamental e ao ensino médio, que compõem hoje o denominado ensino básico; e precisamos de projetos mais ousados ainda para a universidade. No tocante ao ensino fundamental, alcançada a universalização, é preciso investir em qualidade efetiva. Precisamos de programas nacionais periódicos de capacitação de professores, de aumento da carga horária nas escolas para um regime de tempo integral, de alimentação, área de esportes com professores de educação físicia que ajudem a formar o caráter dos jovens, bem como do uso amplo de recursos tecnológicos para educação à distância (com acompanhamento por professores ou tutores locais), de universalização do acesso à internet e utilização máxima do seu potencial para fins educacionais. Além do Bolsa Família, é preciso explorar as potencialidades de incentivos singelos ao aprendizado e à valorização do mérito, como prêmios de desempenho, concursos locais e viagens dos mais destacados à capital do Estado ou do país. Ao final do ensino fundamental, um exame de avaliação deverá permitir selecionar os melhores, que concluirão o ensino básico em instituições modelo. Em cada agrupamento de aproximadamente 250 mil pessoas, no interior ou nas capitais, haveria uma instituição de ensino que reuniria os melhores. O ensino médio deverá ter a sua universalização elevada à condição de prioridade máxima.

Também no que toca ao ensino superior, estamos imensamente atrasados. As instituições públicas custam muito caro em função do retorno que dão para a sociedade. Circunstâncias diversas têm dificultado a capacidade da universidade brasileira de gerar centros de verdadeira excelência e inovação, movidos pelo mérito individual e pelo esforço coletivo. A crítica, por certo, não desmerece o esforço de docentes e pesquisadores abnegados, que enfrentam estruturas burocratizadas e ineficientes, quando não inertes, e ainda assim fomentam núcleos de qualidade acadêmica. Mas não é suficiente o esforço isolado: a universidade tem de ser um catalisador de talentos, de pessoas dispostas a se engajarem em um processo que envolve não apenas a transmissão de conhecimento, mas também a superação das ideias convencionais. Reformas universitárias profundas e radicais costumam desandar, consumidas por resistências políticas e pelo conservadorismo do status quo. Por essa razão, em relação à universidade pública já existente – e que deve continuar a ser pública – faço propostas puramente incrementais, relativamente singelas, mas capazes de mudar o jogo como vem sendo jogado. Por vezes, pequenas transformações graduais são capazes de produzir mais impacto do que propostas de mudanças abrangentes. Em primeiro lugar, deve-se valorizar particularmente o mérito, que se mede menos em títulos formais e mais na produção científica, sobretudo pela publicação em veículos de qualidade. Deve-se estimular, igualmente, a publicação em revistas estrangeiras de reputação. Esses dois itens deveriam contar para a evolução na carreira e para a remuneração dos docentes. Também deveria ser incentivada a realização de seminários internos nas instituições, de comparecimento obrigatório para os professores, onde cada um deles faria uma apresentação das suas pesquisas em andamento e dos temas que está estudando, propiciando o debate acadêmico e o efetivo compartilhamento de ideias. A universidade deve ser capaz, igualmente, de fazer parcerias e projetos externos, obtendo recursos legítimos da iniciativa privada, que complementem o orçamento público limitado.

Por fim, o país precisa criar uma instituição acadêmica verdadeiramente de ponta. Não existe nenhum grande país sem uma grande universidade.Aqui, precisamos inovar, criando um modelo original. Uma universidade voltada, cumulativamente, para a pesquisa pura, para a inovação tecnológica, para as conquistas da medicina e para o melhor das humanidades. Com graduação e pós-graduação. Possivelmente em uma grande área próxima à capital federal, com prédios para faculdades, bibliotecas, laboratórios e dormitórios. Para ela seriam recrutados, mediante bolsas de estudos e incentivos, os melhores estudantes que concluíssem o ensino básico – para o acesso à graduação – ou o ensino superior – para o acesso à pós-graduação. Os professores viriam tanto do Brasil como do resto do mundo, com recrutamento competitivo e aulas em português, inglês e espanhol. Com planos de carreira e direito de permanência baseados naprodutividade e no comprometimento com a instituição. Seria uma instituição pública nos seus objetivos, mas não estatal. Sem propósito de lucro, mas sem as amarras da Administração Pública. Política, só a do mérito acadêmico. Ela seria formada por um capital inicial resultante de dotações voluntárias e incentivadas das grandes empresas nacionais, assim como de todas as pessoas físicas ou jurídicas que desejassem contribuir para o projeto.A instituição seria dirigida por um presidente e dois conselhos de cinco pessoas cada: um, de administração, para gerir os recursos, nomeando os seus gestores; e outro, educacional, para conduzir o projeto pedagógico. Nada excessivamente grandioso em termos de quantidade, mas com especial preocupação em aproximar os melhores alunos dos melhores docentes e pesquisadores. Alunos de tempo integral e pelo menos 75% do corpo docentecom dedicação exclusiva. A instituição teria convênios com as principais universidades do mundo para intercâmbio de alunos e professores. O modelo poderia ser replicado em alguns Estados da federação.

6. Trânsito

No ano de 2010, os acidentes de trânsito, no Brasil, causaram mais de 40 mil mortes. Número próximo ao dos homicídios dolosos, com uma média de 111 por dia. Uma vida se perde a cada 15 minutos. A maior parte das vítimas tem entre 20 e 30 anos. Um genocídio de jovens. Esses são os números de óbitos, sem mencionar os ferimentos graves, inclusive amputações e lesões medulares. O trânsito brasileiro produz 2,5 vezes mais mortos do que o dos Estados Unidos e 3,7 vezes mais do que na Europa. Precisamos de conscientização, fiscalização e repressão. Nessa ordem e na intensidade correta. Conscientização significa difundir a compreensão de que dirigir um carro é como portar uma arma. O uso impróprio é crime. É preciso tirar o glamour da velocidade irresponsável e o clima de festa da embriaguez. No volante, velocidade e álcool em excesso produzem assassinos potenciais. A conscientização inclui, portanto, chamar as coisas e as condutas pelo seu nome certo. A solução, no entanto, não está no recrudescimento das penas de privação de liberdade, mas sim na fiscalização adequada e na repressão moderada e eficiente.

Minha primeira sugestão, paradoxalmente, é de aumento de tolerância: dois chopps, duas taças de vinho ou uma dose de bebida destilada deveriam ser considerados admissíveis. A política de tolerância zero, no particular, dificulta a efetivação da restrição. Aqui, como em outras situações, o ótimo é inimigo do bom e do possível. Feita a ressalva, a fiscalização do cumprimento da Lei seca deve ser feita com empenho prioritário. De fato, se morrem dezenas de milhares por ano, esta há de ser uma das principais políticas de segurança do país. Equipes nas ruas devem monitorar bairros e locais propícios à direção alcoolizada, assim como pardais e câmeras devem controlar as vias públicas para conter o abuso de velocidade. O direito à não-autoincriminação penal, sobretudo pela não realização do teste do bafômetro, não exclui a avaliação visual da autoridade nem tampouco deve inibir medidas administrativas. A recusa em se submeter ao teste deve acarretar, comoconsequência necessária, a apreensão do carro por uma semana e a suspensão da carteira por um mês. Em caso de reincidência, a apreensão do veículo será por um mês e a suspensaão da carteira por seis. E, na terceira vez, um ano de carro e carteira apreendidos. Os prazos são mera sugestão para debate. A apreensão do carro pode ser substituída por imobilização das rodas, no local de seu estacionamento permanente. Quem for flagarado dirigindo após ter tido a carteira apreendida, vai preso. Nada de penas absurdas e longas. Podem ser bem breves. Mas tem que ser para valer. Como o sistema penitenciário não é capaz de ressocializar ninguém, a prisão deverá ser domiciliar monitorada, com leituras reeducativas e nova prova de habilitação.

7. Direitos humanos

Os direitos humanos ou fundamentais são a face jurídica da dignidade humana. Nessa matéria, fizemos muitos progressos no Brasil em relação aos direitos individuais e aos direitos políticos. Também tivemos avanços no tocante aos direitos sociais, que compreendem, dentre outros, educação, saúde, moradia e proteção à maternidade e à infância. Concentro minhas reflexões no tema dos direito sociais, que são aqueles que visam à redução da desigualdade e à proteção dos grupos mais vulneráveis contra os abusos em geral, sejam os decorrentes do poder econômico, do preconceito ou da intolerância. A satisfação dos direitos sociais envolve melhor distribuição de renda e a oferta de serviços públicos de qualidade. Veja-se, então: o Brasil é hoje a sexta economia do mundo, mas encontra-se na 84ª posição no tocante ao IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, da ONU, que leva em conta os indicadores de renda (PIB per capita), saúde (expectativa de vida ao nascer) e educação (taxa de alfabetização e anos de escolaridade). A principal causa dessa defasagem é o abismo de desigualdade na distribuição de renda.

Sobre educação, principal fator de redução da desigualdade, já fiz as reflexões cabíveis em item próprio. Acrescento apenas que ao lado das preocupações comuniversalização e qualidade, é preciso reter os alunos na escola: o número médio de anos de estudo do brasileiro é de 7,2 anos, quando o mínimo desejável são 11 anos. Em relação à saúde, reitero o registro já feito quanto à importância exponencial do saneamento básico. Além disso, é preciso transparência e justificação no tocante às políticas públicas de saúde, inclusive para ajudar a equacionar o fenômeno da judicialização, que tem transferido para o Judiciário, indevidamente, a discussão política sobre determinadas escolhas trágicas na alocação dos recursos. Vale dizer: o debate político que não é feito no momento da elaboração do orçamento acaba sendo feito em demandas judiciais individuais, o que constitui evidente distorção. No tocante ao direito de moradia, precisamos de projetos de financiamento habitacional de larga escala para famílias de baixa renda, em conjunto com planejamento urbano, ruas e avenidas dimensionadas adequadamente, arborização, praças e construções subsidiadas que substituam as favelas, com ordem e humanização. Precisamos fazer cidades melhores, comunidades melhores, com preocupações ambientais e estéticas. Não podemos viver, eternamente, do desfrute de belezas naturais.

8. A proteção das minorias

Como desdobramento da discussão acerca dos direitos humanos, cabe destacar e enfrentar três tópicos que envolvem os direitos das minorias. A história da civilização é a história da superação dos preconceitos e da discriminação. A principal inspiração desse tópico está nas ideias de tolerância e inclusão social. Não se tem aqui a pretensão de fazer com que qualquer pessoa abdique de suas conviccções, mas apenas que tenha a boa-vontade de tratar os que são diferentes ou pensam diferente com igual respeito e consideração. Onde existam desacordos morais razoáveis, o papel do Estado é o de assegurar que cada grupo possa viver os seus próprios valores, sem utilização do seu poder coercitivo em favor de um dos lados.

(i) As mulheres e a descriminalização do aborto

As mulheres não são uma minoria, em sentido quantitativo. Mas fazem parte de um grupo de maior vulnerabilidade, em uma sociedade que ainda conserva, renitentemente, um viés machista. Pois bem: no tocante ao direito das mulheres, sobretudo das mulheres pobres, é imprescindível incluir na agenda política do país a discussão acerca da descriminalização do aborto. A melhor forma de se enfrentar o aborto – que não é, em si, uma situação desejável para ninguém – é com educação sexual, planejamento familiar einformações sobre meios de prevenção da gravidez, além de apoio à gestante que deseje ter o filho. Porém, tratar como criminosa a mulher que não quer ou não pode levar a gestação a termo constitui uma política pública de efeitos perversos, que devem ser considerados. Em primeiro lugar, porque viola a autonomia da mulher, impedindo-a de fazer uma escolha decisiva para sua vida. Em segundo lugar, pela discriminação social que resulta da criminalização. É que, sem terem acesso a clínicas privadas, e sem poderem recorrer à rede pública de saúde, dezenas de milhares de mulheres pobres morrem ou se lesionamgravemente utilizando técnicas primitivas de interrupção da gestação.

(ii) A questão das ações afirmativas

Ação afirmativa é um conceito que não se limita às eventuais quotaspara pobres e negros nas universidades. Ao contrário, as ações afirmativas identificam uma ideia muito mais abrangente, que deve incluir, sobretudo, a atuação proativa em comunidades carentes, levando serviços, cuidados e afeto. Isso inclui o fomento à preservação dos laços familiares, a manutenção de creches e pré-escolas para a iniciação educacional dos filhos de pais que precisam passar o dia trabalhando, a instalação de bibliotecas e o desenvolvimento de atividades educacionais, artísticas e desportivas, ao lado de medidas de incentivo ao estudo e ao aprendizado. Trabalhar para oferecer igualdade de oportunidades no acesso à educação e ao mercado de trabalho é, no longo prazo, uma alternativa melhor do que cotas. O que não invalida, contudo, a legitimidade do emprego eventual desse instrumento, como forma provisória de superação de injustiças históricas.

(iii) Os direitos dos homossexuais e o casamento

Todas as pessoas devem ter direito ao casamento civil, se este for o seu desejo. Se a sociedade considera que o casamento é uma instituição positiva – tanto que o cultiva há muitos séculos –, seria uma estranha forma de egoísmo e de discriminação excluir dos seus benefícios pessoas que têm orientação homossexual. Justamente ao contrário, o Estado e a sociedade devem incentivar a inclusão das pessoas, permitir que saiam do gueto e da depreciação de não terem suas relações afetivas reconhecidas, como se não fossem dignas do mesmo respeito e consideração. O Supremo Tribunal Federal fez muito bem em equiparar as uniões homoafetivas às uniões estáveis convencionais, o que deve importar na possibilidade de conversão em casamento, como decidiu, igualmente, em acórdão luminoso, o Superior Tribunal de Justiça.

9. Transparência

Três disfunções acompanham, desde sempre, a formação social e política do Brasil: o patrimonialismo, que mistura o público com o privado; o oficialismo, que faz tudo que é importante depender das bênçãos do Estado; e o autoritarismo, que concentra poderes para distribuir favores. A consciência desses problemas tem permitido às novas gerações enfrentarem-nos com a intensidade possível. Ao escolher o tematransparência como uma das grandes questões nacionais, moveu-me, acima de tudo, uma preocupação: fugir do discurso difuso e generalizante acerca da corrupção. O imaginário social brasileiro vive assombrado pela desconfiança e pela suposição de que em toda parte estão ocorrendo tenebrosas transações. Embora haja, mesmo, excesso de coisas erradas, essa atitude nihilista mina a cidadania e contagia a todos com o vírus da deseperança: já que ninguém presta, não adianta tentar fazer melhor. E aí, absolvidos pela culpa geral, os bons, que são a maioria, deixam de fazer bem feita a parte que lhes toca. E o mal triunfa. Na história brasileira, a pregação vaga contra a corrupção, sem propostas e soluções específicas, foi o combustível de aventuras autoritárias ou demagógicas. Em busca de transparência, trago ideias simples em relação a três áreas: orçamento, contratos administrativos e cargos em comissão.

(i) Orçamento público

O orçamento público entre nós é uma caixa preta, desconhecido e inacessível, na sua elaboração e execução. Concentro-me na questão da elaboração, lembrando que o orçamento é a lei formal que contém a previsão das receitas públicas e a autorização para realização das despesas públicas. Do ponto de vista político, a elaboração orçamentária é um grande espaço democrático negligenciado. Não há debate público adequado acerca das grandes decisões que nele se materializam: quanto de recursos serão alocados para a saúde, educação, construção de rodovias, pagamento da dívida pública ou publicidade institucional. A sociedade brasileira não participa dessa discussão. Do ponto de vista operacional, tanto no Executivo como no Legislativo, a elaboração do orçamento fica confinada a um número restrito de iniciados que desfrutam de um poder sem controle. Minha proposta: antes de encaminhar o projeto de lei orçamentária ao Congresso Nacional, o Poder Executivo deverá explicitar, de maneira acessível à sociedade – talvez em exposição do Presidente da República em rede nacional –, as prioridades, escolhas e circunstâncias que pautaram suas avaliações, dando publicidade e transparência ao que pretende fazer e permitindo o controle social. Também devem ter transparência e justificação as emendas aprovadas pelo Congresso.

(ii) Contratos administrativos

No tocante aos contratos administrativos, firmados entre o Poder Público e o particular, as causas de desmandos são inúmeras. A começar por uma legislação sobre licitações e contratos cuja complexidade e formalismo impedem o administrador honesto de ser eficiente e não impede os ímprobos de fazerem espertezas. Minha primeira sugestão na matéria: simplificar a legislação para facilitar a sua observância. Ademais, as fraudes em contratações administrativas têm focos localizados, que olhos experientes podem detectar com alguma singeleza. Alguns deles são (a) o direcionamento da licitação por meio de exigências restritivas descabidas, (b) os aditivos contratuais que geralmente se seguem a propostas subfaturadas e (c) as contratações diretas em casos que não eram de dispensa ou de inexigibilidade de licitação, frequentemente pela invocação de uma emergência que não é real. Também aqui, a simplificação na fiscalização, evitando-se controles sobrepostos, sucessivos e formais, poderia dar agilidade e eficiência.

(iii) Cargos em comissão ou de confiança

A Constituição brasileira prevê a existência de cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração pelos agentes políticos dos três Poderes. Pela previsão constitucional, tais cargos devem se limitar aos que envolvam atribuições de direção, chefia e assessoramento. Os cargos em comissão não são um mal em si, pois é normal que os órgãos de direção – sobretudo no Poder Executivo – nomeiem, para determinadas posições, pessoas afinadas com os programas a serem implementados. O problema, no Brasil, está nafalta de republicanismo nos critérios de escolha, assim como no número excessivo de cargos de confiança. Quanto à falta de republicanismo, é preciso instituir requsitos de capacitação técnica e mérito capazes de dar transparência ao recrutamento e de coibir práticas clientelistas e de nepotismo. Quanto ao número de cargos, a solução é mais singela: basta a sua drástica redução, o que, de resto, alinharia o Brasil com as boas práticas administrativas do resto do mundo. Apenas no plano do governo federal – onde os desmandos são menores e mais visíveis – existem mais de 23 mil cargos em comissão, em manifesto contraste com Estados Unidos (9 mil), Alemanha (500) e França (550).

10. Transformações no mundo jurídico

A litigiosidade no Brasil chegou ao limite da capacidade de absorção pelo Poder Judiciário. Precisamos mudar a mentalidade de advogados e de juízes para criar uma cultura de soluções consensuais para os litígios. A judicialização é sempre um momento patológico das relações sociais, por significar a impossibilidade de observância espontânea do Direito. Minha primeira sugestão: advogados devem considerar, como seu primeiro papel, construir com o seu ex adverso soluções que componham amigavelmente o conflito, evitando a necessidade de ir a juízo. É preciso, portanto, substituir a postura adversarial tradicional por uma busca pela conciliação e mediação. Segunda sugestão: no caso de a demanda terminar sendo ajuizada, juízes deveriam considerar como sua primeira missão obter a transação entre as partes, atuando proativamente nessa direção. A esse propósito, merece registro e apoio a Resolução n. 125, de 29.11.2010, do Conselho Nacional de Justiça, que determina a criação, pelos Tribunais, de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, voltados para a conciliação e mediação. Ainda em relação ao Poder Judiciário, uma última proposta: é preciso instituir um Exame Nacional de Magistratura,como requisito para inscrição nos concursos para juiz realizados por tribunais estaduais e regionais. Uma seleção prévia que minimize os riscos de manipulação e favorecimento por oligarquias judiciárias locais, riscos que, infelizmente, não são imaginários.

Por fim, três propostas em relação ao Supremo Tribunal Federal. A primeira: é preciso aprimorar o sistema de repercussão geral. Já há mais recursos extraordinários admitidos dentro do novo sistema do que a capacidade do tribunal de apreciá-los nos próximos anos. O critério de seleção tem de combinar aspectos qualitativos e quantitativos, para não inviabilizar o tribunal nem alimentar um sistema de delegação interna de competências decisórias. Em segundo lugar, é preciso aprimorar os mecanismos de funcionamento do plenário. Duas sugestões: (i) votos orais não deveriam estender-se para além de vinte ou trinta minutos, com síntese das principais ideias, sem prejuízo de o voto escrito ser mais analítico, quando seja o caso; (ii) a minuta do voto do relator – ou, pelo menos, sua tese central – deveria circular previamente, com dois propósitos: quem concordar com ele não precisa ter o trabalho de preparar outro voto para dizer a mesma coisa; e quem discordar já pode preparar a divergência, sem necessidade de pedir vista. Uma última sugestão, uma providência simples que vem se tornando indispensável: após a votação em plenário, o relator para o acórdão deverá submeter a ementa à aprovação da maioria que se formou, para evitar que aconteça – como por vezes ocorre – de a ementa refletir apenas a posição do relator e não a da maioria.

IV. Conclusão

E aqui concluo a agenda que propus para o país para a próxima década. Uma jornada em busca da igualdade de oportunidades, da vida boa e da boa-fé objetiva. A democracia como premissa, o desenvolvimento como meio e a dignidade humana como fim. Dignidade significa a emancipação das pessoas, a consciência da própria liberdade e a capacidade material e intelectual de realizar seus projetos existenciais. A possibilidade real de buscar a própria felicidade. A realização pessoal não é uma pré-condição para a vida ética, a vida que inclui o outro e a solidariedade. Mas ela certamente ajuda a criar um estado de espírito mais propício para cada um sair de dentro de si, em paz e com segurança, e estender a mão a quem precisa. Nos últimos 25 anos, o Brasil amadureceu institucionalmente, desenvolveu uma consciência social e começa a partilhar os frutos do progresso. Em breve, chegaremos à modernidade. Com atraso, mas não tarde demais. Uma sociedade de pessoas livres, iguais e solidárias. Com alegria de viver. E mais à frente, multiculturais, multirraciais e pacíficos, seremos um exemplo de civilização, fundada natolerância, no pluralismo e na fraternidade. Um lugar como todos deveriam ser.