Quando vivemos uma civilização cuja natureza é a mudança contínua, as nossas dúvidas são mais dramáticas por que mudar é a natureza do próprio universo. Certo que um viés no nosso pensamento existe por conta desta natureza mutável da realidade que nos cerca, mas as nossas dúvidas emergem o tempo todo.
Seja por questões morais, éticas, por medo das mudanças, por um conservadorismo inerente a toda sociedade estável, a verdade é que muitas dúvidas surgem por tais motivos. O tempo todo estamos questionando o sentido de certas mudanças, os motivos pelos quais se iniciam tais questões.
Uma das características mais marcantes da natureza tem sido a sua diversidade. A diversidade que é necessária para as condições mutáveis do clima do planeta, das radiações físicas, das mudanças de solo, dos movimentos da água e assim por diante. A diversidade dentro de uma espécie tem sido a condição de seu prolongamento na história natural do planeta.
O sistema de produção capitalista em busca de lucros se baseia na eficiência das forças produtivas. O aumento de produtividade tem tido a marca do crescimento contínuo do capitalismo desde o século XVI. É bem verdade que muito desta eficiência é conquistada com ganho numa ponta e enormes perdas na outra. A exploração imperial é um exemplo clássico destas perdas nos povos produtores de matéria prima.
O exemplo da China é comovente. Não é incomum que a esquerda e a direita critiquem o processo produtivo Chinês: aumenta a produtividade massacrando o trabalhador com salários baixos, enormes horas de trabalho e nenhuma proteção social. Muitos esquecem que as perdas dos trabalhadores chineses estão desovadas nos ganhos de consumidores em outros continentes.
Mas retornando à eficiência com base científica ou tecnológica. Neste dias visitei uma fazenda de produção de espécies selecionadas de uma determinada raça de carneiros. Tais carneiros selecionados ampliam enormemente a eficiência da carcaça do animal com ganho de até 60% em relação às espécies atualmente existentes no nordeste.
Ali eles não só praticam a seleção de espécimes, como se utilizam de técnicas de fertilização “in vitro” e transferência de embriões. Uma fêmea selecionada que em condições naturais disseminaria seu patrimônio genético para no máximo oito ou dez descendentes, hoje pode chegar até 30 ou 40 embriões viáveis na barriga de outras ovelhas num único procedimento.
Imediatamente eu pensei sobre aquela letra da música Disparada do Geraldo Vandré: por que gado a gente marca, tange, ferra e mata, mas com gente é diferente. Ora a eugenia é velha em certos desejos, especialmente no fascismo alemão. Uma espécie humana eugênica é um ganho da engenharia genética, mas tem tudo para ser uma perda da manutenção da espécie na natureza mutante.
Padronizar o ser humano é um desejo de hegemonias, de povos dominantes, de civilizações decadentes e exploradoras. Padronizar é a reprodução dos escolhidos e o aborto dos excluídos. Padronizar o ser humano é cessar o seu movimento histórico. É assim como a tese máxima do neoliberalismo dos anos 90 pela voz de Fukuyama com seu “fim da história”.
A respeito disso evoco um exemplo, procurando não exibir comentários sectários. Nesta semana tivemos a seguinte notícia: “Nasceu sábado passado o primeiro bebê brasileiro selecionado geneticamente em laboratório de modo a não carregar genes doentes e ser totalmente compatível com a irmã - que sofre de talassemia maior, uma doença rara do sangue que, se não for tratada corretamente, pode levar à morte. Maria Clara Reginato Cunha, de apenas 4 dias, nasceu no Hospital São Luiz para salvar a vida de Maria Vitória, que tem 5 anos e convive com transfusões sanguíneas a cada três semanas e toma uma medicação diária para reduzir o ferro no organismo desde os 5 meses.”
Sem dúvida uma notícia em causa nobre, mas não deixa de ser a geração de um ser em benefício de outro em si mesmo. Agora imagine tais laboratórios como aquele exemplo das ovelhas acima para produzir espécies humanas em busca da eficiência da máquina capitalista desconsiderando a diversidade do planeta.
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