sexta-feira, 9 de março de 2012

Corais e Gaviões


Sabe-se muito do velho Gonzagão cujo centenário se comemora esse ano: da sua genialidade musical, do seu pioneirismo em levar a mais pura música nordestina para grande mídia, do seu poder invejável de abrir os microfones do mundo para a voz do povo do Nordeste, impulsionando a carreira de incontáveis artistas , desta face oculta do Brasil. Estes dias, descobrimos mais uma. Como os grandes artistas , Luiz Gonzaga carregava consigo o dom da profecia. Apareceu-nos como um Nostradamus de Sanfona. Quando cantou nossa cidade como “Cratinho de Açúcar/Tijolo de Buriti” , certamente profetizava nossa total fragilidade frente ao poder corrosivo da água e da chuva. Pois não deu outra! Bastou um chuvinha de nada, num ano de seca, para nossas encostas derreterem como sorvete no sol. E lá se foi , água abaixo, de novo, o Canal do Rio Grangeiro! O que , de resto, não se mostrou como nenhuma novidade. Depois da tragédia do ano passado, já não precisávamos do poder visionário do velho Lula, para fazer previsões. Estava escrito !

É que a obra de reconstrução era tão peba, tão visivelmente tacanha que alimentou todo um ano de lorotas e fofocas na nossa cidade. Um menino de dois anos passava com a mãe perto do Canal, há alguns meses, quando começou a chorar. A genitora acreditou que o bichinho estava com fome, queria gagau, até o menino se esgoelar morrendo de medo, apontando para o Canal: ---Vai cair, mamã! Vai descer! AHHHHHHHHHHHHH! O Cego Marcolino ,que mora pras bandas das Cacimbas, em dezembro, passando na ponte da Ladeira da Integração, nem precisou da luz dos olhos para concluir: --Eita trabalhinho fio duma égua, vamos simbora que não agüenta nem uma nublina ! E O grande guitarrista Batista que mora na beira do precipício e na enxurrada 2011 viu sua casa destruir-se numa noite, retornara para a mesma moradia no fim do ano . Quando observou a reforma velha que estavam fazendo, com umas telas de galinheiro e umas pedras soltas, começou imediatamente a fazer um curso de surfista e agora, nas festas , canta sua música predileta : --“Menina eu vou prá Califórnia/ Viver a vida sobre as ondas...” . Até os pacientes do CAPS, que frequentemente passam na beira do Canal , a caminho do tratamento naquele ambulatório, já tinham comentado aos psiquiatras que rezassem para não ficar nem nublado, pois a obra não agüentava um merejo. Depois da chuva e da derrocada da construção, os enfermeiros acharam interessante a previsão que lhes pareceu anteriormente uma alucinação, um delírio dos pacientes. Como adivinharam que ia cair? Eles responderam de forma conclusiva : --E quem é que não sabia? Não esqueçam: nós somos doidos, não somos burros não ! O professor Carlos Rafael divulgou que a razão é muito simples e está afeita aos livros de Odontologia: Precisavam fazer um tratamento de Canal e resolveram tapar a obturação com miolo de pão ! Deu no que deu ! E, entre risos e chacotas, se comenta que o próprio nome da construtora: Coral, já dizia tudo! Nome de cobra . E mais , onde se encontram os corais, amigos, onde ? Num é no fundo das águas, não?

O grande problema é que junto desta comédia cicla sua irmã siamesa: a tragédia. Famílias novamente desamparadas, prejuízos financeiros que não terão ressarcimento por quem de Direito e o grande caos urbano no trânsito da cidade que já andava praticamente a pé e agora terá que rastejar. Os dois milhões e meio que desceram junto com as águas do Rio Grangeiro serão debitados do bolso de cada um de nós, com ou sem chacota, viu? Resta o consolo: junto com as paredes das obras mal feitas costumam ,historicamente, se dissolver, também, carreiras políticas e projetos mirabolantes de perpetuação no poder. O povo termina por não suportar seu eterno destino de cachimbo e , com freqüência, veste a fantasia de fumo de Arapiraca e parte para o revide. E já agora em outubro vamos ter um novo Quarup, não é ?

Nestes dias, vi conversando dois pedreiros ,numa construção aqui próximo a minha casa, e tive um prenúncio da cobrança que virá. Um deles dizia que o grande problema do canal tinha sido as telas de galinheiro com pedras soltas dentro, que se chama gabião, postas para empatar a descida de água em velocidade, troncos, pedras enormes, ladeira abaixo e em curto espaço de tempo.

--- O problema, compadre, foram os Gabiões !

O outro, no entanto, pareceu ter uma visão bem mais holística da questão. A culpa da tragédia não estava nos pedreiros e engenheiros, mas escondia-se, sorrateiramente, nas ordens vindas do palácio.

--- Que nada ,compadre, o culpado de tudo isso são os Gaviões !


J. Flávio Vieira

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