Sabemos que ao emitir uma opinião sobre algo ou apresentar uma situação estamos querendo o balizamento de nossas manifestações por outras pessoas. O balizamento negativo ou positivo qualifica tais manifestações e certamente torna o tema abordado mais consoante com a realidade e com as pessoas.
Mas nem sempre nos comentários ou na tentativa de avaliar aquela manifestação a pessoa consegue balizar. Nestes casos apenas apresentam “pílulas” ideológicas e de preconceitos repetitivos que não avançam sobre algo específico. É como um artefato que pode ser usado em qualquer manifestação. Isso sem contar o mau humor e a agressividade de alguns.
Desse modo apresentando a situação da linguagem da mídia internacional em relação aos fatos da realidade mundial. A mídia internacional está tão contaminada por uma linguagem evasiva e dissimulada quanto na era da guerra fria. A guerra fria que foi a transferência da conquista de povos através das comunicações com versões dirigidas a moda de propaganda e ideologia ao invés de chumbo, pólvora e canhões.
Todos os dias os cargos de alguns mandatários das nações são requalificados pela mídia internacional independentes de como são identificados localmente. Aí são ditadores, tiranos, déspotas, opressores, populistas ou qual equivalente seja. Não discuto a precisão histórica destes vocábulos, pelo contrário, discuto a dissolvência destes conceitos. Não há por que não chamar Bashar Al Assad de ditador, mas não tem por que chamar o tirano da Arábia Saudita de Rei. Aí se dissolvem os conceitos: os presidentes militares no Brasil até tinham um simulacro eleitoral no parlamento e eles não dizem ditador igual fazem com Raul Castro e agora com Chávez que é um conceito muito mais difícil posto que eleito por eleições públicas de escrutínio semelhantes aos ditos democratas.
Vocês já viram que o famoso TPI (Tribunal Penal Internacional) só tem julgado africanos e alguns europeus orientais? Os africanos com razão desconfiam deste modus faciendi do TPI. Nenhum chefe militar russo está em julgamento pelos crimes cometidos na Chechênia, um único Inglês ou Americano pelas atrocidades praticadas no Iraque e Afeganistão e menos ainda pelo que Israel faz com os palestinos. Aliás, leio muito texto oriundo de dígitos supostamente cristãos que se exoneraram há muito do cristianismo, especialmente naquela negação do olho por olho, dente por dente. É um texto tão raivoso que não perceberam que a negação referida é uma forma de cessar a corrente da violência. Punir uma autoridade Israelense pelo que fazem aos Palestinos não é dar razão ao terror, ao contrário, e cessá-lo em sua primeira razão.
Agora este caso do sargento supostamente louco que saiu matando Afegãos. O famoso jornalista Robert Fisk derrubou a farsa do suposto desequilíbrio mental do sargento. Ele prova que foi um ato de vingança pela morte de soldados americanos durante aquele episódio da queima do Al Corão. Por isso os Afegãos alegam que havia mais de um na operação. Aí vem a situação do que manifesto no início: a mídia internacional fez a cabeça da humanidade que o sargento era um louco e não um vingador. Para quem quiser ler o Robert Fisk, estou postando o artigo dele nos comentários.
O massacre no Afeganistão não foi loucura
ResponderExcluirRobert Fisk - La Jornada
Começo a ficar cansado desta fábula do soldado demente. Era previsível, claro. Nem bem o sargento de 38 anos que massacrou no domingo passado 16 civis afegãos, entre eles nove crianças, perto de Kandahar, voltou a sua base, os especialistas em defesa e os meninos e meninas dos thinks thanks anunciavam que ele havia enlouquecido. Não era um perverso terrorista sem entranhas – como seria se houvesse sido afegão, em especial talibã –, mas só um cara que ficou louco.
Usou-se essa mesma bobagem para descrever os soldados norte-americanos homicidas que perpetraram uma orgia de sangue na cidade iraquiana de Haditha. Com a mesma palavra se descreveu o soldado israelense Baruch Goldstein, que massacrou 25 palestinos em Hebrón, algo que fiz notar neste mesmo espaço apenas algumas horas antes que o sargento enlouquecesse na província de Kandahar.
Parece que enlouqueceu, anunciaram jornalistas. Um homem “que provavelmente havia sofrido algum colapso (The Guardian)”, um soldado canalha (Financial Times) cujo distúrbio (The New York Times) foi, sem dúvida (sic), perpetrado em um lapso de loucura (Le Figaro).
Será? Supõe-se que acreditemos nisso? Claro, se estivesse completamente louco, nosso sargento teria matado 16 de seus companheiros norte-americanos. Teria assassinado seus camaradas e depois ateado fogo aos corpos. Mas não, não matou norte-americanos; escolheu matar afegãos. Houve uma escolha. Por que, então, matou afegãos?
Existe uma pista interessante em tudo isto que não tem aparecido nos noticiários. De fato, a narração dos fatos foi curiosamente lobotomizada –censurada, inclusive – por quem tratou de explicar o atroz massacre em Kandahar. Lembraram a queima de exemplares do Alcorão – quando soldados norte-americanos em Bagram os jogaram em uma fogueira – e as mortes de seis soldados da OTAN, dois deles norte-americanos, que vieram depois. Mas explodam-me em pedaços se não esqueceram – e isto se aplica a todas as matérias informativas sobre a recente matança – uma declaração notável e sumamente significativa que o comandante em chefe do exército norte-americano no Afeganistão, o general John Allen, fez há exatamente 22 dias.
De fato, foi uma declaração tão inusitada que recortei as palavras em meu jornal matutino e pus o recorte em minha maleta para referência futura.
Allen disse a seus homens: Esta não é a hora da vingança pelas mortes dos soldados norte-americanos mortos nos distúrbios de quinta-feira. Advertiu-lhes que deviam resistir a qualquer urgência que sintam de devolver o golpe, logo após um soldado afegão dar morte a dois norte-americanos. “Haverá momentos como este em que estarão procurando o significado destas mortes –continuou –. Momentos como este, em que suas emoções serão governadas pela raiva e o desejo de vingança. Esta não é a hora da vingança; é a hora de olhar no fundo de sua alma, de lembrar sua missão, lembrar sua disciplina, lembrar quem são vocês.”
Foi um chamado extraordinário, vindo do comandante em chefe dos Estados Unidos no Afeganistão. O general se viu obrigado a dizer a seu exército, supostamente bem disciplinado, profissional, de elite, que não cobrasse vingança nos afegãos aos que supostamente está ajudando/protegendo/educando/adestrando, etc. Teve que dizer a seus soldados que não cometessem assassinatos.
Sei que os generais diziam essas cosas no Vietnam. Mas, no Afeganistão? As coisas já chegaram a esse extremo? Temo que sim. Porque, por mais que eu não goste dos generais, tratei com muitos deles em pessoa e, em geral, eles têm uma ideia bastante acertada do que ocorre em suas fileiras. E suspeito que o general John Allen já tivesse sido advertido por seus oficiais de que seus soldados estavam furiosos pelas mortes que vieram depois da queima dos exemplares do Alcorão e que talvez haviam decidido empreender uma escalada de vingança. Por isso tratou de um modo tão desesperado – em uma declaração tão impactante como reveladora– de prevenir um massacre exatamente como o que ocorreu no domingo passado.
Entretanto, essa mensagem foi apagada por completo da memória dos especialistas quando analisaram essa matança. Não se permitiu em seus relatos nenhuma alusão às palavras do general Allen, nenhuma referência porque, desde já, isso teria tirado nosso sargento do grupo dos enlouquecidos e lhe daria um possível motivo para o massacre. Como de costume, os jornalistas tiveram que ir para a cama com os militares para procriar um demente e não um assassino. Pobre rapaz: andava mal da cabeça. Não sabia o que fazia. Não é estranho que o tenham tirado do Afeganistão tão rápido.
ResponderExcluirTodos tivemos nossos massacres. Aí está My Lai, e nosso próprio My Lai britânico, em uma aldeia chamada Batang Kali, na Malásia, onde os guardas escoceses – envolvidos em um conflito contra impiedosos insurgentes comunistas – assassinaram 24 indefesos trabalhadores em 1948. Claro, se pode argumentar que os franceses na Argélia foram piores que os norte-americanos no Afeganistão –diz-se que uma unidade francesa de artilharia desapareceu com 2 mil argelinos em seis meses–, mas isso é tanto como dizer que somos melhores que Saddam Hussein. Certo, mas que parâmetro de moralidade!
Trata-se de tudo isso. Disciplina. Moralidade. Valor. O valor de não matar em vingança. Mas quando se vai perdendo uma guerra que se finge estar ganhando – me refiro ao Afeganistão, é claro –, suponho que isso é esperar demais. Parece que o general Allen perdeu seu tempo.
Tradução: Libório Junior