Entre janeiro e agora tive a oportunidade de acompanhar a obra recente de Bruno Pedrosa em cinco momentos distintos. Duas exposições, uma em Fortaleza (CE) e outra em Niterói (RJ), dois vídeos sobre exposições dele, um na Galeria Stevens em Maastricht na Holanda e outro no Museu de Lucca na Itália, além do catálogo dessa obra denominada presságio.
Nestes dias ao imaginar-me no campo dos interesses intelectuais percebi que venho muito atento à narrativa de vida das pessoas. Tentando decifrar o mundo por elas, até mesmo quando minha curiosidade em entender a dinâmica física e material do universo, ali está o modo com as pessoas o vêm.
E Bruno Pedrosa e sua obra artística têm uma semelhança, nesta fase, tão intensa que descobri, ao ouvir um e olhar o outro, que são o mesmo. Conversar com Bruno é como dialogar com um Conselheiro marchando rápido nas veredas da caatinga.
É impressionante, ao vivo ou em vídeo, observar este “profeta sertanejo” nas finuras da modernidade (ou pós-modernidade) de salão, adotando posturas do ambiente, enquanto vai desconstruindo cada elemento do conjunto ambiental em que se encontra. A maioria das pessoas não percebe a prática, enquanto ele é rápido no raciocínio imediatamente verbalizado, contornando na argumentação sem chocar-se com o dogma explicitado naquele momento, mas com uma agudeza e severidade quase em tom de homilia a revelar presságios sobre este tempo.
Quando nós aqui no Brasil, neste território amplo e socioculturamente desigual, chegamos à frente das pinturas e esculturas de Bruno Pedrosa, numa escala abstrata, e procuramos entende-las com nossos velhos termos dos elementos das obras figurativas, e apenas sentimos, mesmo assim não compreendemos. Pois é, a tendência é achar que a atual obra de Bruno não é objeto de compreensão sendo apenas carimbos de sentimentos e sensações.
Quando um talhador em madeira extrai aquelas imagens de santos feitas em série a nossa tendência é desconsiderar sua história, não perceber a narrativa daquele artesão e até mesmo seus momentos refletidos enquanto entalha a madeira. Os objetos seriados como que apagam este importante papel da arte plástica. Mas com Bruno Pedrosa acontece diferente, pois ao trabalhar ele entra numa espécie de transe narrativo e desta narração vai anunciando seus presságios numa longa homilia que dá até para vê-lo sobre um morro, com os braços compondo os sinais do futuro.
O presságio desta obra é tão intenso, mas não se faz com sinais comuns, eles efetivamente precisam ser decifrados e, no entanto, está ali, tão evidente que ao percebermos até rimos sozinhos. E não adianta conversar com o Bruno, ele não quer saber destes elementos narrativos do cotidiano atual. Neste sentido a sua exuberância ao falar não substitui a obra: Bruno por que você nomeou este quadro com este nome? “Não tem nenhuma relação, apenas usei um nome”.
Não é bem assim. As escolhas para os nomes de sua obra têm o mesmo elemento narrativo de sua obra e todas trazem o prognóstico do que acontecerá com o presente. Por isso estão nomes de seus sertões, de movimentos de peças musicais, estão as praias do seu litoral. Por isso não adianta conversar com Bruno a respeito dos presságios: o único modo de anuncia-los é aquele de sua obra.
Outro insight de seus presságios se encontra no transpor a pintura para a escultura ou vice-versa. E qual o grande problema sobre as narrativas comuns de nossa época? É o pensamento único que interpreta a vida como apenas a sujeição da vida à ganância e ao consumismo conspícuo. Então o dogma atual do totalitarismo liberal é enxergar os signos da vida em plano bidimensional.
Trace a vertical e a horizontal e tudo se reduz. E aí entram os presságios de Bruno Pedrosa com no mínimo três elementos, até onde percebi: a quebra da bidimensionalidade, a cor numa intensidade de provocar ruptura e o movimento intensamente variado, mas, no entanto, simbolicamente narrativo e harmônico.
Por isso afirmei que se tratava de uma homilia do presságio: esqueça tudo que você pensa que é, perceba a intensidade do que há e se mova (mover-se é agir como Cristo alertou seus discípulos no sermão da Missão). Bruno Pedrosa, não esqueçamos, não engana ninguém: suas barbas, seus cabelos, a fugacidade em alimentar-se e a exuberância ao falar é o alfa e o ômega de sua obra.
Por último o mais radical no artista. Bruno Pedrosa no vice-versa entre a pintura e a escultura busca exprimir a intensidade dos seus presságios. Especialmente com a cor e a tridimensionalidade. As esculturas são como espécies das parábolas usadas por Jesus para chegar junto àqueles que ouvem e não entendem, enxergam e não compreendem. Basta um olhar entre uma manifestação e outra para saber que está lá e cá a integralidade da mensagem múltipla, intensa e transformadora pelo movimento. A integralidade sem os artifícios enganosos da perspectiva do desenho, mas com absoluta fidelidade à narrativa do desenho.
Eu diria que para mim, o vídeo da galeria Stevens em Maastricht expressa melhor estas coisas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário