domingo, 1 de julho de 2012

DILMA: depoimento pungente - José Nilton Mariano Saraiva

Três equipes de interrogatório se revezavam no DOI-Codi da rua Tutóia. Dilma caiu no turno do capitão BENONI DE ARRUDA ALBERNAZ (grifo nosso), citado 15 vezes como torturador no levantamento de processos em auditorias militares que deu base ao livro “Brasil: nunca mais”. A equipe do capitão ALBERNAZ era a mais temida pelos presos da Tutóia.
Uma única vez Dilma falou sobre as torturas que sofreu: no fim de 2003, quando o jornalista Luiz Maklouf  Carvalho a procurou para corrigir e atualizar seu livro “Mulheres que foram à luta armada”, publicado em 1998. Em 21 de junho de 1995, quando Lula a indicou para a Casa Civil, a Folha de São Paulo publicou trechos do que Dilma disse na ocasião ao autor do livro. Confira,  abaixo:
-Entrei no pátio da Operação Bandeirante e começaram a gritar “mata”, “tira a roupa”, “terrorista”, “filha da puta”, “deve ter matado muita gente” (...)  A pior coisa que tem na tortura é esperar, esperar para apanhar. Eu senti ali que a barra era pesada. E foi. Também estou lembrando muito bem do chão do banheiro, do azulejo branco. Porque vai formando crosta de sangue, sujeira, você fica com um cheiro...
POR ONDE A TORTURA COMEÇOU ?  - Palmatória, levei muita palmatória.
QUEM  TORTURAVA ?  - O ALBERNAZ e o substituto dele, que se chamava Tomás. Eu não sei se é nome de guerra. Quem mandava era o ALBERNAZ, quem interrogava era o ALBERNAZ. O ALBERNAZ batia e dava soco. Ele dava muito soco nas pessoas. Ele começava a te interrogar. Se não gostasse das respostas, ele te dava saco.     
Depois da palmatória eu fui pro pau de arara.
                                                                                                                                                  
DÁ PRA RELEMBRAR ? - Mandaram eu tirar a roupa. Eu não tirei porque a primeira reação é não tirar, pô. Eles me arrancaram a parte de cima e me botaram com o resto no pau de arara. Aí começou a prender a circulação. Um outro xingou não sei quem, aí me tiraram a roupa toda. Daí, me botaram outra vez.
COM CHOQUES NAS PARTES GENITAIS, COMO ACONTECIA ? - Não, isso não fizeram. Mas fizeram choque, muito choque, mas muito choque. Eu lembro, nos primeiros dias, que eu tinha uma exaustão física, que eu queria desmaiar, não agüentava mais tanto choque. Eu comecei a ter hemorragia.
ONDE ERAM ESSES CHOQUES ? - Em tudo quanto é lugar. Nos pés, nas mãos, na parte interna das coxas, nas orelhas. Na cabeça é um horror. No bico do seio. Botavam uma coisa assim, no bico do seio, uma coisa que prendia, segurava. Aí cansavam de fazer isso porque tinha de ter um envoltório pra enrolar, e largavam. AÍ VOCÊ SE URINA,  VOCÊ SE CAGA TODO, VOCÊ...                                           
QUANTO TEMPO DEMORAVA UMA SESSÃO DESSAS ?  - Nos primeiros dias, muito tempo. A gente perde a noção. Você não sabe quanto tempo nem que tempo é. Sabe por quê ? Porque para, e quando para não melhora, porque ele fala o seguinte: “Agora você pensa um pouco”, Parava, me retiravam e me jogavam nesse lugar de ladrilho, que era um banheiro no primeiro andar do COI-Codi. Com sangue, com tudo. Te largam. Depois você treme muito, você tem muito frio. Você está nu, né ? É muito frio. Aí voltava.  Nesse dia foi muito tempo. Teve uma hora em que eu estava em posição fetal.
DÁ PRA PENSAR EM RESISTIR ? - A forma de resistir era dizer comigo mesma: “Daqui a pouco em vou contar tudo o que sei”. Falava pra mim mesma. Aí passava um pouquinho. Mais um pouco. E você vai indo. Você não pode imaginar que vai durar uma hora, duas. Só pode pensar no daqui a pouco. Não pode pensar na dor.
A SENHORA AGUENTOU ? - Eu agüentei. Não disse nem onde eu morava. Não disse quem era o Max (Carlos Araújo). Não entreguei o Breno (Carlos Alberto Freitas), porque tinha muito dó. Primeiro, eu não queira que meus companheiros estivessem numa situação daquelas. Segundo, eu tinha medo que alguns deles morressem.
PALMATÓRIA, PAU DE ARARA, CHOQUE, O QUE MAIS ? - Não comer. O frio. A noite. Eles te botam na sala e falam: “Daqui duas horas em volto pra te interrogar”. Ficar esperando a tortura. Tem um nível de dor que você apaga, em que você não agüenta mais. A dor tem que ser infligida com controle deles. Eles têm que demonstrar que têm o poder de controlar a tua dor.

Um comentário:

  1. Muito subjetivo por parte da pessoa torturada, apesar de que é um relato instigante!

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