quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Entulho Autoritário


No dia 01 de agosto do corrente ano, a Secretária Municipal de Saúde da cidade de Crato/CE, Sra. SAYONARA MOURA DE OLIVEIRA CIDADE, expediu o Memorando Circular nº 010800/2012, proibindo, terminantemente, todos os servidores daquela Secretaria Municipal, assim como todos os demais vinculados às Unidades de Saúde e aos órgãos subordinados a suso mencionada Secretaria, de “concederem entrevistas aos meios de comunicação sem autorização prévia deste gabinete”.
De acordo com a vedação prevista no art. 73, parágrafo VI, alínea “c” da Lei 9.504/97, é proibido ao agente público fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, desde que o conteúdo das declarações tenha cunho de publicidade institucional ou caracterize abuso do poder político, afetando a igualdade de oportunidades entre candidatos no pleito eleitoral. Caso o pronunciamento tenha outro objetivo, nada impede que o servidor conceda entrevista, sob pena de ser mitigado o exercício regular de liberdade de expressão e pensamento.
Vale salientar que a manifestação do pensamento deve ser plena, protegida toda e qualquer expressão de pensamento não se compadecendo com a exigência de licença prévia ou outros mecanismos de censura. Por esse motivo, torna-se incompatível com a ordem jurídica brasileira a limitação da liberdade de crítica, configurada em manifestações desassociadas de fins eleitoreiros.
Na realidade da forma e conteúdo expressado pela Secretária Municipal de Saúde do Crato através do assaz mencionado Memorando Circular, fica configurado uma clara intenção de não permitir a qualquer servidor público o pleno exercício do direito à democracia e a livre manifestação do pensamento, destarte, fomentando uma nauseabunda cultura do segredo.
Em matéria de direito fundamental, o direito de opinar e de se expressar é básico quando se trata de liberdade pessoal.
                 Disse Ruy Barbosa que “de todas as liberdades a do pensamento é a maior, a mais alta. Dela decorrem todas as outras.”
A livre manifestação do pensamento é o pilar principal no qual se sustenta a democracia, já que esta se pauta no debate livre à procura da melhor tomada de decisão para o bem comum da sociedade. Não há democracia nem Estado Democrático de Direito sem a livre manifestação do pensamento, motivo pelo qual o seu cerceamento leva ao autoritarismo e ao descontrole da atividade governamental.
A liberdade de expressão é definida como direito natural decorrente da própria natureza humana, sendo, portanto, um direito fundamental, intransferível e inerente ao direito da personalidade e à dignidade da pessoa humana. É um direito individual com repercussão nos direitos coletivos e difusos, visto que o Estado Democrático de Direito depende de cidadãos informados, conscientes e politizados aptos a tomar decisões para a melhoria da coletividade.
Nesse sentido, o Ministro do Supremo Tribunal de Federal, Marco Aurélio, sintetiza que a Liberdade de Expressão é um direito fundamental do cidadão, envolvendo o pensamento, a exposição de fatos atuais ou históricos e a crítica.
A Declaração de Direitos humanos e do Cidadão, de 1789, em seu artigo 11 dispõe que a livre a manifestação do pensamento e das opiniões é um dos direitos mais preciosos do homem.
Pontes de Miranda pondera que liberdade psíquica é a base para toda e qualquer liberdade, abrangendo tudo que serve para enunciar e dar sentido, incluindo a liberdade de manifestar para com as demais pessoas ou enquanto ao homem consigo mesmo.
Nesta seara, no Estado Democrático, defende-se a livre manifestação do pensamento vedando-se qualquer tipo de censura, impedindo que a liberdade de expressão sofra algum tipo de limitação prévia concernentes à censura de natureza política, ideológica ou artística.
Destarte, atos como o praticado pela Secretária de Saúde do município do Crato, cerceadores da liberdade de expressão, devem ser imediatamente expurgos da sociedade, pois somente à Constituição cabe a regulação da liberdade de expressão nos termos do artigo 220, o qual se transcreve com destaques:
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.”
Com efeito, a Constituição Federal estabelece que é livre a manifestação do pensamento, a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença e, ainda, garante que a manifestação do pensamento não sofrerá qualquer restrição.  Destaca-se os incisos IV e IX do artigo 5º e o artigo 220 os quais transcrevo:
Art. 5º (...)
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º - Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
§ 2º - É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.”
A livre manifestação do pensamento, também, é tutelada pelos Tratados Internacionais celebrados pelo governo brasileiro, os quais garantem a todos o direito amplo de se comunicar, sobre quaisquer assuntos nos limites impostos pela própria Constituição.
Nesta seara, pode-se destacar o preâmbulo e o artigo XIX da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrado e ratificado pelo Brasil, que dispõe:
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,” (...)
"Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras".  (grifo nosso)
O Brasil e outros países latino-americanos assinaram em 1996 e posteriormente em 29 de maio de 2006 a Declaração Internacional de Chapultepec  no intuito de consagrar a liberdade de expressão e de imprensa. A declaração estabelece que: 
“I- Não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa. O exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo.
 II - Toda pessoa tem o direito de buscar e receber informação, expressar opiniões e divulgá-las livremente. Ninguém pode restringir ou negar esses direitos.
Ainda há o Pacto de São José da Costa Rica, a Declaração Americana Sobre Direitos Humanos, aprovada pelo Congresso Nacional e ratificada pelo presidente da República por meio do Decreto 678/92, de 6-11-92 que dispõe que em seu artigo XIII: 
"Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões".
Ademais, olvidou-se a nobre Secretária de Saúde alhures citada que a Lei 12.527/2011, intitulada Lei da Informação estabelece que “O servidor público que se recusar a fornecer informação requerida, a fornecê-la intencionalmente de forma incorreta, incompleta ou imprecisa e impor sigilo à informação para obter proveito pessoal ou de terceiro poderá ser responsabilizado civil, penal ou administrativamente”. Registre-se que “A informação está dentro do Estado, mas é da sociedade”.
Enfim, a Constituição Federal e os Tratados Internacionais mencionados, garantem de forma ampla, geral e irrestrita, a liberdade de expressão, proibindo qualquer forma de registro, licença ou censura.
In casu, a Secretária de Saúde do município de Crato/CE, ao expedir o retromencionado Memorando Circular, determinando a proibição absoluta de entrevistas por parte dos servidores daquela Secretaria, feriu gravemente o direito de expressão dos mesmos.

Milena de Caldas Machado           Francisco Leopoldo Martins Filho
Advogada - OAB/CE 19.517                               Advogado - OAB/CE 10.129

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