Ruy Castro
Outro dia,
mandaram-me um vídeo de um cantor japonês. Comecei a assistir. Cantor, canção e
vídeo eram anódinos. O japonês estava de perfil. De repente, com um corte, a
câmera mostrou uma cantora japonesa, também de perfil e também anódina.
Finalmente, a imagem revelou: os dois eram um só, metade homem, metade mulher,
divididos pela vertical, e com as vozes correspondentes. Não faz muito, esses
exotismos eram coisa do "Acredite se Quiser", de Ripley, que saía nos
jornais.
Todo dia recebo vídeos com imagens de desertos mexicanos,
estepes russas, trigais espanhóis, geleiras polares e praias brasileiras. São
de tirar o fôlego. Sem falar dos edifícios, viadutos e ilhas artificiais de
Dubai. No passado, essas imagens saltavam das páginas da "Manchete"
para a vida real e nos faziam babar.
E os vídeos sobre animais? Não param de entrar. São galinhas
chocando cachorros, gatas lambendo esquilos desamparados e cadelas amamentando
porquinhos órfãos. Em outros, veem-se golfinhos, pinguins e babuínos mais
expressivos que certos atores de novela. Tudo isso, além de filmes sobre a vida
sexual dos pernilongos, é material que, até há pouco, só se via em revistas
como "National Geographic Magazine" ou no canal Discovery.
E, naturalmente, não falta quem mande fotos de estrelas do
cinema que cometeram o erro de envelhecer e embagulhar. Ou de gente famosa em
poses indiscretas, como a alemã Angela Merkel tirando meleca, Obama, com os
sapatos furados, ou Kate Middleton, de topless. Enfim, o tipo de assunto que
costumava ser privilégio das revistas de escândalos.
Em 1885, o poeta Mallarmé dizia que tudo no mundo existia
"para acabar em um livro". Hoje, pode-se dizer que o mundo existe
para acabar na internet. Com a qual ficamos dispensados até de sair à rua para
fazer parte dele.
Ruy Castro, escritor e jornalista, já trabalhou nos jornais e nas
revistas mais importantes do Rio e de São Paulo. Considerado um dos maiores
biógrafos brasileiros, escreveu sobre Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen
Miranda. Escreve às segundas, quartas, sextas e sábados na Página A2 da versão
impressa.
Fonte: Folha de S.Paulo
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