(Enviado por luisnassif, sex,
26/10/2012 - 09:25 (Autor: Luis Nassif)
Há duas maneiras dos Ministros do
STF (Supremo Tribunal Federal) se manifestarem: uma, através dos autos; outras,
através de manifestações extra-autos.
No primeiro caso, preserva-se a
liturgia do cargo e até se pode disfarçar preferências, preconceitos e
ideologia através das escolhas doutrinárias. A profusão de citações oculta ao
leigo a enorme dose de subjetividade que permeia julgamentos.
Quando os magistrados enveredam
pelo caminho da exposição pública e se permitem manifestar preferências
políticas, o jogo muda. A toga vira ornamento vestindo o ego de uma
celebridade. E o magistrado se expõe ao olhar público, como qualquer
celebridade.
Sem o manto solene da toga, há
muito a se reparar na personalidade de cada um: na falta absoluta de civilidade
de Joaquim Barbosa, nos episódios controvertidos de Gilmar Mendes (que
protagonizou uma possível fraude, com o senador cassado Demóstenes Torres, no
episódio do "grampo sem áudio"), nas decisões sempre polêmicas de Marco
Aurélio Mello, na submissão total de Ayres Britto aos clamores da mídia.
Mas nada se equipara à
irresponsabilidade institucional do Ministro Celso de Mello, decano do STF.
O Ministro cumpriu carreira
típica de servidor público qualificado. Primeiro, foi Procurador do Ministério
Público Estadual (MPE) de São Paulo. Com reputação consolidada, foi guindado ao
cargo influente de principal assessor jurídico do controvertidíssimo Consultor
Geral da República do governo Sarney, Saulo Ramos.
Ainda estão por serem reveladas
as peripécias de Saulo à frente da consultoria e, depois, como Ministro da
Justiça do governo Sarney. Foram muitas, desde a mudança do decreto do Plano
Cruzado, visando dar sobrevida à indústria da liquidação extrajudicial, até o
parecer conferindo direito aos investidores de títulos da dívida pública de
receberem a correção monetária integral de um ano de congelamento, mesmo que
tivessem adquirido o título na véspera do descongelamento.
Celso era o grande filtro
técnico, o especialista capaz de dar vestimenta técnica às teses mais
esdrúxulas de Saulo. A Saulo, Celso serviu. E, como recompensa, ganhou a
indicação para Ministro do STF.
Há toda uma hierarquia no serviço
público na qual poderosos de hoje dependeram de favores dos antigos poderosos
de ontem.
Até aí tudo normal. Não consta,
em sua longa carreira, que o decano Celso de Mello tenha desmerecido a
instituição para o qual foi indicado, mesmo levando-se em conta a qualidade dos
seus padrinhos.
A grande questão é a maneira como
ele, do alto da posição de decano do STF, está conduzindo suas declarações
políticas. É de uma irresponsabilidade institucional mais adequada a um jovem
carbonário do que a um decano.
Não se discutem as penas. Isso é
prerrogativa do Magistrado. O que se discutem são as manifestações políticas
inadmissíveis para quem representa o Supremo e a subordinação à segunda pior
forma de pressão: o clamor da mídia (a primeira é a pressão do Estado).
Há uma grande chaga na política
brasileira: as formas de cooptação de partidos políticos. E duas maneiras de
combatê-la: entendendo-a como um problema sistêmico ou focando em apenas um
partido.
Ao investir contra os
"mensaleiros" com um rigor inédito, o STF desperta duas leituras: a
benéfica, é o da necessidade da punição exemplar do episódio para extirpar sua
prática da vida política nacional; a segunda, a de que seu rigor se limitará a
esse julgamento, não aos próximos. Contra a imagem de isenção da corte tem-se a
maneira como indícios foram transformados em provas. E tem-se o modo como o STF
mudou a jurisprudência até então em vigor.
Há duas linhas de análise dos
crimes das chamadas organizações criminosas. Uma - a "garantista" -
exige a apresentação de provas objetivas para a condenação. Outra sustenta que,
devido à complexidade das organizações, os julgamento podem se basear apenas em
evidências. Até então, o STF adotava a primeira linha doutrinária, que
beneficiava criminosos de “colarinho branco”. A partir do "mensalão",
passou a adotar a segunda.
Não será fácil conquistar a aura
de poder severo com todos os crimes. Na mesma semana do mensalão, por exemplo,
o Ministro Marco Aurélio Mello concedeu habeas corpus a um vereador carioca
suspeito de chefia uma gangue de milicianos. No episódio Satiagraha, o STF,
quase por unanimidade, acolheu a agressividade ímpar do Ministro Gilmar Mendes
e concedeu liminar a um banqueiro cujos lugares-tenentes foram flagrados
tentando subornar um Policial Federal.
O Ministro Marco Aurélio concedeu
um habeas corpus a Salvatore Cacciola que, nos poucos dias antes de ser
derrubado, permitiu a fuga do ex-banqueiro. No momento, a Operação Satiagraha
está parada no STJ, apesar dos esforços do Ministério Público Federal. No caso
do chamado “mensalão mineiro”, segundo o próprio Joaquim Barbosa, foram os
demais Ministros que aceitaram o desmembramento da ação, ao contrário do
“mensalão do PT”.
Só no próximo julgamento se
saberá se o STF é isento ou discricionário. No entanto, a discricionariedade de
Celso de Mello se manifesta antecipada e gratuitamente no campo das
manifestações políticas, com um desapreço pelo sistema Republicano de causar
inveja aos juízes da ditadura. Não se limitou a condenar o cooptação dos
partidos mediante pagamento. Condenou como ditatorial o próprio instituto das
coligações partidárias, peça central de governabilidade no país.
Sabendo ser generalizada a
prática de cooptação, os financiamentos obscuros de campanha, em vez de uma
crítica geral à prática – até como sinal de que outras infrações receberão o mesmo
tratamento - chegou ao cúmulo de comparar um partido político ao PCC. O
que pretende com isso? Criar uma situação de esgarçamento político com o
Executivo? Colocar o STF a serviço de um partido? Dar razão aos críticos que
duvidam da isenção do tribunal?
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