quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Ravi Shankar - José do Vale Pinheiro Feitosa


Muito além das histórias das Arábias e suas mil e uma noite, existiam três universos misteriosos: a China, o Japão e a Índia. Pelo cinema, alguns livros da literatura de consumo e os mitos históricos narrativos como os de Marco Polo eram tudo sobre tais universos e por isso mesmo tinham as brumas do mistério.

O romper da materialidade consumista e abusiva vinda do pós-guerra esgaçou-se inicialmente pelo Rock And Roll, especialmente na fase Beatles e isso, até pela influência dos ingleses, trouxe muito da Índia. Foi desse modo que a juventude rebelde e impactada pelo movimento paz e amor, preocupada com a degradação da natureza e querendo viagens mentais além da racionalidade burguesa foi se encontrar simbolicamente em Woodstock.  

Chega a ser emocionante para quem viveu a época observar imagens dos tipos e estilos de ser das pessoas no campus do festival. Há uma dor de saudade, uma sensação de paraíso desfeito e, principalmente, a tristeza pelo sonho acabado e que ao fim tornados “iguais como nossos pais.” (Diga-se aquele pai pequeno burguês, moralista, apegado aos caraminguás das sobras do banquete.) Isso sem contar os que ficaram milionários vestindo bermudas para desenvolverem softwares como vivessem em Woodstock quando na verdade viviam nos gráficos das bolsas de valores.

Daquele tempo e daquele festival, muitos pontos tornaram-se icónicos por algum tempo, mas hoje se toma a verdade da vida como conclusão: morreu aos 92 anos de idade, como é do curso natural, o músico indiano Ravi Shankar. Que pelas mãos dos Beatles, especialmente George Harrison, revelou a música indiana para o ocidente. Exatamente quando as religiões orientais se tornavam seitas de retalhos filosóficos aqui por nossas plagas.

Andar na emoção é andar no conhecimento desde que se tenha paciência de ir à busca do outro. Ravi Shankar não representa apenas o grande peso que a música tem na intimidade do indiano. Ele, nascido em 1920, é matriz da milenar civilização ao mesmo tempo que curso do Renascimento de Bengala que começou com Raja Ram Mohan Roy (1775-1833) e terminou com Rabindranath Tagore (1861-1941). Esse renascimento foi um grande movimento na cultura e na sociedade indiana buscando o leme da sua própria vida, libertando-se da enorme influência ocidental por meio do Império britânico. Ainda no século XIX foram movimentos sincronizados, especialmente na região de Bengala cujo centro é Calcutá:  reformadores religiosos e sociais, acadêmicos, grandes literatos, jornalistas, oradores e cientistas. Foi um movimento reformista questionou a ortodoxia existente, no que se refere às mulheres, ao casamento, o sistema de dote, o sistema de castas e a religião.

O renascimento de bengala foi como o ocidental, um avançar em duas pernas:  abraça o racionalismo e o ateísmo como denominadores comuns de conduta civil da casta superior educada enquanto simultaneamente se aprofunda o pensamento espiritualista reformado, como aquele da família Tagore. Foi, de alguma maneira, a primeira experiência multiculturalista na Índia, com raízes intelectuais do Upanishads e influências do Iluminismo. Na literatura destacaram-se Ram Mohan Roy,  Iswar Chandra Vidyasagar, Bankim Chandra Chatterjee, Akshay Kumar Datta, Michael Madhusudan Dutt, Hem Chandra Banerjee, Dina Bandhu Mitra e Rabindranath Tagore, que foi o compositor da primeira Jana Gana Mana, o hino nacional da Índia. No Renascimento Bengali se destacam dois monstros da ciência. Sir Jagadish Chandra Bose, físico, biólogo, botânico, arqueólogo e escritor de ficção científica. Foi pioneiro na investigação do rádio, ótica e microondas, lançando as bases da ciência experimental no subcontinente indiano. Satyendra Nath Bose, físico e matemático, se destaca pelo seu trabalho em mecânica quântica, fornecendo a base para as estatísticas e a teoria de Bose-Einstein. A partícula bóson é em sua homenagem.

A Índia, como no ocidente, teve sua música clássica e esta foi influenciada pelas invasões culturais da região: como os Mongóis, Persas e depois o Islamismo. Isso levou a música Clássica indiana a se dividir em dois blocos de conotação geográfica: a Música Clássica Hindustão, ou Música Clássica do Norte ou Música Clássica  Shāstriya Sangeet  evoluiu a partir do século 12, na atual região do norte da Índia, Bangladesh, Paquistão, Nepal e Afeganistão. É uma síntese cultural de várias correntes musicais: védica (1000 anos A.C) da antiga música Persa e dos povos da região. A outra corrente é a Música Clássica Carnática mais ao sul da região.  As noções centrais em ambos os sistemas é o das ragas, cantadas num ciclo rítmico ou tala.  Por volta de 1900, Vishnu Narayana Bhatkande organizou e classificou as ragas num sistema tonal semelhante ao feito para o canto gregoriano numa série a que chamou thaats.  No século 20, esta corrente tornou-se popular em todo o mundo através da influência de artistas como Ravi Shankar, Ali Akbar Khan, Prabha Atre e outros.

Isso foi o que naqueles dias Woodstock mostrava num polca sem que aquela juventude soubesse narrar esta trajetória, mas sabia “viajar” na melódica daquele ciclo rítmico. E todos ficamos alegres pela vida expressar tanta riqueza vinda das experiências humanas.

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