domingo, 16 de dezembro de 2012

Território, Saúde e Município - José do Vale Pinheiro Feitosa


Uma das características humanas mais marcantes é a territorialidade. É substancial na nossa identidade ser parte de um território e que vai muito além do ambiente geográfico, isso se compreendermos o geográfico como apenas espaço. Milton Santos foi mais além e elevou essa ciência à geografia humana e política e desse modo explicitando a relação humana com o espaço.  

Nenhuma análise séria sobre Políticas de Saúde pode desconsiderar que o substrato do chamado processo saúde-doença é o território. Quando falamos em progresso humano praticamente falamos em território. Nas sociedades mais rurais igualmente o homem vivia a sua territorialidade de um modo mais interdependente com o espaço em volta, mas nas sociedades urbanas essa interdependência adquire relações territoriais externas.

Viver na cidade é viver num território de atendimento integral das suas demandas, inclusive de emprego e renda, mais ou menos dependentes de outros territórios, por vezes até estrangeiros. Vou tomar o caso da atenção de saúde no município de Crato.

A quantidade de insumos, financeiros e formação de recursos humanos dependentes de multinacionais, recursos financeiros externos e estruturas de ensino a quilômetros de distância são imensos. Pegue esse aspecto da territorialidade urbana do Crato e memorize enquanto passo ao outro aspecto da territorialidade.

A integralidade do atendimento da demanda é o padrão ouro de sustentabilidade do território. E mais ainda a percepção desse padrão pelos cidadãos, embora uma construção local, é enormemente influenciado por esta vitrine de mídias e viagens que nos compara com outros territórios. A Constituição Federal trás o esqueleto desta tradução do necessário no território por meio do fundamento da República Federativa do Brasil, que é um Estado de Direito Democrático ao explicitar nos seus fundamentos a dignidade humana.

Atender a alguém num território é buscar a sua dignidade e isso é muito bem pautado pela própria constituição nos direitos e garantias essenciais; nos direitos sociais e políticos; nas ordens sociais e econômicas e na organização do Estado. Daí se vem que desenvolver uma política de governo é atender integralmente às demandas territoriais naquela pauta constitucional.

Por isso as questões ambientais, habitacionais, de saneamento, de uso do solo, de exploração econômica, de transportes, de renda, de combate à fome e à extrema pobreza, do trabalho e da educação têm tanto peso sobre o processo saúde-doença. Esse processo é um processo territorial. Ponta da Serra e Dom Quintino, por exemplo, são territórios cujos processos podem guardar certa semelhança de demandas, mas não são iguais dadas as diferenças que caracterizam cada um deles.    

Para buscar a equidade territorial no espaço de um município é preciso sustentar-se na pauta constitucional, manifestar a vontade dos territórios, fazer intermediação externa intensa e a mediação permanente com as contradições no interior do território. Vou pegar o exemplo da saúde pública com a qual tenho maior familiaridade.

A pauta constitucional é que todos têm direito à saúde e que esse direito é um dever do Estado mediante políticas sociais e econômicas que reduzam o risco de doenças e outros agravos e o acesso universal e igualitário a ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. E mais ainda esse dever do Estado é descentralizado e sua base é municipal. Nada mais próximo do território no sentido da mediação em senso exato com o espaço do que o município.

Como vemos a própria ciência da administração pública deveria ter dado um enorme salto organizativo para responder ao problema de saúde com ações matriciais que envolvam várias secretárias municipais de acordo com o desenho administrativo atual.  A própria estrutura orçamentária deveria se modificar para que o financiamento obtivesse o máximo resultado com recursos que são pulverizados em diversos projetos, programas e setores para os mesmos objetivos de atenção integral das demandas territoriais.

É impossível estabelecer uma atenção integral territorial sem construir uma vontade política própria. E a vontade política é como uma vontade eleitoral: há que se mobilizar, formular e construir uma bandeira de transformação que se deseja em sentido da pauta constitucional e da atenção integral ao território. Em certo sentido o controle social já é  reconhecido pelas normas do Estado e deve ser plenamente exercido  mas elevando o conceito de controle para o da construção de vontades. Considero que não é mera questão vocabular, a vontade é muito mais do que apenas criticar ou exigir soluções como sugere o controle. A vontade é a formação de um poder político mediado no território.

Quanto à questão da intensa intermediação externa. Os agentes do Estado, com sua instância política representativa, no caso do Prefeito e a Câmara de Vereadores, devem se preparar para a realidade da dura e intensa intermediação externa. Por exemplo, no caso da atenção às doenças, especialmente na média e alta complexidade: a demanda territorial expressa por sua vontade não pode se confundir com os interesses de uma tendência profundamente mercantilizada nestes setores. Esses setores não se estabelecem como causa em si, mesmo quando se trata de complexas e sofisticadas tecnologias, mas como consequência da atenção integral e promoção da saúde.  

O caso explicitado é apenas um no processo saúde-doença, outros mais também guardam muita importância como a questão do financiamento da saúde. Seja pela escassez de recursos de um lado ou pela profusão de ingerências burocráticas federais. Quem abrir o Orçamento de uma cidade como o Crato irá se admirar o quanto é grandemente constituído por repasses da União e do Estado. E nesse momento a intermediação externa tem que ser no sentido de garantir a vontade territorial, não transformando o governo municipal em apenas uma instância burocrática federal ou estadual de execução de programas definidos externamente.

A quarta e última ação para equidade territorial é a mediação das contradições no interior do território. Vivemos em uma sociedade de classes. Com alguma frequência o consenso até pode sair na fase de formular vontades, mas quando esta vontade se expressar como poder surgirão inúmeras contradições. Aí o poder Municipal tem que agir para mediar os problemas e avançar rapidamente para que as soluções aconteçam.       

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