Uma das características humanas mais marcantes é a
territorialidade. É substancial na nossa identidade ser parte de um território
e que vai muito além do ambiente geográfico, isso se compreendermos o
geográfico como apenas espaço. Milton Santos foi mais além e elevou essa
ciência à geografia humana e política e desse modo explicitando a relação
humana com o espaço.
Nenhuma análise séria sobre Políticas de Saúde pode
desconsiderar que o substrato do chamado processo saúde-doença é o território.
Quando falamos em progresso humano praticamente falamos em território. Nas
sociedades mais rurais igualmente o homem vivia a sua territorialidade de um
modo mais interdependente com o espaço em volta, mas nas sociedades urbanas
essa interdependência adquire relações territoriais externas.
Viver na cidade é viver num território de atendimento
integral das suas demandas, inclusive de emprego e renda, mais ou menos
dependentes de outros territórios, por vezes até estrangeiros. Vou tomar o caso
da atenção de saúde no município de Crato.
A quantidade de insumos, financeiros e formação de recursos
humanos dependentes de multinacionais, recursos financeiros externos e estruturas
de ensino a quilômetros de distância são imensos. Pegue esse aspecto da
territorialidade urbana do Crato e memorize enquanto passo ao outro aspecto da
territorialidade.
A integralidade do atendimento da demanda é o padrão ouro de
sustentabilidade do território. E mais ainda a percepção desse padrão pelos
cidadãos, embora uma construção local, é enormemente influenciado por esta
vitrine de mídias e viagens que nos compara com outros territórios. A
Constituição Federal trás o esqueleto desta tradução do necessário no
território por meio do fundamento da República Federativa do Brasil, que é um
Estado de Direito Democrático ao explicitar nos seus fundamentos a dignidade
humana.
Atender a alguém num território é buscar a sua dignidade e
isso é muito bem pautado pela própria constituição nos direitos e garantias
essenciais; nos direitos sociais e políticos; nas ordens sociais e econômicas e
na organização do Estado. Daí se vem que desenvolver uma política de governo é
atender integralmente às demandas territoriais naquela pauta constitucional.
Por isso as questões ambientais, habitacionais, de
saneamento, de uso do solo, de exploração econômica, de transportes, de renda,
de combate à fome e à extrema pobreza, do trabalho e da educação têm tanto peso
sobre o processo saúde-doença. Esse processo é um processo territorial. Ponta
da Serra e Dom Quintino, por exemplo, são territórios cujos processos podem
guardar certa semelhança de demandas, mas não são iguais dadas as diferenças
que caracterizam cada um deles.
Para buscar a equidade territorial no espaço de um município
é preciso sustentar-se na pauta constitucional, manifestar a vontade dos
territórios, fazer intermediação externa intensa e a mediação permanente com as
contradições no interior do território. Vou pegar o exemplo da saúde pública
com a qual tenho maior familiaridade.
A pauta constitucional é que todos têm direito à saúde e que
esse direito é um dever do Estado mediante políticas sociais e econômicas que
reduzam o risco de doenças e outros agravos e o acesso universal e igualitário
a ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. E mais ainda
esse dever do Estado é descentralizado e sua base é municipal. Nada mais
próximo do território no sentido da mediação em senso exato com o espaço do que
o município.
Como vemos a própria ciência da administração pública
deveria ter dado um enorme salto organizativo para responder ao problema de
saúde com ações matriciais que envolvam várias secretárias municipais de acordo
com o desenho administrativo atual. A
própria estrutura orçamentária deveria se modificar para que o financiamento
obtivesse o máximo resultado com recursos que são pulverizados em diversos
projetos, programas e setores para os mesmos objetivos de atenção integral das
demandas territoriais.
É impossível estabelecer uma atenção integral territorial
sem construir uma vontade política própria. E a vontade política é como uma
vontade eleitoral: há que se mobilizar, formular e construir uma bandeira de
transformação que se deseja em sentido da pauta constitucional e da atenção
integral ao território. Em certo sentido o controle social já é reconhecido pelas normas do Estado e deve ser
plenamente exercido mas elevando o
conceito de controle para o da construção de vontades. Considero que não é mera
questão vocabular, a vontade é muito mais do que apenas criticar ou exigir
soluções como sugere o controle. A vontade é a formação de um poder político
mediado no território.
Quanto à questão da intensa intermediação externa. Os
agentes do Estado, com sua instância política representativa, no caso do
Prefeito e a Câmara de Vereadores, devem se preparar para a realidade da dura e
intensa intermediação externa. Por exemplo, no caso da atenção às doenças,
especialmente na média e alta complexidade: a demanda territorial expressa por
sua vontade não pode se confundir com os interesses de uma tendência
profundamente mercantilizada nestes setores. Esses setores não se estabelecem
como causa em si, mesmo quando se trata de complexas e sofisticadas
tecnologias, mas como consequência da atenção integral e promoção da saúde.
O caso explicitado é apenas um no processo saúde-doença,
outros mais também guardam muita importância como a questão do financiamento da
saúde. Seja pela escassez de recursos de um lado ou pela profusão de
ingerências burocráticas federais. Quem abrir o Orçamento de uma cidade como o
Crato irá se admirar o quanto é grandemente constituído por repasses da União e
do Estado. E nesse momento a intermediação externa tem que ser no sentido de
garantir a vontade territorial, não transformando o governo municipal em apenas
uma instância burocrática federal ou estadual de execução de programas
definidos externamente.
A quarta e última ação para equidade territorial é a
mediação das contradições no interior do território. Vivemos em uma sociedade
de classes. Com alguma frequência o consenso até pode sair na fase de formular
vontades, mas quando esta vontade se expressar como poder surgirão inúmeras
contradições. Aí o poder Municipal tem que agir para mediar os problemas e
avançar rapidamente para que as soluções aconteçam.
Nenhum comentário:
Postar um comentário