quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Papagaios & Araras



Acredito que terá sido Pero de Magalhães Gândavo , na sua “História da Província Santa Cruz  a que vulgarmente chamamos de Brasil”, publicado em 1576, que já alertava : os indígenas costumam pintar papagaios para vender como araras aos viajantes menos atilados. E assim tem sido historicamente, amigos , desde nossas mais remotas origens : nossas leis mais rigorosas simplesmente não pegam; as normas mais pétreas sempre têm uma escapadinha possível;  os ritos mais sagrados banham-se rapidamente em águas profanas; nossas guerras e revoluções mais sangrentas não pingam uma gotinha de sangue sequer. Culturalmente sempre há um  “jeitinho” para se resolver tudo. Indignamo-nos, facilmente, com as tragédias que nós mesmos produzimos, seja na vida pública, na esfera privada, na política, na economia. Entupimos a cidade de lixo e nos queixamos da sujeira; desmatamos nossas encostas e reclamamos das enchentes; elegemos políticos corruptos e, depois,  nos revoltamos com os desmandos e os desvios de verbas.
                        Dias desses, um amigo tomou uma Topic para Nova Olinda. Ao passar no Colégio Agrícola, o motorista alertou os passageiros : “Pessoal, coloque o cinto de segurança que vamos passar no Posto da Polícia Rodoviária!”. Ultrapassada a vigilância, na altura das Guaribas, ele voltou a informar : “Pessoal, já passamos do Posto, podem desafivelar os cintos !”. Existe uma conduta mais brasileira que esta ? Na Expô/Crato e na Festa do Pau de Santo Antonio os políticos locais providenciam para que se evitem blitz, para que se afastem os bafômetros: fiscalização demais, eles alegam, pode prejudicar a festa. Dane-se o Código Nacional de Trânsito! Seque a Lei Seca !
                        Esta semana convivemos com a tragédia indizível da Buate de Santa Maria, onde mais de duzentos jovens perderam a vida. Impossível imaginar tantos ninhos desfeitos, tantos sonhos prematuramente esmagados, tantas mães e pais à deriva, sem um profundo sentimento de comoção nacional. E esta, também, é uma característica bem brasileira: somos solidários e emotivos. Gostamos de nos ajudar mutuamente. Claro que carregamos conosco preconceitos atávicos. A dor e o sofrimento no Sul e Sudeste têm um peso bem maior que nos grotões do Norte e Nordeste. A Seca no Piauí não tem a mesma importância da enchente em Teresópolis. Constatada a tragédia como em Santa Maria, estabelece-se a corrida desenfreada em busca dos culpados. “Queremos Justiça!” “Essa calamidade não pode se repetir !” Rapidamente, posto o excremento no ventilador, muitos sairão pouco perfumados. De quem é a culpa afinal? Do dono do ventilador? De quem colocou o excremento nas suas aspas? De quem ligou o eletrodoméstico? De quem não verificou a funcionalidade do bicho ? Possivelmente, pelas proporções gigantescas do holocausto de Santa Maria, todos os atores  sairão mais ou menos calabreados.
                                   Mas , no fundo, a mesma história tende a se repetir. Brasileiro não trabalha com prevenção do fogo, só como bombeiro. No dias que se seguiram ao incêndio, o Brasil todo começou a fiscalizar as Casa Noturnas e encontraram inúmeras irregularidades. Todas estavam perfeitamente aptas a refazer a calamidade gaúcha: esperavam apenas um estopim. Por que não vinham sendo vistas com a regularidade necessária ? Por que o problema não tinha sido detectado antes e sanado antes do sacrifício de incontáveis vidas ?
                                   E pior, amigos, escrevam aí : passados os primeiros momentos da tragédia, sepultada a notícia por outra mais cabeluda, tudo volta a ser “Como Dantes no Quartel de Abrantes”.  Depois do grande incêndio no Grand Circo Norte-Americano em Niterói , em 1961, o que melhorou na segurança destes espetáculos ? Quem fiscaliza os Circos, quando chegam nas cidades e quem verifica a segurança a fim de liberar  o alvará de funcionamento?  Após as enchentes de Teresópolis e Nova Friburgo em 2011, que se fez para que novas catástrofes não venham a acontecer ? Você se sente seguro em mandar seu filho a um parque de diversões após as medidas tomadas depois do Acidente no Parque Hopi Hari em São Paulo , no ano passado ?
                                   Culpados serão apontados em Santa Maria, processos se arrastarão na justiça, mas a centenária instituição do “jeitinho” providenciará  para que  os responsáveis saiam sapecados, mas ilesos. Só não há “jeitinho” para a imponderável dor das famílias diante da perda incalculável dos seus filhos queridos; nem para que essa tragédia anunciada não  se repita. Enquanto isso , vamos dando nosso jeitinho para que os papagaios continuem sendo negociados a preço de araras, exatamente como há cinco séculos atrás.

J. Flávio Vieira



chegam nessa hora agora

Nesta tarde de quinta-feira recebo uma ligação celular do meu caro Adeilton Lima: só pra dizer que a caminho da casa de sua mãe para uma visita, ouvia no rádio Fagner cantando "Manera Frufru" e lembrou de mim... e como os amigos se pertencem e o universo cuida dessa sintonia, estava justamente dando uns ajustes finais no projeto do longa documentário "Pessoal do Ceará", que devo continuar as filmagens neste ano.

Nesses momentos a vida dá um sacolejo nos seus significados. As boas energias se conectam e "estrela, sol e astro, lua / chegam nessa hora agora / para louvar / santa alma branca / centauro fru fru / fru fru manera...", como diz a letra no disco que, não à toa a coincidência, faz em maio próximo 40 anos que foi lançado.

a mulher de longe

Hoje, na Cinemateca Brasileira, São Paulo, pré-estreia do novo filme de Luiz Carlos Lacerda "A mulher de longe", uma reconstituição poética do filme inacabado dirigido pelo escritor mineiro Lucio Cardoso, a partir de imagens originais e diários das filmagens, rodado em 1949.

Sabe-se que o filme ficou desaparecido por quase 60 anos. A Cinemateca localizou os copiões e Lacerda, que em 1971 dirigiu o ótimo "Mãos vazias", inspirado no romance de Cardoso, fez um documentário onde recria toda a história da busca de locações, os problemas com chuvas, equipe e as razões para a desistência do escritor em interromper as filmagens do seu primeiro e único trabalho como cineasta.

Meu caro Bigo, pena que seu amigo aqui de longe não poderá ir a exibição hoje.
Mais detalhes na programação da Cinemateca

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

LIXO É LIXO.
quarta-feira, 30 de janeiro de 2013
05:48
O assunto do lixo é um tema que merece ser bem discutido. Considerando que não existe quase nada que seja produzido pelo ser humano que não traga consigo uma proporção de lixo bem importante em quantidade e qualidade, devemos pensar e conversar bastante sobre o assunto. Quanto mais avançada e materialmente desenvolvida uma sociedade, maior é a quantidade de lixo que ela produz. Vivemos sob um sistema econômico onde quanto mais se produz e se comercializa objetos, melhor para a economia. Então a produção e o consumo são estimulados de todas as formas.  Uma delas é a ideia, já bem antiga, da "obsolescência programada", onde um objeto, seja ele qual for, é produzido de maneira a durar um tempo determinado e quebrar para em seguida ser substituído por outro novo, que terá sua duração também determinada. Os produtos são testados para saber qual será o seu tempo de uso e,  caso seja necessário, um ou outro de seus componentes será redesenhado para determinar um tempo menor de utilidade. As "utilidades" que produzimos e consumimos,  para usar  um termo bem interessante e contraditório, são na verdade, "inutilidades" de todos os tipos. E viram lixo.
              Outra ideia que predomina na produção e comercialização de objetos, que alguns chamam de "bens", é a de que a embalagem é quase tão importante ou mais importante que o conteúdo. Assim, grande parte do que o consumidor paga num produto, refere-se à embalagem, ao seu invólucro e se transformará em lixo imediatamente. Não quero entrar em detalhes que indicariam que, o próprio conteúdo, muitas vezes, se constitua em lixo; principalmente alguns comestíveis muito utilizados e que, com o tempo, serão causa de doenças e estímulo para o consumo de remédios. E pra onde vão todos estes resíduos, ou subprodutos?
              Papel, papelão, garrafas de  vidro ou plástico, sacos plásticos de todos os tipos e tamanhos, caixas, arames, cordões, madeira, e uma infinidade de materiais são jogados como lixo, mas não são lixo. São materiais reutilizáveis, é possível transformá-los  em outros objetos. São na verdade dinheiro. Então estamos jogando dinheiro no lixo?  Mas quem seria louco de rasgar dinheiro? De jogar dinheiro no lixo?
              Existe também o lixo molhado, ou orgânico, que se constitui de restos de cozinha (cascas de frutas e legumes, restos de alimentos) galhos e folhas que resultam de podas e mesmo a grande quantidade de alimentos que se perdem em feiras  e centrais de abastecimento. Mas será que isso tudo é lixo? Também não! Todo esse material pode ser utilizado na composição de humus, terra vegetal, fertilizantes orgânicos e naturais que transformarão qualquer terra pobre para o plantio em terra fértil e rica para a produção de novos alimentos. È um processo simples e barato que pode ser utilizado na cidade e no campo aumentando e enriquecendo a produção de alimentos saudáveis.
              Então o que é lixo? Fico algum tempo pensando e concluo que lixo, lixo mesmo é filtro de cigarro, que não permite reutilização, e chiclete mascado, que também não serve pra nada. Mesmo os dejetos humanos e animais, em alguns países, são utilizados como fertilizantes e na produção de gás combustível. Não falo  em lixo industrial e lixo hospitalar , que são temas que merecem um estudo à parte.
              Vejamos. Se lixo, lixo mesmo, é filtro de cigarro e chiclete mascado, por que as cidades têm que construir "lixões" e "aterros sanitários" que poderão se transformar em focos de doenças, poluir e envenenar lençóis freáticos, causar futuros desmoronamentos de que estão repletos os noticiários?
              Penso que campanhas de educação e esclarecimento da população sobre a questão do lixo; um bom programa de coleta seletiva, que inclua a organização de catadores e recicladores; o financiamento de pequenas empresas recicladoras, demandariam um pouco mais de tempo e muito menos dinheiro, além de produzir efeitos profundamente benéficos na economia, na participação popular, na cidadania, na autoestima, e na saúde das cidades e suas populações.
              
                                                                                                                                                                            João Nicodemos de A. Neto
(jotanikos@yahoo.com.br)

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Festival Cordas ágio, por Pachelly Jamacaru

Belíssimo Concerto para "todas as idades", aconteceu ontem no Teatro Municipal com os Alunos-Mestres do Pe. Ágio a quem fora prestada a devida homenagem! Um desfile de talentos Clássicos e Populares. O que de mais importancia ressaltar... A valorização do repertório dando ênfase às músicas dos artistas do Cariri. Bravôoooo!

domingo, 27 de janeiro de 2013

luto e desprezo

É um absurdo: há cretinos babacas fazendo piadinhas no Facebook com a tragédia na boate em Santa Maria, RS, citando até música de cabaré pegando fogo.

Aos parentes das centenas de vítimas, meu coração dolorido, minha solidariedade.

Aos cretinos, meu total desprezo. Não os perdôo, eles sabem o que fazem.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

meu amigo Firmino

Essa figuraça aí na foto é um dos meus melhores amigos em Fortaleza: Firmino Holanda, pesquisador, crítico e professor de cinema, cineasta, roteirista, músico, tem uma coleção de vinil riquíssima, e um dos papos mais inteligentes e lúcidos sobre tudo.

Desde os anos 70, quando começamos a fazer filmes em Super-8, que nossa amizade se firmou, pra usar aqui um trocadilho com seu nome. Não conheço outra pessoa mais apaixonada por Glauber Rocha. Veneração total. Nas longas horas em que ficávamos conversando e ouvindo música em sua casa, eu brincava dizendo que ele se benzia ao passar diante de um enorme poster do cineasta baiano fixado na seu quarto-biblioteca. Igual a mim, Firmino é um "catador de papel", guardamos pastas e pastas com recortes de jornais e revista sobre cinema, e trocávamos matérias repetidas.

Outra paixão de Firmino é Orson Welles, e por conta disso publicou o livro "Orson Welles no Ceará", em 2001, uma pesquisa que considero a mais completa e definitiva sobre a passagem do cineasta em terras alencarinas para rodar "It's All True". Escreveu ainda "Benjamin Abraão - Juazeiro, cinema e cangaço", em 2000, outra maravilha de leitura sobre o fotógrafo que filmou Lampião.
Ano passado participou na pesquisa para o ótimo "Cartografia do Audiovisual Cearense", organizado por Luiz Bizerril.

Firmino como músico é uma agradável surpresa: faz trilhas que entendo como arranjos secos e ao mesmo tempo minimalistas.

Louco por Frank Zappa, perguntei-lhe uma vez qual o disco que ele mais gosta do roqueiro de Baltimore, ele respondeu: "todos".

O cineasta Petrus Cariry é um felizardo por ter o Firmino em seus filmes, como roteirista e montador.

Firmino não tem Facebook, não usa celular, nem sequer e-mail. Nem viaja. A saída mais longa dele foi de Fortaleza a Juazeiro, ou foi Crato, e faz tempo.
Computador, para escrever, claro. E apenas. Quando quero falar com ele, telefone fixo, ou mando recado por amigos em comum, como agora: mostra a ele esta postagem, Petrus.

Resolvi escrever sobre meu amigo querido e singular porque, pesquisando sobre cinema cearense, encontrei algumas fotos suas, que nem imaginava. Disso ele não pode se livrar: está na rede nem que não queira.

Abraço grande, meu caro!

Pterossauro




                            "Todas as coisas têm o seu mistério,
e a poesia é o mistério de todas as coisas."
  Lorca

                                   Os Anos 70-80 , no Cariri, se caracterizaram principalmente, na área cultural, por um intenso movimento de  Contracultura, estudado, meticulosa e cientificamente, muitos anos depois, pelos olhos atilados do professor  Roberto Marques. Jovens estudantes, bafejados pelas ondas liberalizantes de Maio de 68; de Woodstock; dos Hippies;  da pílula e da disseminação das drogas; oprimidos, por outro lado, pela Ditadura Militar; sentiram-se tocados na sua criatividade, investindo contra a institucionalizada e centenária Cultura caririense. O Teatro investiu-se de novas linguagens, através dos movimentos estudantis, despertando nomes como Ronaldo Correia Lima, Francisco de Assis Souza Lima, Luiz Carlos Salatiel, José do Vale Filho,  Renato Dantas , Gil Grangeiro, encenando Brecht, Ariano Suassuna e peças de cunho mais autoral. O Cinema trouxe nomes , alguns ainda hoje fortíssimos no cenário nacional, como Rosemberg Cariri, Jéfferson Albuquerque, Hermano Penna, José Hélder Martins, Jackson Bantim. Nas Artes Plásticas brotaram :  Stênio Diniz, Luiz karimai, Normando, Edélson Diniz, Janjão e muitos outros. Na Música : Abidoral e Pachelly Jamacaru, Luiz Carlos Salatiel, Thiago Araripe, João do Crato, Luiz Fidelis, Zé Nilton Figueiredo, Heládio Figueiredo, Cleivan Paiva. A Literatura nos  brindou com : Ronaldo Brito, Francisco de Assis Souza Lima, Emérson Monteiro, J. Flávio Vieira, Roberto Jamacaru e Geraldo Urano. Todos estes artistas e tantos outros se conglomeraram em jornais como “Vanguarda” e “Flor de Pequi”; em publicações como “Cariri Jovem 68 e 69”; nas dez edições dos  “Festivais da Canção do Cariri”; nos “Salões de Outubro”, no “Grupo de Artes Por Exemplo” e no   “Xá de Flor”.  Todo este período áureo da Cultura Caririense, já estudado tecnicamente  e com tanto rigor pelo professor Roberto Marques, está a merecer um trabalho de cunho mais jornalístico , uma biografia lúdica destes lúdicos-loucos tempos.
                                   Este pequeno relato pode parecer irrelevante e enfadonho para quem não viveu esta época. Tende a parecer coisa de velho curuca contando para os seus netos : “Meninos, eu vi!”. Mas, paciência ! Ele surgiu, por conta de uma das mais sensacionais notícias dos últimos tempos. O “Instituto Caravelas” acaba de montar uma Exposição junto ao Centro Cultural Banco do Nordeste em homenagem a um poeta icônico da nossa região : Geraldo Urano. Durante toda uma semana convivemos com shows, performances poéticas, mesas redondas e uma Exposição cuidadosa, expondo a obra do nosso grande bardo. E o mais interessante de tudo : a iniciativa partiu do Instituto Caravelas  que tem no seu corpo amantes da arte da novíssima geração.
                                   A homenagem é mais que merecida. Geraldo Batista, Urano, Mérkur, Efe, multiplanetário,  foi o mais importante poeta caririense dos últimos quarenta anos. Mais que ninguém, Geraldo captou este multifacetado período histórico, pleno de enormes incongruências , de contrastes incontáveis, onde todas as chagas da civilização ficaram imediatamente expostas e era preciso mudar tudo e mudar rápido. Sua poética é única : sem data, sem fronteiras geográficas ou políticas, perpassada por uma fina e doce ironia. Os primeiros rudimentos do Tropicalismo em terras cearenses saíram de suas performances nos nossos primeiros Festivais.  Pronto a adentrar os sessenta anos, recluso, nosso bardo, mais que nunca prova que a Arte é capaz de quebrar os cadeados de qualquer cativeiro.  Suas letras foram musicadas por incontáveis parceiros : Abidoral, Pachelly, Luiz Carlos Salatiel, Cleivan Paiva, Calazans Callou. É dele a letra do principal hino deste período : “Lua de Oslo”.
                                   Em Arte, como nos fenômenos geológicos, os movimentos culturais vão se sobrepondo, como placas sedimentares. O novo nem percebe que está necessariamente montado no velho, no arcaico. O presente é, necessariamente, o passado remasterizado. Algumas vezes, o moderno faz prospecções e se encanta ao descobrir preciosas peças soterradas na história, mas sempre as vê com a curiosidade do arqueólogo, como fósseis. A descoberta de Geraldo Urano pelas novas gerações compara-se à descoberta, pela ciência, de um pterossauro vivo. Foi assim que o nosso poeta surgiu para os olhos brilhantes de inúmeros adolescentes nas performances poéticas. Levantou vôo , trazendo no bico o mistério de todas as coisas, vinha novamente de Urano, de Mercúrio, de Vênus , de Marte, do infinito :   lá onde os poetas tecem seus ninhos.

J. Flávio Vieira

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Mons. Ágio Moreira, aos 95 anos, em plena atividade intelectual!

Visitei o Mons. Ágio e o encontrei numa tranquilidade de monge a escrever obra sobre a espiritualidade do Pe. Cícero Romão Batista ( que já está revisando). Conversamos longamente e rimos muito quando recordamos passagens da vida que compartilhamos quando participei da direção da Solibel - A Sociedade Lírica do Belmonte, quando ainda completava 25 anos (hoje com mais de 40 anos de existência). Foi bom saber que está saudável e com projetos para o futuro.
 

Por falar na Solibel, está acontecendo neste  dias no cariri o II Cordas Ágio, concerto erudito com alunos e ex-alunos da Solibel. sob o comando de Jocélio Rocha.  Domingo, dia 27, tem apresentação no Teatro Salviano Arraes- Cine Teatro Moderno. Vamos prestigiar!

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

domingo, 20 de janeiro de 2013

Novo artigo. Terra e trabalho: as disputas judiciais na Comarca do Crato, na segunda metade do século XIX.


Publiquei na Revista Latino Americana de História, um artigo sobre as disputas judiciais no século XIX que envolviam questões referentes ao trabalho e a terra, no século XIX, na cidade do Crato - CE.


Para acessar todo o número da Revista, clique aqui

Para entrar direto no artigo, este é o link.  


quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

De ladeira abaixo





Rezam os anais da nossa cidade que o primeiro automóvel chegou em Crato, em 1919, por iniciativa do comerciante Manuel Siqueira Campos que terminou imortalizado,  nomeando uma das mais importantes praças de Crato. Nas décadas que se seguiram , com a pujança do nosso setor mercantil, o carro foi se tornando uma presença cada vez mais constante nas nossas ruas. Os antigos Fords Bigodes foram sendo substituídos , pouco a pouco, por modelos mais modernos : Buicks, Cadillacs, Mercedes, Mercurys, Simcas.  Após a II Grande Guerra,  começaram a chegar os caminhões que transportavam cargas , mas, também, travestiam-se de transporte coletivo interurbano. Vezes feitos pau-de-araras , tantas outras transformados em Mistos, levavam passageiros ,mundo a fora, por estradas terríveis e quase intransitáveis, num incômodo inimaginável nos dias de hoje.  Comparadas, no entanto, com as viagens longas, em lombo de animais, os caminhões traziam consigo o cheiro inevitável do novo :  maiores velocidade e conforto.
                        A tecnologia ainda primária dos primeiros veículos pesados, somada à tortuosidade natural de algumas estradas , como as que beiram a nossa Chapada do Araripe, elevavam, consideravelmente, o risco de acidentes. Ficaram famosas, na nossa região , a Ladeira das Guaribas aqui em Crato e a do Quincuncá em Farias Brito. Rodagens íngremes e extensas se associavam a fitas de freios aquecidas e terminavam desembestando caminhões, ladeira abaixo, com incontáveis vítimas. Até uns poucos anos atrás, a nossa Batateira via-se , diariamente, aterrorizada, temendo a chegada descontrolada de caminhões sem freio invadindo suas ruas e casas.
                        Pois o que vou contar vem desta época de heróicos desbravadores. Contava-se por aqui, com o exagero natural dos descendentes da Vila de Frei Carlos, esta historinha que buscava exemplificar o risco que era descer de caminhão a Ladeira das Guaribas.
                        Chagas vinha ,do Pernambuco, com um caminhão carregado de romeiros . Iam tomar a bênção ao  padrinho, pagar promessas e alimentar a indústria azeitada dos santeiros e fabricantes de rosários. Na famosa descida da serra, na altura da Barraca Verifique, o freio quebrou. O veículo começou a embalar, ladeira abaixo ,e o destino era mais que previsível: ou caía no abismo à direita ou, na melhor da hipóteses, desceria todo o percurso, equilibrado na munheca atilada do chofer e , ganhando velocidade e mais velocidade , terminaria por esborrachar-se nas casas da Batateira.  Os passageiros perceberam rápido o perigo e sojigados  entre ficar o serem comidos pelo bicho ou correr e ser pego por ele, arriscaram na segunda possibilidade. Começaram a saltar do caminhão em disparada: o desmantelo estava feito. Pernas quebradas, pescoços torcidos, pé-de-ouvidos ralados. Em pouco, tinham já pulado todos os romeiros da carroceria e da boléia. Chagas, por incrível que possa parecer, manteve-se firme na direção, aprumando ladeira abaixo. Para sua felicidade, já na proximidade das Guaribas, as rodas caíram na valeta à esquerda junto às  escarpas do Araripe. Adiante , perdendo carreira, as rodas travaram num grotão e o carro, por incrível que pareça, parou, ao arrastar o diferencial  pelo chão.
                                   Atrás , tinha restado um rastro de destruição. Romeiros feridos, ex-votos espalhados, alguns corpos sem vida. Aos poucos, os acidentados foram levados ao hospital, por carros que iam passando. Chagas permaneceu, ainda, por muito tempo, na boléia, sem entender o que tinha acontecido e deixado de acontecer. Uma viagem tão tranqüila! Como, de repente, se estabelece tamanho caos ?
                                   Uma hora depois chegou ao local um radialista. Resolvera entrevistar o  chofer, quando soube  da tragédia, através das vítimas que atulhavam a emergência do hospital. Aproximou-se o repórter do motorista e interrogou-o sobre o inusitado da cena:
                                   --- Amigo ! Parabéns, quanta perícia ! Você é um herói, meu chapa !Mas me diga uma coisa, por que você não fez como os passageiros e pulou do carro ?
                                   Chagas, ainda capiongo e confuso, explicou:
                                   --- É que eu carrego pregada aqui no tabeliê do carro, próximo ao volante, uma imagem do meu santo de devoção : São Cristovão ! Com ele, meu amigo, pra mim não tem tempo ruim !
                                   O radialista subiu na boléia , curioso em conhecer o santo milagreiro:
                                   --- Cadê o santo ? Me mostre !
                                   Chagas  escascaviou todo o quadro do caminhão e não encontrou o santo. Procurou embaixo --- poderia ter caído nos solavancos--- e nada ! Olhou, então, convicto  para o repórter e concluiu:
                                   --- O negócio foi mais feio que briga de foice no escuro. Pois na hora do pega-pra-capar, meu senhor, não é que até São Cristovão pinotou fora também,  pra num ver o destroço !



J. Flávio Vieira