sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Pterossauro




                            "Todas as coisas têm o seu mistério,
e a poesia é o mistério de todas as coisas."
  Lorca

                                   Os Anos 70-80 , no Cariri, se caracterizaram principalmente, na área cultural, por um intenso movimento de  Contracultura, estudado, meticulosa e cientificamente, muitos anos depois, pelos olhos atilados do professor  Roberto Marques. Jovens estudantes, bafejados pelas ondas liberalizantes de Maio de 68; de Woodstock; dos Hippies;  da pílula e da disseminação das drogas; oprimidos, por outro lado, pela Ditadura Militar; sentiram-se tocados na sua criatividade, investindo contra a institucionalizada e centenária Cultura caririense. O Teatro investiu-se de novas linguagens, através dos movimentos estudantis, despertando nomes como Ronaldo Correia Lima, Francisco de Assis Souza Lima, Luiz Carlos Salatiel, José do Vale Filho,  Renato Dantas , Gil Grangeiro, encenando Brecht, Ariano Suassuna e peças de cunho mais autoral. O Cinema trouxe nomes , alguns ainda hoje fortíssimos no cenário nacional, como Rosemberg Cariri, Jéfferson Albuquerque, Hermano Penna, José Hélder Martins, Jackson Bantim. Nas Artes Plásticas brotaram :  Stênio Diniz, Luiz karimai, Normando, Edélson Diniz, Janjão e muitos outros. Na Música : Abidoral e Pachelly Jamacaru, Luiz Carlos Salatiel, Thiago Araripe, João do Crato, Luiz Fidelis, Zé Nilton Figueiredo, Heládio Figueiredo, Cleivan Paiva. A Literatura nos  brindou com : Ronaldo Brito, Francisco de Assis Souza Lima, Emérson Monteiro, J. Flávio Vieira, Roberto Jamacaru e Geraldo Urano. Todos estes artistas e tantos outros se conglomeraram em jornais como “Vanguarda” e “Flor de Pequi”; em publicações como “Cariri Jovem 68 e 69”; nas dez edições dos  “Festivais da Canção do Cariri”; nos “Salões de Outubro”, no “Grupo de Artes Por Exemplo” e no   “Xá de Flor”.  Todo este período áureo da Cultura Caririense, já estudado tecnicamente  e com tanto rigor pelo professor Roberto Marques, está a merecer um trabalho de cunho mais jornalístico , uma biografia lúdica destes lúdicos-loucos tempos.
                                   Este pequeno relato pode parecer irrelevante e enfadonho para quem não viveu esta época. Tende a parecer coisa de velho curuca contando para os seus netos : “Meninos, eu vi!”. Mas, paciência ! Ele surgiu, por conta de uma das mais sensacionais notícias dos últimos tempos. O “Instituto Caravelas” acaba de montar uma Exposição junto ao Centro Cultural Banco do Nordeste em homenagem a um poeta icônico da nossa região : Geraldo Urano. Durante toda uma semana convivemos com shows, performances poéticas, mesas redondas e uma Exposição cuidadosa, expondo a obra do nosso grande bardo. E o mais interessante de tudo : a iniciativa partiu do Instituto Caravelas  que tem no seu corpo amantes da arte da novíssima geração.
                                   A homenagem é mais que merecida. Geraldo Batista, Urano, Mérkur, Efe, multiplanetário,  foi o mais importante poeta caririense dos últimos quarenta anos. Mais que ninguém, Geraldo captou este multifacetado período histórico, pleno de enormes incongruências , de contrastes incontáveis, onde todas as chagas da civilização ficaram imediatamente expostas e era preciso mudar tudo e mudar rápido. Sua poética é única : sem data, sem fronteiras geográficas ou políticas, perpassada por uma fina e doce ironia. Os primeiros rudimentos do Tropicalismo em terras cearenses saíram de suas performances nos nossos primeiros Festivais.  Pronto a adentrar os sessenta anos, recluso, nosso bardo, mais que nunca prova que a Arte é capaz de quebrar os cadeados de qualquer cativeiro.  Suas letras foram musicadas por incontáveis parceiros : Abidoral, Pachelly, Luiz Carlos Salatiel, Cleivan Paiva, Calazans Callou. É dele a letra do principal hino deste período : “Lua de Oslo”.
                                   Em Arte, como nos fenômenos geológicos, os movimentos culturais vão se sobrepondo, como placas sedimentares. O novo nem percebe que está necessariamente montado no velho, no arcaico. O presente é, necessariamente, o passado remasterizado. Algumas vezes, o moderno faz prospecções e se encanta ao descobrir preciosas peças soterradas na história, mas sempre as vê com a curiosidade do arqueólogo, como fósseis. A descoberta de Geraldo Urano pelas novas gerações compara-se à descoberta, pela ciência, de um pterossauro vivo. Foi assim que o nosso poeta surgiu para os olhos brilhantes de inúmeros adolescentes nas performances poéticas. Levantou vôo , trazendo no bico o mistério de todas as coisas, vinha novamente de Urano, de Mercúrio, de Vênus , de Marte, do infinito :   lá onde os poetas tecem seus ninhos.

J. Flávio Vieira

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