"Eu
não acredito em caridade.
Eu acredito em solidariedade.
Caridade
é tão vertical: vai de cima para baixo.
Solidariedade
é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro.
A maioria de nós tem muito o que aprender com
as outras pessoas."
Eduardo Galeano
Há algo de
novo pairando por sobre o céu do Cariri,
além dos urubus, das pipas e do Aedes
aegypti. Paulo Freire, com a
clarividência que carregava um dos maiores educadores da humanidade, afirmava
que havia lutado toda vida para que a justiça social chegasse primeiro que a
Caridade. É que a Caridade, amigos, é sempre meio vertical, como tão bem
esclareceu nosso Eduardo Galeano; ela, em geral, não traz consigo aquele
sentido libertador. De alguma maneira, os caridosos transparecem, claramente,
que gostariam que continuassem a miséria e a pobreza para que eles nunca
parassem de minorar seus muitos conflitos interiores ajudando aos famintos e
pobrezinhos. Se eles não mais existirem, o que será de nós ? --Devem pensar
consigo mesmos . As classes mais favorecidas sempre se indignam quando a miséria lhes bate aos olhos.
Reclamam daquela ignomínia, todos são perfeitamente a favor da distribuição de
renda, desde que não se mexa, um pouquinho que seja, com o nosso
quinhão. Qualquer iniciativa no sentido de reverter um pouco este quadro
dantesco, a coisa pega fogo. Vejam o Bolsa Família! A revolta da elite é geral
: estão viciando os pobres! Desde que inventaram isto, não se arranja mais
empregada doméstica , nem trabalhador rural !
Revoltam-se por já não poder pagar uma diária de dez reais ao homem do
campo e um terço de salário mínimo aos seus domésticos! O negócio é pagar uma
miséria e depois compensar com uma caridadezinha e ficar-se imaginando,
depois, o maior benfeitor da humanidade,
com poltrona garantida na corte celestial !
O
ouvinte, talvez, não tenha percebido, mas há algo de novo nos ares
caririenses, nos últimos três anos. Um
grupo de adolescentes ,quase duzentos, todos de Classe Média, reuniu-se, há três
anos, nas férias escolares, e montou um Projeto chamado : “Vem, vai ter
Sorriso !” O intuito é pedir doações
junto à comunidade e depois distribuir cestas básicas com as famílias mais
carentes que são escolhidas, ,
cuidadosamente , em entrevistas nos bairros mais pobres. Os meninos visitam o
comércio, fazem pedágio e promovem shows beneficentes para arrecadação de
alimentos não perecíveis. A última edição do Projeto, acontecida em janeiro e
fevereiro últimos, amealhou quase três toneladas de víveres. Os shows
aconteceram no SESC/ Crato , por todo um
final de semana, o SESC que ,como sempre,
tem sido o templo da cultura cratense. Inúmeras bandas caririenses
compareceram, levando sua contribuição musical , estimando-se um público de
mais de duas mil pessoas no evento. O “Vem , vai ter sorriso” não aceita
qualquer ingerência nas suas ações seja de política partidária, de grupos
religiosos, de entidades comerciais ou filantrópicas. O projeto não é centrado
em figurinhas carimbadas, as decisões são tomadas sempre em reuniões amplas.
Utilizam, ainda , os meios de comunicação onde circulam com mais desenvoltura :
as Redes Sociais. O poder de arregimentação deles é impressionante !
Recentemente foi motivo de uma extensa reportagem televisiva veiculada no Noticiário
do Cariri e em todo o Ceará.
O
ouvinte pode não entender o que há de novo no “Vem, vai ter sorriso!” Vemos,
novamente, as novas gerações preocupadas com as questões sociais que lhes
mancham os olhos. Podiam estar em bares, em festinhas, nos clubes, metidos com
vícios de cardápio variado, mas, ao
invés disso, de repente, de forma espontânea, resolvem pingar um pouco das
gotas que têm em mãos para tentar apagar o incêndio. Percebem que a solução
para as nossas graves doenças sociais depende de política pública, mas não
cruzam os braços e esperam as iniciativas de Brasília. Sabem que cada um de nós
, por vontade própria, é também capaz de minorar a fome de alguns, de fazer
brotar sorrisos , de aplacar o sofrimento, assumindo nossa parte, independentemente
das ações de outros agentes sociais.E o mais importante de tudo é que, saindo
do abrigo, da cômoda vida de todos, da estabilidade familiar, de chofre se vêm
diante de outras realidades penosas e desumanas. Muitos , ao entregarem as
cestas, saem das palhoças com olhos marejando e isto é engrandecedor. Aprendem
valorizar as pequenas coisas desta vida e, mais, despertam para a necessidade
de mudança, com a certeza de que o mundo é um sistema de vasos comunicantes e
que não é possível ser feliz sozinho. A solidariedade é sempre um caminho de
duas mãos : ofertamos por uma das vias e nos beneficiamos pela outra.
O
“Vem , vai ter Sorriso! “ traz um novo alento para o mundo, deixa-o mais
respirável, mais róseo, mais oloroso. Os meninos talvez não tenham descoberto
ainda, mas, como já se disse: restará sempre um pouco de perfume nas mãos
daqueles que ofertam flores...
J. Flávio Vieira
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