terça-feira, 28 de maio de 2013

"Santa"... pode ??? - José Nilton Mariano Saraiva

 Tendo o próprio homem como ator principal, de uns tempos até aqui a questão relativa ao meio ambiente tem assumido proporções outrora inimagináveis, por conta do acelerado processo de degradação que atravessa o planeta Terra. Houve, poderíamos assim considerar, como que um despertar para a gravidade do problema, porquanto influenciaria na própria sobrevivência da raça humana. 
Partindo-se de tal pressuposto, eis que, não mais que de repente, a tal “camada de ozônio” se tornou tema obrigatório em reuniões de cúpula, em ambientes festivos, no boteco da esquina, em salões de beleza, nos estádios de futebol e, enfim, onde se façam presentes duas ou mais pessoas. Tanto é que, quem se arrisca a subtrair uma simples folha de uma árvore já passa a ser olhado com desconfiança, quando não repreendido pelo grave “crime” cometido. 
A coisa chegou a tal ponto que, embora todos reconheçam ser a energia elétrica vital ao desenvolvimento de qualquer grande nação, construir uma usina hidroelétrica em uma área de floresta (que precise ter uma ínfima área inundada, para a formação do respectivo lago que moverá suas turbinas), tornou-se tarefa das mais problemáticas (vide as dificuldades postas por ambientalistas brasileiros, em razão da decisão do Governo Federal de aproveitar os caudalosos e perenes rios da região amazônica a fim de erguer duas ou mais usinas que irão aumentar a nossa produção de energia e, conseqüentemente, alavancar de vez o nosso desenvolvimento). Sob a alegativa de que tal construção irá provocar o “desequilíbrio” do meio ambiente, pugnam os reclamantes pela suspensão da obra, mesmo que isso implique na condenação do país a, literalmente, não enxergar o próprio futuro.
O arrazoado acima é só pra lembrar que, aqui em Fortaleza, numa área bastante valorizada, em plena Av. 13 de Maio, no ainda aprazível Bairro de Fátima, se localiza uma igreja (das mais concorridas) que homenageia Nossa Senhora de Fátima: a Igreja de Fátima. Em frente à mesma, do outro lado da avenida, uma pracinha agradável é “point” obrigatório de coopistas, fiéis da santa, transeuntes à espera do transporte e, enfim, trata-se de logradouro dos mais movimentados da cidade.

Pois bem, não é que de repente, sem que ninguém esperasse, no centro da praça e de frente para a Igreja, resolveram construir uma imensa estátua da “santa” (deve ter uns 15/20 metros) muito bem trabalhada e que se tornou espécie de atração turística. Só que, por pressa ou excesso de entusiasmo, não atentaram que duas imensas, antigas e frondosas árvores se punham exatamente em frente à estátua, obstando sua visão, por quem, por exemplo, saía da Igreja ou simplesmente trafegava pela Av. 13 de Maio. E então, sem choro nem vela ou ranger de dentes, puseram-nas a pique, sem maiores delongas. Se houve ou não autorização para tal, ninguém sabe, mas a pergunta que se impõe, é: se o mortal comum, governos, instituições e por aí vai, não podem mexer uma folha de uma árvore qualquer, sob pena de está cometendo um crime grave, por qual razão só a “santa” pode ???  Por quê ???     

quinta-feira, 23 de maio de 2013

O Condicionado



“E, aquele
Que n
ão morou nunca em seus próprios abismos
Nem andou em promiscuidade com os seus fantasmas
N
ão foi marcado. Não será exposto
Às fraquezas, ao desalento, ao amor, ao poema.”
Manoel de Barros

                                   Raimundo Arruda Sobrinho, um velhinho simpático de 74 anos, viveu os últimos vinte anos, como morador de rua, no canteiro central da avenida Pedroso Morais,  na Zona Oeste de São Paulo. Nascera no Tocantins , filho de um vaqueiro, viera tentar a sorte na capital paulista, ainda rapazinho , após   ser reprovado na segunda série ginasial. Como todo migrante, meteu-se nas mais variadas profissões,  desde  jardineiro a  vendedor de livros velhos,inclusive com passagens em hospitais psiquiátricos Tentou a vida ainda como migrante ilegal no Paraguai, na Argentina e no Uruguai . Até 1978 já computava mais de quatorze endereços, quando , definitivamente, fez da rua seu bangalô. Em 1993, por fim, adotou o canteiro central da avenida Pedroso Morais, como seu lar. Barba longa e desgrenhada, higiene precária, roupas em frangalhos.   Ali, na dura selva urbana,  conviveu com a fauna típica do submundo brasileiro : esmoleres, bêbados, prostitutas, bandidos, traficantes, descuidistas, menores abandonados e adolescentes delinquentes  de classe média jogando o  seu  esporte preferido : churrasco de mendigo.
                                  
A história de Raimundo não é tão diferente da de outros tantos desafortunados da sorte que, órfãos de família , de emprego, de amigos e de amparo social, terminam por sujar, incomodamente,  a paisagem das grandes metrópoles. Moram numa outra dimensão , como se prematuramente tivessem morrido e , agora, invisíveis, vagassem como zumbis pelas praças e pelas ruas. Alguns fatos específicos, no entanto, diferenciam a vida de Arruda e que terminaram por fazer com que a história, estranhamente,  findasse com final feliz. Raimundo, sem mais nem porque, começou a escrever, quase que continuamente, aquilo que ele denominou de minipáginas. Redigia e ia oferecendo aos transeuntes que por ali passavam, em retribuição a alguma esmola por eles oferecida. Algumas, no entanto, colecionou cuidadosamente em  caderninhos, preparados com papel de embrulho. Escrevia a qualquer hora,  nada o atrapalhava, nem mesmo o barulho dos carros que freneticamente cruzavam ao derredor. Se chovia, enfurnava-se num plástico e continuava seu mister , sentado numa lata de dezoito litros. Utilizava um pseudônimo : “O Condicionado”. Condicionado a viver ao relento, a lutar diuturnamente contra as feras da floresta urbana, a sobreviver entre trapos e migalhas.
                                    Recentemente,  Shalla Monteiro, com o aguçado fato dos publicitários,  interessou-se pela história de Raimundo e por seus escritos, e terminou conseguindo localizar um irmão dele em Goiânia. O irmão, com muito esforço, conseguiu tirá-lo da rua e lhe proporcionar uma moradia digna, com o precioso calor da família. Arruda já se acostumara àquela jaula e temia sair da selva onde já aprendera a viver ou  sobreviver aos lobos e aos abutres.
                                   A poesia de Raimundo é caótica e  fragmentária. Uma extensão da sua vida : um mosaico de cacos e estilhaços de momentos .  Literariamente não parece carregar grande valor . Rescende, no entanto, um imenso peso humanístico e artístico. A Arte para ele foi redentora. Sobrinho, como uma Sherezade moderna, foi escrevendo, por mais de vinte anos,  suas histórias para não ser trucidado pelo Sultão que se chamava , agora,  Miséria. Linha após linha, página após página foi desfiando  suas mais de 7300 noites.  Ele é uma espécie de Arthur Bispo do Rosário da Literatura. Diante de um mundo cruel e hostil, criou um universo poético paralelo e para lá se mudou. Viveu e sobreviveu literalmente da sua Arte por muitos e muitos anos. Residiu nos seus abismos mais abissais  e conviveu promiscuamente com todos os seus fantasmas, talvez tenha sido por isso mesmo que a Poesia  se lhe tenha oferecido voluptuosamente como uma fêmea no cio.

J. Flávio Vieira

quarta-feira, 22 de maio de 2013

O "poder pelo poder" - José Nilton Mariano Saraiva


Depois de “bater de frente” com integrantes do próprio Poder Judiciário, ao colocar em dúvida a honestidade de propósito de alguns deles (estariam criando novos tribunais sem que houvesse necessidade, mas tão somente objetivando auferir dividendos), agora o “Joaquimzão” Barbosa (Presidente do Supremo) direcionou sua metralhadora giratória para o Poder Legislativo, ao peremptoriamente verbalizar uma verdade cristalina, mas que, embora  todos tivéssemos conhecimento, nunca nos foi dada a oportunidade de expô-la: que os nossos partidos políticos são de “mentirinha”, que no meio político (Congresso Nacional) vige a filosofia do “poder pelo poder”, que inexiste qualquer consistência programático-ideológica por parte dos seus integrantes e, enfim, que legislam em causa própria, sem preocupar-se com os destinos do país.  
Por conta de tais declarações, o “bafafá” tá feio lá em Brasília, com os políticos se fazendo de ofendidos, posando de vítimas, reclamando da deselegância do Ministro e de uma presumível interferência do Judiciário no Legislativo e por aí vai.
Agora, aqui prá nós, cearenses, o retrato emblemático do que disse “Joaquimzão” Barbosa está contido no currículo do falastrão senhor Ciro Gomes, que já foi filiado à  Arena (1979-1980); PDS (1980-1983); PMDB (1983-1988); PSDB (1988-1996): PPS (1996-2003); e PSB (a partir de 2003).
A pergunta é: o que tais agremiações têm a ver entre si ??? Onde a consistência programático-ideológica de tamanha salada de siglas ??? Cadê a coerência do senhor Ciro Gomes ???
Portanto, ponto pro “Joaquimzão”.

"Responsabilidade" - José Nilton Mariano Saraiva


Definitivamente, quem se dispõe a expor de forma cristalina e didática suas idéias em algum instrumento de domínio público (blogs, jornais, revistas, etc) há de ter em mente a tremenda “responsabilidade” contida no bojo de tal atitude, porquanto aceitando compulsoriamente tanto o bônus como o ônus do “conjunto da obra”.
Tanto é que, até como forma de se prevenir ou resguardar, no “caput” de cada um desses instrumentos os responsáveis colocam a observação pertinente: os conceitos e opiniões emitidos são de responsabilidade única e exclusiva do autor da cada postagem.
Claro que, como cada cabeça é um mundo, bem como em razão da miscelânea de estilos redacionais, haverá sempre e sempre espaço para discordâncias, mumunhas, embates, contradições, e por aí vai. 
Afinal, difícil acreditar que a preferência de um se constitua unanimidade num universo tão vasto (lembremo-nos que, segundo Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra), tendo em vista que, enquanto “fulano” é contundente e afirmativo em sua explanação, “sicrano” usa e abusa de “sabonete” o tempo inteiro, tornando-se escorregadio por excelência; enquanto uns não têm qualquer receio ou temor em se expor, outros primam pela precaução excessiva (que poderia ser catalogado por medo ou conveniência).  Temos, então, a tal “liberdade de expressão”, garantida pela nossa Constituição Federal.
A reflexão acima é só para reafirmar que assumimos conscientemente o desiderato, sem jamais ter em mente agradar ou desagradar a A ou B. Apenas colocamos nossa visão particular, individual e intransferível do mundo e, conseqüentemente, nos responsabilizamos por cada palavra posta. 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Encontro reunirá pipeiros no Crato



O mês de maio é sempre propicio para a brincadeira de pipas na cidade do Crato (CE).  Esse ano, a comunidade do Gesso realizará evento denominado de  “Pipada no Gesso” que visa reunir crianças e adultos na brincadeira que teve origem com os chineses há cerca de 3000 anos.  

A pipa também conhecida como papagaio,  pandorga ou raia fez parte da infância de várias gerações. No Crato, o Campinho dos Meninos do Gesso é um dos locais tradicionais para a prática da brincadeira.

Segundo os organizadores,  a Pipada não tem caráter competitivo e visa fortalecer a ocupação criativa da comunidade no campinho dos Meninos do Gesso que já vem sendo ocupada com outras atividades como jogos de futebol, brincadeiras de bila, pião, malhação dos Judas e Dia das Crianças.  

A Pipada será um evento aberto e colaborativo, aonde as pessoas não precisarão fazer inscrições, basta levar sua pipa e brincar. No local haverá oficina de produção de pipas e registros fotográficos.

O evento conta com a parceria do Coletivo Camaradas, Blog do Alexandre Lucas, Projeto Nova Vida, Programa Nacional de Interferência Ambiental – PIA  e a Comunidade do Gesso.

Serviço:
Pipada no Gesso
Dia: 26/05/2013
Horário: 8h00 (manhã)
Local: Campinho dos Meninos do Gesso    
Colabore com doação de materiais: Linhas, Papel Seda, Sacos Plásticos e cola. Informações: 96616516.       

sexta-feira, 17 de maio de 2013

A tortuosa estarda do sonho



                                                                                
                                   Ali estava bem na sua frente e era um deslumbramento. Parara ofegante e atônito, como um menino que balbucia as primeiras palavras de amor para a namorada. Saíra com a inglória missão de comprar um presente para o aniversário do filho, esta difícil e impalpável arte de calçar  a matéria no sonho alheio. De repente, diante dos seus olhos, como se pronunciasse o abracadabra ou o abre-te-sésamo, aparece o objeto de todos os desejos da sua já distante  infância.                                                                                                                             



                                  
  Fora pirralho pobre e desde cedo precisara aprender a inventar os seus próprios brinquedos. A duras penas , aprendera a fazer o pião com um tronco de goiabeira e um prego; o “triângulo”, mais simples , o precedera, quando entortou a extremidade de um arame e afiou a outra ponta numa pedra de amolar facas. Depois viera o caminhão, doce enlevo da sua meninice, que fabricara desfazendo uma velha caixa de madeira e dela construiria todos os módulos: a boléia, a carroceria, as rodas ( a mais difícil tarefa) e até os amortecedores --  feitos das aspas metálicas que recobriam a caixa e que davam ao carrinho um discreto molejo, tão importante para as manobras mais radicais. As bolas de gude   (  de aço ,as preferidas) eram conseguidas dos mecânicos da redondeza, que as tiravam de rolamentos “gripados”. Depois vieram os carrinhos de rolimã , os patinetes construídos com tábuas e rolamentos, que eram o terror do sono de todos os vizinhos Fez-se clone  de Ícaro ,também , montando   “pipas” com papel celofane, pedaços de madeira e “grude de goma”. Os “papagaios”, ao serem empinados, como que alçavam aos céus o dourado enleio da sua  infância ( enleio que um dia se perdeu no espaço,  ao ser cortado pelo brusco cerol da adolescência).                                                                                                                   .                                                                                                    



                                          Uma vez , pisando na sombra do pai, tinha tido um encantamento igual ao de hoje : diante de si um ônibus feito artesanalmente, de quase meio metro, com inúmeras cadeiras no seu interior , as laterais fabricadas de lata e pintadas, onde se lia, em letras transversais: “Viação Cometa”. Lembra, como se fora ontem,  atanazara tanto o pai para comprar aquela maravilha,  que terminou por ganhar o mais comum presente do seu tempo: uma surra monumental.



                                  Hoje, no entanto,  se sentia o mais feliz homem do mundo: podia dar ao filho o mais almejado presente da sua vida de guri. Comprou-o, trêmulo, como se tivesse voltado  trinta anos .  Cerrou os olhos um pouco, enquanto o vendedor lhe trazia o troco, e se viu apenas de calção listrado, com barbante na mão,  à guisa de volante,  e dirigindo cuidadosamente aquele ônibus que por tantos e tantos anos foi o cometa de todos os seus desejos. O tilintar do troco no balcão o fez viajar , num átimo, três décadas de volta. Tomou do embrulho valioso e partiu célere para casa, na expectativa de ver ,nos olhos do filho,  a felicidade que poderia ter brilhado nas suas próprias retinas tantos anos atrás...



                              Mal abre a porta, berra, ofegante :



                   ---Filho, olha o presente de aniversário que eu trouxe pra você!



                              O menino corre e rasga o invólucro, vorazmente, sem nenhum critério artístico. De repente emerge do papel picotado , o ônibus reluzente. O filho , porém, não reluz como o ônibus,  o olha sem entusiasmo e pergunta, sem graça:



                   ---- Pai, o que é que ele faz, hein? Tem controle remoto, anda sozinho?



                             O pai, triste,surpreso,  ainda pensou em explicar que aquele carrinho fazia tudo: andava sozinho, corria, subia ladeiras e rampas, até voava e tinha controle remoto sim: A imaginação. Mas já não adiantava, o guri, hipnotizado,   agora fixava seu pensamento  apenas no videogame e o sonho de infância do pai estava ali jogado no chão em total desamparo --- um ônibus que capotara , perdera em algum lugar a sua força lúdica,  e era agora um  veículo  enferrujado,  obsoleto , sem rumo claro e sem destino previsível.

J. Flávio Vieira 
( Do livro : "A Delicada trama do labirinto")

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Água no Leite - José do Vale Pinheiro Feitosa


A corrupção é uma marca tão essencial ao capitalismo que não pode ser codificada em normas morais e éticas. A natureza em si do sistema econômico capitalista é extrair vantagens que podem ir ao limite da destruição do outro. Talvez a única coisa que ameace ao sistema é a negação da propriedade privada de quem acumulou. Por outro lado quem nada tem, pode até sentir-se ameaçado numa discussão de cinco reais, uma vez que existe um sentimento contínuo de perigo sobrenadando a existência dos pobres no sistema capitalista.

Os movimentos fascistas, os braços nervosos dos varões de Plutarco contra a corrupção, o púlpito do demônio alheio jogam sempre com este perigo inerente aos pobres que vivem num sistema cuja natureza é tirar deles e concentrar no “mérito” de alguém. Quando o sistema Globo inventou Collor de Mello jogou com este sentimento generalizado no povo brasileiro: o Caçador de Marajás. A rigor os “donos-do-poder” faziam uma jogada perigosa: levantavam a lebre da raiva popular contra aqueles que tudo lhes tira dirigindo tudo ao Governo e aos políticos, mas num lapso de marketing a consciência poderia brotar ali. Os verdadeiros acumuladores de riquezas (num mundo finito quem acumula retira de alguém) são verdadeiramente outros.

São os construtores. Os patrões das terras. Os industriais e seu exército de executivos. Os comerciantes e atravessadores. Os fornecedores e prestadores do Estado. Os especuladores na Bolsa. Os banqueiros com os escolhidos do rentismo e vai neste tipo de personagens e suas narrativas de vida.

Um exemplo de inerência corruptora temos nos 15 milhões de litros de água adicionado ao leite no Rio Grande do Sul. A fórmula era simples: 10 gramas de ureia diluída num litro de água e adicionada em nove litros de leite. A ureia, aliás, é uma das primeiras substâncias orgânicas a ser sintetizada em laboratório e foi a que derrubou a teoria de Pasteur de que as substâncias orgânicas só poderiam ser sintetizadas num organismo vivo. Como vimos existem muitos vivos mais “vivos” que o comum dos vivos.

Tem-se um padrão de qualidade para os alimentos. Ao fazer a adição corrupta os fraudadores estavam na mesma lógica dos juros bancários, do preço das mercadorias, dos salários dos trabalhadores e por aí vai. Acontece que tal adição foi levantada por dentro das instituições do sistema e nesse sentido o argumento da inerência estaria prejudicado. A explicação se encontra no fato de que o próprio processo de acumulação por ser autofágico precisa ser freado em seu poder destruidor a ponto de perder a natureza sistêmica e se tornar uma mera destruição aleatória.

Aumentar a água do feijão para encher o prato da família faminta é uma solução diferente de aumentar a água no leite para se obter lucro além daquele que já se encontra acordado. A água adicionada ao leite é igual às escolhas da alimentação escolar feitas por funcionários municipais (incluindo vereadores, prefeitos e secretários) para atender à negociação com fornecedores que financiam a vida privada e política de alguns.  

sábado, 11 de maio de 2013

Quando algo que é esconde o que não é - José do Vale Pinheiro Feitosa


Os cabelos brancos que vendem.

A americana Cindy Joseph de 60 anos é uma requisitada modelo para campanhas publicitárias no seu país. Seus cabelos não pintados, completamente brancos, vendem a imagem para o país que envelheceu demograficamente.  Esta é a explicação mais importante?

Não. O fenômeno é a crise americana. Os mais jovens não têm oportunidade e os mais velhos que ainda gozam de alguma grana da poupança feita ao longo da vida são os consumidores com grana no bolso. Então o público alvo com dinheiro se compõe dos mais idosos e tome cabelos brancos nas campanhas para vender bugigangas ao ócio de aposentados.

 O que parece ter base na realidade nem sempre é a principal explicação.  

Por exemplo, que o sal é um importante fator para o aumento da pressão arterial. Por isso a população afrodescendente no Brasil teria maior tendência à hipertensão pela sujeição, geração após geração, a uma dieta rica é sódio através das carnes salgadas.

Mas a questão é outra. Na travessia entre a África e as Américas a desidratação e a fome matavam por vezes mais da metade dos prisioneiros que seriam vendidos nos mercados de escravos. Eram muitos jovens os prisioneiros e não suportavam as condições do transporte de dias através do Atlântico. Quem sobrevivia mais? Quem eram os mais resistentes?

Os jovens que eram naturalmente mais poupadores de sódio. Estes conseguiam reter mais sódio e mais líquidos e resistir à morte. Esta seleção tem enorme peso para explicar a razão de ao serem submetidos a dietas altas em sódio com as carnes salgadas de terem maior tendência hipertensiva: eles não necessitam tanto sódio. São poupadores de sódio.

São mais probos aqueles que correm as ruas a denunciarem a corrupção? São mais democratas aqueles que levam seu tempo a condenar os regimes socialistas? São mais religiosos aqueles ferozes guardiãs dos poderes hierárquicos do templo? O capitalismo livre e solto, sem concorrente ideológico, mostrou-se o mais elevado padrão político do progresso humano?

O farisaísmo é a fantasia preferida neste vasto baile de mascarados. O mais destacado totalitário renega a alteridade na primeira fila das pedradas nos “pecadores” da ordem. O cetro de sua eminência é lustrado todos os dias pelas mãos suaves de unhas ferinas em nome da fé. Agora a palavra é a do mercado livre, amplo e solto em sua gloriosa locução aos desempregados do mundo.  

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Enxugando gelo



Vocês já devem ter percebido a grande polêmica que invade as redes sociais. A Frente Nacional de Prefeitos,  desde o início do ano, vem pressionando o Governo  com o fito de contratar médicos estrangeiros para atender ao SUS, principalmente nos grotões mais inóspitos do país. Existe, pois, uma mobilização no sentido de contratar seis mil médicos de Cuba e Portugal,, principalmente, na busca de solucionar essa demanda historicamente consolidada.  Diversas Entidades Médicas, capitaneadas pelo Conselho Federal de Medicina, se puseram , imediatamente, por razões técnicas, contrárias à iniciativa. A Direitona brasileira, por sua vez, range os dentes e espuma,  sempre que soa o nome Cuba nos ares. Nem lhes interessa muito discutir a questão, pensa , imediatamente, que Fidel está vindo com seus guerrilheiros invadir o país  e comer criancinhas.  Há razões plausíveis do lado das entidades médicas, dos prefeitos e do Governo Federal para adotarem uma ou outra postura. Interessa-nos dissecar anatomicamente o problema e tentar encontrar caminhos em meio ao tiroteio de lado a lado. Até mesmo porque , exatamente no meio do fogo cruzado, encontra-se a população mais necessitada, sempre baleada,ferida  mas, mesmo assim,  usada como massa de manobra nessas intrigas e arranca-rabos dos cachorros maiores.

            O Brasil tem hoje 400.000 médicos , uma proporção de exatamente dois esculápios para cada 1000 habitantes: o dobro da necessidade mínima preconizada pela OMS.  A grosso modo esta estatística demonstra que temos profissionais suficientes no país para atender a nossa população. Existem, no entanto, filigranas que precisam ser avaliadas. Possuímos, por outro lado, um grande problema de distribuição. Os médicos no Brasil, na sua maioria, residem nos  grandes Centros , nas Capitais, no litoral.  72% desses estão fincados nas Regiões Sul e Sudeste. Em São Paulo existe um médico para cada 239 habitantes, em Roraima um  para cada 10.306 almas. No Amazonas, um estado de enorme dimensão territorial,  88% dos médicos residem em Manaus. O acesso aos cuidados médicos depende assim, intrinsecamente, da nossa geografia. Se você mora no interior do Brasil e nas regiões Nordeste e Norte certamente se verá em grandes dificuldades quando precisar de consultas, exames ou internamentos. Vamos, amigos, para ter uma visão mais abrangente, tentar entender a perspectiva de cada uma das partes envolvidas .

            Os governantes dos estados com menor oferta de médicos se vêem politicamente cobrados pela população, no sentido de ampliar a oferta de profissionais. Acossados pela desassistência e sua inevitável conseqüência nas urnas, pressionam as esferas superiores no sentido de minorar o problema. Eles sabem, perfeitamente, que não é apenas o salário ofertado o imã suficiente para atrair profissionais: a questão é bem mais complexa. Compreendem que o grosso do atendimento está sendo feito por pajés, meizinheiros, “cientistas”, balconistas de farmácia, rezadores. Todos sem nenhum diploma que pudesse ser revalidado. Depreendem daí , rapidamente, que qualquer médico, com qualquer nível de qualificação, é melhor que médico nenhum.

            As Entidades Médicas, que têm a função precípua de regulamentar a atividade no país,  não se sentem capazes de validar diplomas estrangeiros , sem saber , realmente, como o profissional foi formado e qual seu nível de qualificação. Mais cedo ou mais tarde, fechando os olhos para isso, percebem que os Conselhos se verão atulhados de processos éticos e penais , o que termina por colocar ( bons e maus profissionais)    na mesma corda bamba, como farinha de um mesmo angu indigesto.

            Já o  Governo Federal, de há muito , tem se incomodado com essa realidade da má distribuição de médicos no país. Desde a famigerada Revolução de 64, vem fazendo proliferar as Escolas Médicas no Brasil. De 2000 a 2010 as Faculdades de Medicina dobraram por aqui. Na sua maior parte, privadas. Hoje temos quase duzentas. Ingenuamente,  imaginavam nossos governantes que inflacionando o mercado de profissionais, a competição aumentaria e a distribuição se faria imperiosa. Não foi isso que aconteceu. Até os médicos estrangeiros em atividade por aqui estão mais concentrados no Sul e Sudeste. Médicos aqui se formam para tratar quem pode pagar. Formam-se especialistas e não generalistas: apenas 0,5 % dos médicos brasileiros são especialistas em Medicina Preventiva e Social. E mais : preparam-nos  para tratar e não para prevenir.  Ademais, o governo interroga as Entidades Médicas : Por que exigir qualificação dos estrangeiros apenas ?  O PSF no Brasil se compõe, basicamente, de  médicos  recém formados e aposentados. Passariam no teste do Conselho Federal ?  é importante lembrar que  o Governo traz junto o apoio da Organização Pan-Americana de Saúde ( OPAS) e há uma verdade indiscutível: no que tange à Medicina Preventiva , os médicos cubanos são extremamente bem capacitados.

                        Os médicos brasileiros, por sua vez,  isoladamente ou em grupo, protestam contra a contratação dos estrangeiros. Defendem uma certa reserva de mercado.  Poucos, no entanto, por qualquer preço que lhes fosse oferecido, com a maior estabilidade possível, deixariam o conforto da beira mar e dos recursos mais modernos que a Medicina oferece, para se enfurnarem, como bandeirantes, naquilo que chamam de fim de mundo. As novas gerações de esculápios são muito mais cartesianas que hipocráticas.

                        O mais importante, no entanto, ao meu ver é o entendimento que qualquer solução que se tome, com ou sem estrangeiros, é perfeitamente emergencial e temporária. Os médicos estrangeiros , se vierem, não ficarão definitivamente e, mesmo se receberem visto permanente, que garantia teremos que permanecerão nos grotões do Brasil ? A grande pergunta que permanece no ar é : como fixar nossos esculápios em todo o Brasil, com uma distribuição de profissionais menos perversa ? Como diminuir a volatilidade nos PSF ? Se é o mercado a grande fábrica das vocações médicas, é para ele que nos devemos voltar. Não é tão-somente o salário que atrai o médico. A coisa é bem mais complexa e passa por estabilidade no emprego, possibilidade de ascensão  funcional, qualidade de vida , horizontes amplos de exercício de  uma Medicina moderna, com formação continuada. Precisaríamos, assim, ter uma carreira federal , de preferência com dedicação exclusiva, regulamentada trabalhisticamente, com começo, meio e fim claros e, mais, salário muito atraente para oferecer aos nossos médicos do Programa Saúde da Família. Teríamos a possibilidade de revitalizar a especialidade de Médico de Família e  de Medicina Preventiva e Social. Já tivemos algo parecido na história com a Fundação SESP. O grande gargalo parece ser, mais uma vez, o subfinanciamento da Saúde. Só no Ceará necessitaríamos de algo em torno de 2300 profissionais.

                        O SUS, com todas as críticas que se lhe faça, conseguiu, em pouco mais de vinte anos, mudar radicalmente para melhor nossos Indicadores de Saúde. Doenças de controle Vacinal desapareceram, a Mortalidade Infantil teve um decréscimo vultoso, a Esperança de Vida melhorou de forma impressionante. Já pensou se houvesse orçamento suficiente ? Continuamos, em algumas questões como a da distribuição, a malhar em ferro frio: não tocamos nas raízes mais profundas dos nossos problemas. Com ou sem estrangeiros,   ainda permanecemos enxugando o gelo na esperança inglória de um dia secá-lo, agora com toalha importada.

J. Flávio Vieira