J. Flávio Vieira
Alguém
comparou ao que aconteceu naquele seis de agosto em Hiroshima, a bomba que começou a
pipocar em Matozinho naqueles dias. A cidade ficou em polvorosa, em
pé-de-guerra. Todos temiam pelas próximas revelações escabrosas que iam
explodindo continuamente, como uma bateria de fogos nas novenas de Santa
Genoveva. Esperava-se, a cada instante, pela bomba grande : aquela que finaliza
qualquer espetáculo de show pirotécnico.
Nunca se entendeu bem como o primeiro fósforo encostou na rastilho de pólvora.
Parece que tudo partiu do prefeito Sinderval Bandeira, também conhecido por
Bandalheira. Consta que ele se viu preocupado com as manifestações de julho que
tomaram conta de Matozinho , contra algumas falcatruas descobertas na sua
administração. Coisa de somenos importância: fraudes nas licitações,
desviozinho de verbas do Fundo de Participação, pagamento de propinas aos
vereadores para aprovação de alguns projetos do interesse do executivo. Nada
que não faça parte das atividades curriculares de um bom político brasileiro. Os
estudantes calabrearam as caras com barro do Paranaporã e saíram em passeata
com cartazes : “Fora Bandalheira!” Mas há também quem impute as raízes do
problema surgido depois a alguns fatos preocupantes , chamados
oficialmente de Atentados
Terroristas da Oposição. Em março, nas
comemorações do 7 de Setembro, em Matozinho, a Banda Cabaçal viu-se impossibilitada de fazer sua
apresentação, por conta de um ato claramente terrorista : passaram pimenta
malagueta na boca de todos pífaros e em meio aos froc- froc dos beiços inchados
friccionando a embocadura dos pífaros, terminou-se por cancelar o evento. Na
Festa da Padroeira, por sua vez, sabe-se lá quem, colocaram uma bomba
cabeça-de-negro debaixo do altar da missa campal , que explodiu na hora da
elevação, lançando hóstias consagradas para tudo quanto é lado, fazendo com que
Padre Arcelino quase não torne da pitingula que deu. Por fim, nas comemorações
do Dia do Município, um terrorista misturou um vidro de óleo de rícino no
imenso panelão coletivo em que se faz tradicionalmente o muncunzá comemorativo
da festa. Servido, faltou moita ao redor
de duas léguas e os cabras terminaram
comprando sabugo a preço de ouro.
O
mais provável, no entanto, é que tenha sido a proximidade das eleições a grande
força motriz que acabou desencadeando os eventos futuros. Política acirrada em
Matozinho, Bandalheira passou a temer o crescimento do candidato de oposição,
Juju Cangati. Precisava , assim, de informações privilegiadas sobre o andar da
carruagem do seu adversário. Montou-se ele , então, nos motivos mais palatáveis
: Risco de a Al qaeda está instalando um escritório terrorista em Matozinho e a
necessidade de acompanhar os reclamos das manifestações de rua. Foi assim que
criou,meio secretamente, por Decreto, o
S.I.M. : Serviço de Informações de Matozinho. Que foi apelidado pelo povo de
DEFOCAMA : Departamento de Fofocas Cabeludas de Matozinho. Para presidi-lo
convocou Totonho Meia Cabeleira, um
barbeiro da cidade, conhecido por dar notícias
da vida de todo mundo nas redondezas. Naqueles grotões, sabia, perfeitamente ,
sem rádio, sem TV, sem telefone, os únicos profissionais habilitados neste
ofício eram os fofoqueiros.
Meia-Cabeleira não se fez de rogado,
mediante a carta branca cedida por Sinderval, passou a montar sua equipe com
profissionais escolhidos a dedo. D. Firulina no Centro da Cidade; D. Afonsina
do Sabugo nas imediações e zona rural; Aprígio Língua de Cobra em Bertioga; D.
Alterosa , também conhecida como “Urêia de Tisgo”, responsável pelas
informações das cidades circunvizinhas e ainda “Sueldo Boca de Sapo”, o
carteiro, com permissão expressa de curiar todas as correspondências, lendo-as
antes de chegar aos destinatários.
Não
foi difícil formar a equipe de fofoqueiros profissionais que já faziam sua função por mero prazer e,
agora, seriam remunerados. Só existia um probleminha: exigia-se deles sigilo
absoluto o que feria o Código de Ética
da profissão. O certo é que a partir da
estruturação do S.I.M. , Sinderval passou a navegar em oceano pacífico. Antecipou-se
a manifestações, negociando antecipadamente com os revolucionários: oferecia
empregos na prefeitura aos chefes dos movimentos. Obras destinadas a municípios
próximos eram rapidamente desviadas para Matozinho, já que o prefeito alertado
pelos fofoqueiros de plantão, procurava os políticos responsáveis pelos
projetos e oferecia-lhes vantagens extras. Além do mais, de posse de informações
privilegiadas trazidas principalmente
por Sueldo , chantageava inimigos políticos e adversários ameaçando-os de
revelar escândalos descobertos pelo S.I.M..
O mais importante de tudo foi a eleição do seu candidato, vencendo todas
as expectativas contrárias. O DEFOCAMA conseguiu infiltrar um fofoqueiro na
campanha do adversário que passou as estratégias da campanha do candidato de oposição
e, aí, foi sopa no mel.
Sinderval
estava satisfeitíssimo com os trabalhos do seu J.Edgar Hoover, ali conhecido
como Juju Meia Cabeleira. Não existe solução, no entanto, que não traga junto inúmeros
outros problemas. Um dia, “Boca de Sapo”
levou uma carta ao vapor da panela e descobriu uma informação terrível. Era uma
missiva de um parente seu , desafeto, encaminhada para um irmão dele em São
Paulo e lá estava escrito claramente : Sueldo estava levando chifre do prefeito. Mas seria verdade ? Fez campana e terminou descobrindo que a
informação procedia. Endoidou o cabeção, pensou em matar a esposa e o amante.
Resolveu , no entanto, mole como era, fugir. Partiu para uma cidade distante da
região norte do estado. E de lá, começou a desencadear sua vingança. Passou a
enviar cartas anônimas a inúmeros cidadãos de Matozinho revelando as fofocas
mais cabeludas. Padre Arcelino tinha um colete com o Coroinha : encontravam-se
na sacristia à noite e, depois de se entornarem de hóstias e vinho, brincavam
de esconde-esconde. Sinderval comprara várias fazendas nas cidades próximas
colocadas sempre no nome de laranjas e citava uma por uma, com documentação. A
mulher do juiz era falsa à bandeira e o traía com Pedro Jurubeba, esgotador de
fossas da cidade. As cartas chegavam religiosamente toda semana, sempre para
pessoas diferentes mas escolhidas entre aquelas que tinham maior língua e,
sempre, vinham acompanhadas de provas. A cidade vivia um clima de terror,
esperando a próxima revelação na semana seguinte. Quem tinha culpa no cartório
estava torando diamante com anel de couro.
Sinderval
, o detentor do maior rabo de palha da
cidade, entrou em choque. Usou meios políticos para tentar prender seu
ex-funcionário e repatriá-lo para Matozinho, para que viesse sofrer as devidas sanções. O governador do estado, no
entanto, Rubião Tebroso, feroz opositor de Sinderval, soube do acontecido e
protegeu Boca de Sapo. Em represária , Sueldo, a cavalheiro, contra-atacou.
Começou a revelar os podres dos seus antigos companheiros de S.I.M : Firulina,
Aprígio, Alterosa, Afonsina. Acossados eles resolveram, então, abrir o jogo, em
revanche, e puseram todo o esterco de
Matozinho e vizinhança no ventilador. Foi assim que se descobriu que Sinderval,
não era Sinderval, mas Bianca Butterfly
até fazer a cirurgia de mudança de sexo e que a santa Madre Filismina do convento
de Nossa Senhora das Saponáceas era proprietária da Boite Sorriso da Noite na
Rua do Caneco Amassado.
Na
prova oral de história no Colégio Pedro Cangati, semana passada, em meio ao
fogo pós Bomba de Matozinho, a professora perguntou ao aluno:
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Quem descobriu realmente o Brasil, Pedrinho ? Vicente Pinzón ou Pedro Álvares
Cabral ?
Pedrinho
assuntou e, não teve dúvidas:
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Acho que foi Sueldo Boca de Sapo, Fessora!
Crato, 09/08/13
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