quarta-feira, 29 de outubro de 2014

De cima ou de baixo : um mesmo Brasil

 J. FLÁVIO VIEIRA

          Brasi de Baxo subindo,
Vai havê transformação    
E a liberdade de imprensa
Vai sê legá e comum,
Em vez deste grande apuro,
Todos vão te no futuro
Um Brasi de cada um.
Patativa

                                               O certo é que o ninho tucano já tinha preparado o alpiste e o xerém para comemoração. A Grande Mídia, devota aliada, já havia colocado o smoking para a festa e havia filhotes por todo o terreiro esperando o aviso para começar o rapapé. O diabo é que o tiro saiu pela culatra e todos ficaram encandeados com o brilho de uma estrela que resplandeceu nos céus do Brasil. Baile desfeito, fantasias rasgadas, o desapontamento da Mídia levou-a, imediatamente, a buscar culpados pelo cancelamento das festividades. E o culpado mais óbvio, quem seria? Ora, o mordomo !
                                   De imediato os colunistas dos grandes jornais, mostrando mapas e infográficos, tentavam demostrar que o país estava dividido: Norte e Nordeste, todo vermelho ; Sul, Sudeste e Centro-oeste azuis. A pobreza, o atraso, a dependência econômica haviam eleito a candidata pior. As Redes Sociais, de repente, se viram atulhadas de insultos , impropérios, ameaças, ditos preconceituosos contra nortistas e nordestinos, coisas dignas do III Reich. E o bombardeio não pára !  A Casa Grande não se conforma  com qualquer movimento abolicionista, parece que vivemos ainda em pleno Século XIX.  Se o eleito tivesse sido o candidato tucano, com a mesma margem de votos,  a linha editorial seria completamente diferente. Não haveria divisão, estava tudo perfeito, a virada era mais que esperada, finalmente brotava a esperança no país. Basta ver todo o material pronto pela UOL, ligada à Folha de São Paulo, já pronto para comemoração, que terminou vazando depois da derrocada. Só encômios e elogios ao bravo povo brasileiro.
                                   A divisão alardeada é a mais perfeita falácia. Não  os chamo de levianos porque dá um azar miserável. Segundo os publicitários , o povo, em todo o mundo, vota de maneira pragmática. Todo eleitor pensa especificamente em que candidato, se eleito, poderá melhorar sua vida pessoal e profissionalmente. O nosso bem-estar próprio é o que conta, a felicidade da nação é apenas uma questão distante e filosófica.  Os médicos apoiaram abertamente os tucanos ao se sentirem feridos pela quebra da reserva de mercado trazida pelo “Mais Médicos”.  Assim, na França, Bordeaux é historicamente socialista, única e exclusivamente porque seus habitantes entendem que são os socialistas que têm uma sensibilidade maior para seu meio de vida : as vinícolas. A Flórida é secularmente Democrata e a Califórnia Republicana. Se se reparar direitinho, não dá para pintar as regiões do Brasil de Vermelho ou Azul.  Aécio ganhou no Sul e no Sudeste, mas lá Dilma teve mais de 26 milhões de votos, inclusive mais que em todo Norte-Nordeste.  Cotejem , minunciosamente,  Fortaleza, onde Dilma teve franca maioria, possivelmente perdeu nas urnas da Aldeota e do Meireles. No Leblon, no Rio, Aécio saiu vitorioso. Em  Caetés, Pernambuco, terra de Lula, Dilma teve 90% dos votos, mas 10% escolherem o tucano. Em São João Del Rey, terra do peessedebista, Aécio teve 65% dos votos, mas 35 % sufragaram o nome  da Dilma. Em Minas , estado natal do peessedebista, ele levou uma peia histórica. Se houvesse a divisão alardeada pela mídia e pintada no mapa do Brasil, Aécio teria sido o grande vitorioso, com uma margem gigantesca de votos. Simplesmente a população vota naqueles em que mais confia para resolver seus problemas mais prementes.  Pois foram os brasileiros espalhados no  Sul,  Sudeste,  Norte, Centro-oeste e Nordeste que deram a maioria absoluta à candidata petista.  Há de haver  razões mais justas para explicar o fenômeno.
                                   A elite brasileira tem que entender : o voto de cada um dos brasileiros tem o mesmo valor, independente de raça, cor, grau de instrução, poderio econômico. Os ricos e remediados sentiram-se  feridos em seus interesses por conta da regulamentação do emprego da doméstica ( ninguém pode mais ter empregada!); pela melhoria das condições de vida da pobreza que agora tem moto e carro e ninguém mais anda no trânsito; por ter aparecido nos aeroportos, coisa antigamente só de grã-fino; por não mais querer trabalhar no campo , só que com diárias de R$ 10,00.  Antes de apregoar que foram os votos comprados pelo Bolsa Família o responsável pela derrota do tucano, têm que afinar primeiro o discurso. Em off chamam o Bolsa Família de “Bolsa  Fome”, “Bolsa Esmola” , o “ vício do cidadão”. No microfone e no palanque pousam de pais do Programa .  Deduz-se, então, seguindo-se as premissas da elite,  que se D. Ruth e FHC são os pais, então, foram eles os reais responsáveis pela derrota do PSDB nestas eleições.
                                   A divisão alardeada  é perigosa e potencialmente mortal, quando incita preconceitos vis e seculares.  A Globo, a Bandeirantes, a Record, o SBT, a Folha de São Paulo, o Estadão estiveram em oposição franca e determinada à Presidente Dilma. A “Veja”, numa atitude criminosa, antecipou uma edição, nas vésperas do pleito, com denúncias caluniosas e sem prova, tentando mudar o curso inevitável da história. Sabemos que a liberdade de imprensa significa a plena liberdade do grande capital em veicular as informações de seu interesse, pois é ele que financia a Mídia. Pois é essa mesma trupe que agora tenta seccionar o país no meio, enfiando na cabeça do povo que foram os esfomeados e esfarrapados que elegeram o PT, em troca de um prato de feijão.
                                   Se deseja , um dia, retomar o poder, a elite brasileira precisa  compreender o Brasil em toda sua dimensão e complexidade. O mundo vai bem além da Avenida Paulista.  Justiça Social tem que preceder à Caridade. O Brasil, historicamente, não é vermelho ou azul, mas de todas as cores e essa é nossa mais importante grandeza.


Crato, 29/10/14

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