J. Flávio Vieira
Todo verão, amigos, --não se enganem não !—lá se vem uma moda
nova. Tivemos uma infinidade delas que se alternaram na mesma regularidade das
estações. Já vieram: o Walkman, o
Celular, a máquina digital, o smartphone que, de alguma maneira, terminou por
fundir muitas outras funções. Com ele, chegou uma das mungangas mais incríveis
desses tempos : os selfies. O cabra bate selfie com o defunto no
cemitério; ensanguentado no acidente que
acabou de sofrer; com a namorada na cama depois do venha-ver. E, mais que tudo!
Manda imediatamente para as redes sociais, pois já não existe vida possível
fora da virtualidade. Sem se mostrar para os outros, não é possível sobreviver.
Cada uma dessas invenções trazem,
consigo, a ideia de ascensão social. Não ter no verão uma dessas estrovengas ,
remete, imediatamente, o sujeito para a
base da pirâmide e , de lá, não dá para ver o sol e nem se deleitar com a
sombra. Claro que, em pouco, as feiras populares, fervilhantes vão se
apropriando dessas modas , com produtos alternativos, para que o povaréu não
fique na pior e possa também, de esguelha, bicorar um pouco desse paraíso de
consumo. Quando a classe privilegiada descobre que o filho da empregada já
possui a última novidade, a moda , imediatamente, é sustada e se inventa outra.
O ciclo, como um moto-contínuo, se vai repetindo.
A moca desse verão, por incrível que possa
parecer, é o tal do “Pau de Selfie”. Talvez o leitor já tenha visto este
penduricalho por aí. O sujeito usa um suporte para agarrar o Smartphone , dando
uma certa distância, e facilitando o enquadramento, ao abrir mais o ângulo da
selfie a ser tirada. As praias, os pontos turísticos se encheram destes “paus”,
nestas férias, dava para se fazer uma apresentação de “Maneiro-pau”, se Mestre
Cirilo topasse a brincadeira. Imaginem a dificuldade de carregar um trambolho
desses, nas viagens, junto com uma infinidade de outras quinquilharias. Na
Chapada Diamantina, um dos mais bonitos espetáculos , o pôr-do-sol visto do
Morro do Pai-Inácio. Lá se postam inúmeros turistas , cada qual com o seu
pau-de-selfie ( felizes, impávidos e orgulhosos com o novo aparelho), filmando
o espetáculo e privando-se, assim, de assistir a ele. Vale mais o registro e,
principalmente, a possibilidade de mostrar aos outros o vídeo, depois. A beleza
do crepúsculo não interessa, degustá-lo, calmamente, nem pensar ! Nada de beber
o Champanhe ! Vamos é mostrar aos amigos o rótulo do Moet-Chandon ! Freud
diria, quem sabe, observando o brilho incandescente nos olhos dos
pausistas, que o pau-de-selfie, é um
símbolo fálico, imprimindo aos seus proprietários um poder viril avassalador e
inusitado.
Dizem
os pausistas, justificando a aquisição, que a importância do pau-de-selfie seria se bater a foto sem
precisar incomodar ninguém. Se se refletir um pouco, veremos que a própria
Selfie vai além do simples narcisismo. Há , por trás do retrato tirada por mim
mesmo, uma certa dose de individualismo: eu sou eu e não preciso de ninguém! O
pau de Selfie é, apenas, um aperfeiçoamento dessa arrumação. Houve um tempo, em
que, nas viagens, as pessoas , solicitamente, pediam para os companheiros
baterem suas fotos e retribuíam o favor, tirando a de outras pessoas e outros
casais. Quantas amizades não começaram nestes simples contatos? Quantas
paqueras não se encetaram, motivadas pelas fotografias que se iam alternando ? Se
se reparar bem, esse individualismo tem sido um dos sintomas mais fortes dos
tempos em que vivemos. As pessoas fogem dos relacionamentos como o satanás da água benta. Amizades já não se
fazem entre companheiros de trabalhos ou colegas de classe, até, porque, já não
são colegas, mas concorrentes. As pessoas preferem, cada vez mais, os encontros
ocasionais às relações mais sólidas. Casais já não querem filhos sob o pretexto
que dá muito trabalho, atrapalha a vida pessoal e , economicamente, é um investimento
muito desfavorável.
As cidades, assim, parecem ter uma população
muito grande, mas , na verdade, têm encolhido dia após dia, vêm se tornando
desertas, simplesmente porque cada um dos seus habitantes deixou de viver na
megalópole e passou a habitar no seu próprio mundo. Os habitantes de São Paulo
cabem numa selfie. Claro que existe uma
praça gigantesca onde periodicamente muitos se encontram : as Redes Sociais.
Essa encontro asséptico, no entanto, evita o toque, o olho-no-olho, o beijo, o
abraço e, talvez, por isso mesmo, tenha se tornado tão importante e desejado.
Dá a falsa impressão de que não estamos sós no mundo, que temos mais de dois
mil amigos que nos curtem e que, assim,
a solidão não nos baterá à porta.
O
problema é que as grandes questões do planeta precisam cada vez mais do
diálogo, da dissolução de diferenças seculares entre os homens, da conversa, da
compreensão e da visão holística. Nosso barco está à deriva e cada um dos
tripulantes mete a cabeça no buraco, como avestruz, acreditando que o iceberg
que está logo à frente não lhe diz respeito. Antes do impacto final estarão
todos no convés , com seus pau-de-selfie para registrar o fabuloso naufrágio do
Titanic.
A ver:
ResponderExcluirSELFIES, BELFIES...
http://preblog-pg.blogspot.com.br/2015/01/selfies-belfies.html