terça-feira, 1 de março de 2016

CIDADÃO RESPEITÁVEL - Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro (*)

Apesar da homenagem recente no Clube Internacional, aonde fui condecorado “Homem do Ano”, sinto uma tristeza profunda e não consigo dormir. Não só a idéia da morte iminente me atormenta, mas o destino da minha alma, a visão do inferno. Não é justo que se reserve isso a um cidadão respeitável e com uma vida inteira dedicada ao Brasil.

Fiz o que todos fizeram. Desde criança, procurei refletir a imagem paterna e, usando de esperteza, cair nas graças do pai. Se havia algo errado, os castigos iam para os irmãos menores, embora quase sempre eu fosse o verdadeiro culpado. Ele sempre me perdoou, até mesmo quando comecei a bater carteira. Acredito que a criança é o pai do homem e nunca conheci o fracasso, o sucesso é mais importante que a amizade.

No colégio ou na universidade, atento ao rumo dos ventos, tornei-me conservador, direitista e defensor intransigente dos valores familiares. Fui contra o Jango, vibrei com o AI-5 e identifiquei vários comunistas disfarçados. Até hoje, não entendo como alguns colegas escaparam. Ao sair da universidade, abracei os negócios e sempre lutei pelo Brasil.

No tempo do milagre, entrei na política, fiz empréstimos, ganhei concorrências e construí um patrimônio razoável. Estávamos no rumo certo e não fosse o comunismo remanescente na Igreja, o país seria bem melhor. Fui generoso com quem participou da repressão e gostei de ver um guerrilheiro torturado. O castigo depura o pecador e tenho certeza de que ele saiu dali melhorado.

Tenho saudade dos militares. Não sei por que voltaram aos quartéis e os vermelhos estão mandando. O comunismo é indestrutível, à semelhança do mal e do pecado. Não existe PT nem PSDB, é tudo PCB, muda somente a embalagem. O príncipe das trevas é um cavalheiro, alguém já disse e nada mais verdade. Povo no poder, bolsa família, merenda escolar, direito trabalhista... Chega de assistencialismo e atraso! Outro dia, um empregado quis me perturbar. Para servir de exemplo, desapareceu. Nas minhas empresas não existe conflito entre capital e trabalho.

Quase esqueço, mas também sou banqueiro. Falam mal dos bancos, mas o acesso ao dinheiro traz progresso e felicidade. Obviamente, juros e taxas são indispensáveis. O problema é que as pessoas gastam mais do que podem. Uma vez, uma viúva estúpida, invadiu o meu gabinete chorando. Não tinha mais onde morar por que executei a hipoteca de sua casa. Outros que perturbam, são os aposentados. Fazem empréstimos irresponsáveis e querem que a gente os sustente. Sinto muito, capitalismo é isso aí. O banco faz a sua parte, empresta dinheiro e o Brasil vai pra frente. São as regras do mercado.

Agora, vou bater carteira na Beira-Mar. Talvez assim eu melhore. É um hábito antigo que Deus compreende. Veio da infância, como já contei. Nem o psiquiatra, nem o Colégio Militar conseguiram consertá-lo. O doutor falou que sou misantropo, homofóbico e misógino. Gostei muito e vou consultar o dicionário.

O que me angustia é o inferno e a morte. Mas, creio na justiça divina, tenho lugar garantido no céu. Hoje, saí novamente no jornal: locomotiva empresarial, segundo o colunista. Por que me preocupar com bobagem? Tenho a consciência tranqüila. Sou patriota e cidadão respeitável.

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(*) Demóstenes Gonçalves Lima Ribeiro, médico-cardiologista, natural de Missão Velha, atualmente residindo e exercendo o ofício em Fortaleza-CE  

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