domingo, 4 de setembro de 2016

HERÓI - Dr. Demóstenes Ribeiro (Cardiologista)

Quando eu cheguei ao Rio de Janeiro, depois de longa viagem, o Brasil já estava na guerra. Desempregado, me alistei voluntário e sonhava retornar como herói. Stalingrado, Normandia, Monte Castelo e Montese não me saíam da cabeça. A toda hora eu me via triunfal, entrando em Berlim com o Exército Vermelho e atirando no nazismo o disparo final.

Logo a guerra acabou e arranjei trabalho. Comecei como aprendiz de mecânico e, vagando pelos cabarés da Lapa, conheci João Cândido, mestre-sala dos mares, o navegante negro, um mito entre os boêmios do lugar. Mas, o sonho agora era voltar pra casa.

Um dia, voltei e a cidade quase não mudara. O campo ia invadindo a periferia e a miséria continuava. Alguns coronéis espertos e seus descendentes brigavam pela prefeitura. Desde aquela época, roubar o dinheiro público era um bom negócio.

E fui recebido com admiração inesperada. Não me fizeram perguntas, pareciam saber tudo a meu respeito. Envolveram-me com uma aura imerecida e que eu não entendia muito bem. Vai ver, alguém espalhou que eu lutara na Itália e que no combate matara um oficial alemão, trazendo a sua máuser como troféu.

Sossegado, eu vivia de pequenos trabalhos na oficina. No aniversário do município ou no Sete de Setembro, estava sempre à frente do desfile com a farda de ex-combatente e a minha pistola. Era um tempo democrático. Pelo rádio de pilha e pelo jornal “Novos Rumos,” ouvi falar da Revolução Cubana e de justiça social. Outros também ouviram e formamos um pequeno grupo. Nos dias de feira, eu, Aéri, Zé Cadete... A gente reunia alguns trabalhadores e conversava sobre liga camponesa e reforma agrária, salário e carteira profissional.

A vibração foi grande quando Jânio renunciou e Brizola garantiu a posse de Jango. O socialismo parecia perto e, no delírio, não enxergávamos a marcha da reação. Veio o golpe militar e tudo mudou. Segundo delatores e oportunistas, nós e outros camaradas daríamos apoio aos guerrilheiros da serra do Araripe. Quando eles chegassem, o prefeito e o delegado, o padre e o juiz, o sacristão e as beatas mais fanáticas não escapariam do paredão. Fui preso, tomaram a minha máuser e nunca mais eu pude desfilar.

Agora, Dilma caiu, Prestes está morto, Cuba agoniza e a União Soviética não há mais. No entanto, a miséria sertaneja, as favelas, a violência urbana provam que eles não venceram e a evolução da história é inevitável: cedo ou tarde, o socialismo democrático vingará.

Não sou nem fui herói. Mas, se não me perguntaram, por que eu iria destruir a fantasia de quem era dono tão somente de ilusões? Na verdade, jamais estive na Itália, nunca mataria alguém e aquela pistola eu comprei de um velho malandro na Praça Mauá.






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