sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

De Luas e Eclipses

                                         

                                                                           J. Flávio Vieira
  Pois é, amigos,  desembestado o carro de ladeira abaixo, à procura do despenhadeiro, todas as previsões sobre o desastre iminente, são meras especulações. Cada um interpreta à sua maneira a causa possível da pane : freio quebrado, barra da direção fraturada, pouca habilidade do motorista,  e o posto de gasolina concorrente pode imputar o destroço a combustível adulterado. Todas os itens vêm à baila, ao sabor das emoções e dos interesses de cada um .
                                   Falar em veículo desgovernado remete imediatamente ao Brasil, nos tristes e temerosos dias em que vivemos. Pedem para que apertemos os cintos, mas como fazê-lo se o piloto ao invés de sumir, nunca existiu ? Um sindicato de sicários tomou de posse o poder, amparado pela mídia e pelo judiciário . O carro foi colocado estrategicamente no topo da ladeira íngreme, com um motorista incompetente e  cego,  sem óleo de freio. Não era previsível a desabalada carreira em busca do abismo ? O grande problema é que não éramos meros espectadores, sequer percebemos que na verdade somos todos passageiros desta viagem às profundezas abissais do pélago mais profundo.
                                       Sob o pretexto de combate à corrupção, afastamos a presidenta eleita. A única figura pura, limpa e imaculada em toda este filme de terror. Se por acaso alguma falcatrua houvesse em seu nome, já não teriam encontrado ? Colocamos um vice de história suspeitíssima para assumir o cargo, que convocou auxiliares que nem Fernandinho Beira Mar aceitaria. Caiu ,até agora um ministro, a cada mês, por conta de denúncias de irregularidades e desvios. O Presidente da Câmara está preso, o Presidente do Senado tornou-se réu e o líder do presidente  no Senado é o Jucá , aquele que melhor definiu a necessidade do golpe : estancar a sangria.
                                       A Lava-a-Jato faria um bem imenso ao país, se não fosse caolha , se seus dirigentes não atirassem em todos os pássaros e não tivessem um cuidado todo especial para com a preservação de um dó deles: os tucanos. Com medidas seguidamente ao arrepio da Constituição, instâncias superiores omissas, salários estratosféricos, a quem devemos recorrer , ao Chapolin Colorado ? Aos poucos a população vai percebendo quem deve pagar o pato da FIESP : o povo ! Seus direitos têm sido continuamente cassados, o desemprego vai às alturas, o PIB mergulha no pântano, o pouco que restava do patrimônio público vai sendo entregue de mão beijada ao capital estrangeiro, a desigualdade social volta a crescer e com ela suas tensões.   O remédio amargo, que fossiliza o Brasil por vinte anos, não vai surtir efeito. Estamos na UTI , com o governo respirando com ajuda de  aparelhos midiáticos !
                                  As classes mais abastadas que lutaram desesperadamente pelo golpe , embasbacas , se calam. As panelas de teflon já não soam. As camisas verde-amarelas estão mofando no baú. Por que ? Não eram todos bem intencionados, revoltados off e on line com a corrupção? Agora ela está mais que nunca escancarada, as vísceras da política estão expostas. As delações atingirão mais de cem deputados. Cozinheiros da nação, vamos à luta ! A corrupção não era uma ilhazinha no oceano da política brasileira, como concluiria nosso Simão Bacamarte, a corrupção é todo um continente e, talvez, todo o planeta !
                                    Mas tudo isto não era previsível?  As razões que levaram à defenestração de uma presidenta eleita nada tinham a ver com boas intenções. É o mesmo movimento separatista que , historicamente,  alimentou a escravidão por quase quatro séculos, que destruiu o arraial de Canudos, que bombardeou o Caldeirão !  Não dá para viver bem na Casa Grande se não se tem a Senzala do lado. A felicidade de cada um de nós depende da desgraça do outro. Só nos satisfazemos e nos sentimos plenos, comparando-nos com a penúria , a fome, a miséria do vizinho. Sem este contraste, profundamente anticristão, no país que se autoproclama o mais católico do mundo, não nos sentimos completos. A minha Ferrari só tem importância se for única,  se todos os outros andarem de jumento.
                                      Agora, os mesmos filhinhos do papai que gritam nas redes sociais contra a Ditadura de Cuba, saem nas ruas pedindo a volta dos militares, claro só possível num estado de exceção. Computam os que foram mortos na Revolução Cubana por perseguição ideológica, mas não conseguem fazer as contas dos que morreram no Brasil,  nos últimos sessenta anos,  de causas perfeitamente evitáveis como fome, diarreia, violência urbana, infecções respiratórias, miséria, incúria governamental.  Se opõem a que juízes e promotores respondam por crimes de responsabilidade, como se os magistrados, infalíveis e imaculados, fizessem parte das hostes celestiais e só tivessem que prestar contas ao criador. Ah mas se revoltam quando juízes matam pessoas como em Sobral e vivem soltos; quando desembargadores vendem sentenças e pegam por pena apenas a aposentadoria; quando policiais enquadram magistrados dirigindo sem documentação e embriagados e , ao invés de condecorados, são penalizados por terem cumprido a lei.
                                        Estamos vivendo um momento crítico no país, talvez um dos mais sérios da nossa história. O primeiro passo para começarmos a pôr o veículo nos trilhos é entender que fomos nós mesmo os responsáveis pelo descarrilamento.  Não somos vítimas , mas agentes e atores ativos da nossa tragédia: quando elegemos e reelegemos políticos corruptos e iguaizinhos --- imagem e semelhança-- ao grosso da população brasileira; quando rasgamos a Constituição  ao doce sabor dos nossos mais escusos interesses; quando nos imbuímos da certeza que para a lua brilhar e reluzir no céu é imprescindível que exista uma outra face oculta, onde todas as perversões podem acontecer sem o nosso conhecimento.


Crato, 02 de Dezembro de 2016   

Um comentário:

  1. Quanta lucidez. Revela bem nossa perplexidade e perdição nesse caos de podres poderes.

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