quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

NO TEMPO

Todos os dias a Cascata do Rio Batateira, lá nas encostas da Chapada do Araripe, na parte mais alta além do Lameiro, a água era um forte jorro pareado em gotas peroladas ao sol. Perto havia uma mangueira, de farta sombra onde os boêmios secavam as ancoretas da produção dos engenhos e tinham, em conta, ser este o espaço do “cantor das multidões,” Orlando Silva.


É que mesmo tangido pelo vento do tempo, compreendo ser como a Cascata do Rio Batateira. Por vezes tenho coragem de pular em suas águas, apesar dos blocos de pedras, noutras a contemplação dissolve vontades pela invasão interior de todas as coisas circundantes: a estrada, as flores, as cercas, o canto dos pássaros, o alpendre do bar do “baião-de-dois-com-pequi”.

Ontem, já pelo final da tarde, estava novamente na Cascata, na margem do Rio Batateira, numa complexa alça de espaço e tempo, enquanto corpo na Barra da Tijuca. Abri o celular no facebook e uma “solicitação-de-amizade” (lá nos termos do aplicativo) fez pronunciar o mantra do “Om”, o som do cosmo, não o absoluto, mas aquele do movimento.

Da inseparável matriz do ser havia uma mensagem na distância. Era de Raimundo Feitosa. Um código de área, no Maranhão. Um código de tempo de cinquenta anos. Mais ainda um código de tempo por que Raimundo é um prolongamento secular, sob a forma do território dos Inhamuns, na cidade de Aiuaba e toda a ancestralidade comum. Entre nós.

Aquelas dormidas nas redes sobre a praça barulhenta porque às 4:30 horas éramos soldados e deveríamos estar acordados. Os exercícios de tiro e as pequenas prisões em grupo em face dos cochilos nas instruções ou os arroubos de quem não sabe conter o incontido.

Raimundo Feitosa era um no casarão familiar ali por volta dos anos 60, onde um coletivo de pura juventude se reunia em brincadeiras, violões, histórias e amores. Raimundo andou de cochichos e carinhos com uma das primas daquele coletivo.

Matar uma cobra com uma vara de limpar as telhas do alto casarão. Afinal quem ousaria chegar perto da peçonha que espirra nas presas afiadas feito agulhas de injeção. Raimundo, saibam todos era um homem de imensa coragem. 

Capaz de se arriscar ao limite carregando com ele toda a carga do medo. Coragem não se traduz em palavrório e versos de exaltação à mesma. Ela é o exercício daquele pulo com poucos metros entre a água e a pedra.


Raimundo Feitosa lá no Maranhão, num tempo que se localiza no dezembro de 1967, tem o jorro da cascata pareado em gotas peroladas de sol.

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