AS CIDADES VIVIDAS - ASSARÉ
O
viajante ao marcar a rota para o local a que se diz Assaré, venha de onde vier,
encontrará campos de várzeas e vegetação baixa, com algumas moitas de pereiro,
pés de oiticica e dispersas carnaubeiras. Igualmente estará na confluência de
vários sentidos humanos.
O
sentido dos destinos, por exemplo. Assaré é um pouso seguro e ameno, para os
transeuntes das longas jornadas a pé, em destino do Piauí ou seguindo o rumo
dos Inhamuns ao Cariri. As rotas das boiadas em qual rumo tomasse, fosse ao
Cariri ou em busca da estrada de ferro em Senador Pompeu, muitas vindas dos
sertões piauienses.
O
sentido dos topônimos. Dada a hegemonia que tomaram as línguas tupis para o
projeto mercantilista da colonização portuguesa, diz-se que Assaré teria origem
nesta língua com o significado de uma estaca que se destacou como referência
destes campos. Porém, no sentido das outras línguas, não tupi, seria um destino
diferente.
Assaré
é o local da síntese poética do sertanejo: de suas lutas para enfrentar a
maldição das secas, das cercas, das desigualdades e desamparo social. O lento
destilar dos versos acumula, todas estas lutas pela mais bela das narrativas
dramática. Pinta a seca pelo seu contrário.
No
centro humano de Assaré corre um regato de águas cristalinas e ali
assentaram-se alguns, separando o mundo, ao norte a várzea de carnaubal e ao
sul os campos da “lagoa da pedra”. No inverno as águas minam em centenas de
olhos que esverdeiam a vida em “tudo que é amoroso e terno”.
Por
seus sentidos aos viajantes, Assaré sempre foi aquela que acolheu os passos
cansados nas longas rotas dos sertões. Havia carne e legumes para tal acolhida.
Os viandantes da “marcha de Caxias”, que seguiram do Cariri ao Maranhão para
combater os últimos redutos portugueses, adversários do grito de independência
dada ao Brasil, por um português. Por isso mesmo, muitos dizem que o grito não
foi do Brasil, mas de Portugal, então, pertencente ao Reino Unido de Brasil,
Algarve e Portugal.
Quando
em Assaré, de frente para a matriz de Nossa Senhora das Dores, saiba o viajante
que à sua esquerda, numa casa da calçada elevada, houve um momento que fundou o
futuro e consolidou o passado. Já Assaré era parte da colonização europeia há
134 anos, quando afinal tornou-se a seiva de um novo povo na história. Era o
quinto dia de março do ano de 1909.
Aos
21 anos, com todo o Ceará mantendo as esperanças na região amazônica, aquele
que consolidou Assaré, foi viver em Belém do Pará. Naquela altura já o sangue
dos povos da floresta e dos vastos campos nordestinos, tinha nele a sua
Patativa. E ali um dos mais importantes cearenses, José Carvalho, publicou pela
primeira vez versos daquela Patativa do Assaré.
Desse
modo Assaré tornou-se uma ave canora, versejando o mundo com sua dura realidade
humana, com suas divisões de sofrimento, o céu, o purgatório e o inferno em que
a classe trabalhadora ficaria. Mas sobretudo denunciando que este mundo era
outro, fértil, amoroso, intenso e “transformado no mais imenso jardim.
E
tudo em Assaré se expressa em cores e cantos. Pintando um “lindo quadro de beleza,
do campo até na floresta.” E todos lá se manifestam, as aves, “no despertar de
seus ninhos” e o “camponês vai prazenteiro plantar o seu feijão ligeiro”. “E
corre água em borbotão”, os perfumes, os vagalumes enfeitando a noite em sua
escuridão.
“Nesta
festa alegre e boa, canta o sapo na lagoa e o trovão no ar reboa”. Assaré
poetou, como uma patativa no mais alto galho, a pintar os sertões em toda a sua
plenitude dos feitiços dos poderes que secam aos encantos que a todos desperta
a humanidade plena.
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