terça-feira, 15 de janeiro de 2019


AS CIDADES VIVIDAS - ASSARÉ

O viajante ao marcar a rota para o local a que se diz Assaré, venha de onde vier, encontrará campos de várzeas e vegetação baixa, com algumas moitas de pereiro, pés de oiticica e dispersas carnaubeiras. Igualmente estará na confluência de vários sentidos humanos.

O sentido dos destinos, por exemplo. Assaré é um pouso seguro e ameno, para os transeuntes das longas jornadas a pé, em destino do Piauí ou seguindo o rumo dos Inhamuns ao Cariri. As rotas das boiadas em qual rumo tomasse, fosse ao Cariri ou em busca da estrada de ferro em Senador Pompeu, muitas vindas dos sertões piauienses.

O sentido dos topônimos. Dada a hegemonia que tomaram as línguas tupis para o projeto mercantilista da colonização portuguesa, diz-se que Assaré teria origem nesta língua com o significado de uma estaca que se destacou como referência destes campos. Porém, no sentido das outras línguas, não tupi, seria um destino diferente.

Assaré é o local da síntese poética do sertanejo: de suas lutas para enfrentar a maldição das secas, das cercas, das desigualdades e desamparo social. O lento destilar dos versos acumula, todas estas lutas pela mais bela das narrativas dramática. Pinta a seca pelo seu contrário.

No centro humano de Assaré corre um regato de águas cristalinas e ali assentaram-se alguns, separando o mundo, ao norte a várzea de carnaubal e ao sul os campos da “lagoa da pedra”. No inverno as águas minam em centenas de olhos que esverdeiam a vida em “tudo que é amoroso e terno”.

Por seus sentidos aos viajantes, Assaré sempre foi aquela que acolheu os passos cansados nas longas rotas dos sertões. Havia carne e legumes para tal acolhida. Os viandantes da “marcha de Caxias”, que seguiram do Cariri ao Maranhão para combater os últimos redutos portugueses, adversários do grito de independência dada ao Brasil, por um português. Por isso mesmo, muitos dizem que o grito não foi do Brasil, mas de Portugal, então, pertencente ao Reino Unido de Brasil, Algarve e Portugal.

Quando em Assaré, de frente para a matriz de Nossa Senhora das Dores, saiba o viajante que à sua esquerda, numa casa da calçada elevada, houve um momento que fundou o futuro e consolidou o passado. Já Assaré era parte da colonização europeia há 134 anos, quando afinal tornou-se a seiva de um novo povo na história. Era o quinto dia de março do ano de 1909.

Aos 21 anos, com todo o Ceará mantendo as esperanças na região amazônica, aquele que consolidou Assaré, foi viver em Belém do Pará. Naquela altura já o sangue dos povos da floresta e dos vastos campos nordestinos, tinha nele a sua Patativa. E ali um dos mais importantes cearenses, José Carvalho, publicou pela primeira vez versos daquela Patativa do Assaré.  

Desse modo Assaré tornou-se uma ave canora, versejando o mundo com sua dura realidade humana, com suas divisões de sofrimento, o céu, o purgatório e o inferno em que a classe trabalhadora ficaria. Mas sobretudo denunciando que este mundo era outro, fértil, amoroso, intenso e “transformado no mais imenso jardim.

E tudo em Assaré se expressa em cores e cantos. Pintando um “lindo quadro de beleza, do campo até na floresta.” E todos lá se manifestam, as aves, “no despertar de seus ninhos” e o “camponês vai prazenteiro plantar o seu feijão ligeiro”. “E corre água em borbotão”, os perfumes, os vagalumes enfeitando a noite em sua escuridão.

“Nesta festa alegre e boa, canta o sapo na lagoa e o trovão no ar reboa”. Assaré poetou, como uma patativa no mais alto galho, a pintar os sertões em toda a sua plenitude dos feitiços dos poderes que secam aos encantos que a todos desperta a humanidade plena.

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