“Gramsci deixou escrito o retrato fiel
daquilo que eu sou: «Pessimista pela razão,
otimista pela vontade». Isso diz tudo”.
José Saramago
Se há uma profissão que se viu terrivelmente abatida nesta epidemia foi a de astrólogo. Nostradamus nenhum, de final de ano, adivinhou o cangapé que o mundo daria neste 2020 ! O Tarô deu xabu, os búzios ficaram tan-tans, as bolas de cristal opacificaram-se. Faço-me, também, profundamente pessimista com aqueles que imaginam que surgirá um novo mundo pós-covídico. A história tem mostrado que as mudanças, após os cataclismos, são muito mais de superfície que de essência. A história das pandemias mostra, claramente, que a ciência evoluiu sobremaneira, mas o comportamento humano é muito menos moldável e mutável. As mesmas fases repetiram-se , com quase nenhuma alteração, desde a Peste de Atenas, há mais de dois milênios e meio, a Peste Negra do Século XIV e a Covid-19. A fase de NEGAÇÃO que leva a figuras importantes subestimarem a gravidade da praga: “É só uma Gripizinha!”. A CULPABILIZAÇÃO : diante da tragédia é preciso encontrar , rápido, um culpado para perseguir. Em Atenas gritou-se: “Foram os estrangeiros que trouxeram a peste !” Na Peste Negra a responsabilidade foi lançada em cima dos judeus, dos bruxos e dos hansenianos. Na Epidemia de Cólera de 1862-64, aqui no Cariri, os judeus foram imputados como responsáveis e, na praga do Tracoma, os ciganos. Aos Alemães se imputou o aparecimento da Gripe Espanhola e na Covid-19, jogou-se o ônus em cima dos chineses e pululam teorias conspiratórias mundo afora. A REVOLTA CONTRA MEDIDAS SANITÁRIAS também se repete no curso da história, como na Revolta da Vacina no Rio em 1904 e agora contra o confinamento, proibição de aglomerações e contra a vacinação, novamente, pelo governo brasileiro. A POLITIZAÇÃO das epidemias, também, tem um histórico recorrente, minimizando-se quase sempre os efeitos da tragédia, maquiando e escondendo dados estatísticos. A profusão de CHARLATÃES e de remédios miraculosos é uma outra praga repetitiva como as próprias epidemias. A Cloroquina preconizada oficialmente pelo Ministério da Saúde, que nenhum efeito tem para o Covid, já havia tido seu princípio ativo sido prescrito, da mesma maneira, no Cólera e na Gripe Espanhola. Sem falar na INVULNERABILIDADE, aquela sensação que , em determinados momentos, toma de conta de algumas pessoas que, como possuidores de superpoderes, sentem-se imunes às pragas: “Comigo não acontece !”
O mundo, passada a nuvem covídica, voltará a ser o que sempre foi: pouco solidário, cego quanto as distorções sociais, adepto do Darwinismo Social do “quem for podre que se quebre”. Ficam, no entanto, algumas lições claras e insofismáveis. A primeira é a importância da Saúde Pública estruturada na minimização dos efeitos terríveis das pestes. Sem Saúde Pública organizada, não se combate a contento as pandemias ( riqueza só não basta, vejam os EUA). Por outro lado, as desigualdades sociais catapultam as pestes e levam de roldão pobres, ricos e remediados, embora os descamisados e descuecados sejam as vítimas preferenciais. Há que se lutar por um mínimo de recursos e vida decente para todos. Em terceiro lugar: o Meio Ambiente tão atacado e vilipendiado no Brasil tem uma importância fundamental na explosão e progressão de epidemias: 60% de todas as doenças são zoonóticas ( Ebola, AIDS, Influenza Suina e Aviária, Febre Amarela, Dengue, Chikugunya, Zica, só para citar algumas). Aos cientistas, a quem o governo brasileiro imputa de causadores de balbúrdia e fumadores de maconha, cabe a possibilidade de cura com novos medicamentos e de prevenção com as vacinas ( estas também tão perseguidas , acusadas de malefícios e difamadas) . E, mais que tudo, o chamado Estado Mínimo ( mas Máximo para alguns) mostrou-se totalmente ineficaz em trazer um grão de segurança social em tempos críticos como os que vivemos.
As lições aí estão para os olhos que quiserem ver. Passada a nuvem sombria, todos esquecerão que um dia fez-se noite. Tudo retornará como dantes no quartel dos governantes. A ciência andou de Boing nas últimas centúrias e a humanidade montada em casco de tartaruga. A razão nos sopra nos ouvidos lições de pessimismo, mas é imprescindível que umedeçamos nossa vontade com os ventos do otimismo e da transformação.
Crato, 03/09/2020
Quem bom ter o Zé Flávio (um dos nossos "monstros sagrados" literários e que andava meio sumido por aqui) de volta a esse espaço com a sua reconhecida competência.
ResponderExcluirBem-vindo, Zé.
Nos contemple mais amiúde com seus textos maravilhosos.